Só crime no mandato será alvo de conselho, diz Maia
Igor Gadelha,  Adriana Fernandes e Idiana Tomazelli
01/05/2017
 
 
Lava Jato. Presidente da Câmara afirma que deputados federais investigados no Supremo por crimes cometidos antes de 2015 não devem sofrer processo de cassação

Um dos 39 deputados alvo de inquérito na Lava Jato, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que os parlamentares só devem responder a processos no Conselho de Ética na Casa se os crimes apontados nas investigações tiverem sido cometidos no atual mandato.

De acordo com Maia, esta é a “jurisprudência” no colegiado, que ele deve seguir.

“O que está acontecendo na Câmara desde 2015 e desde antes é que, por exemplo, o Eduardo Cunha (ex-presidente da Câmara, cassado em setembro) apenas respondeu a processo no Conselho de Ética porque mentiu no mandato. Então, há uma jurisprudência na Câmara que você responde pelo ato daquele mandato. Isso está meio que colocado hoje. Pode mudar amanhã”, afirmou, em entrevista ao Estado.

Na prática, o entendimento do presidente da Câmara representa uma espécie de salvo conduto para os parlamentares.

Nos inquéritos autorizados pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), com base nas delações da Odebrecht, a maior parte dos crimes descritos são anteriores a 2015, início da atual legislatura da Câmara. Um dos delatores – o ex-executivo Fernando Reis –, porém, afirmou que, mesmo com o avanço da Lava Jato, houve pedidos de caixa 2 na disputa eleitoral de 2016, embora não tenha citado nomes de políticos.

O discurso de Maia é semelhante ao da maioria dos atuais integrantes do Conselho de Ética.

Levantamento do Estado publicado no dia 16 de abril mostrou que os membros do colegiado consideram os inquéritos autorizados por Fachin com base nas delações da Odebrecht insuficientes para justificar instauração de processos.

Dos 21 titulares, 12 afirmaram que só provas de crime cometido no exercício do mandato levarão a ações por quebra de decoro parlamentar.

Caixa 2. Com o caixa 2 representando quase metade das acusações que embasaram os inquéritos da lista de Fachin, Maia voltou a defender a tipificação penal do crime pelo Congresso, prevista no projeto das 10 Medidas Contra a Corrupção defendido pelo Ministério Público e que já foi aprovado pela Câmara, mas está parado no Senado. Hoje, o ato está previsto apenas no Código Eleitoral.

O presidente da Câmara, no entanto, entende que, caso o crime venha a ser tipificado no Código Penal, atos praticados antes disso deverão ser anistiados. “Quando você tipifica, ele passa a ser crime. E o que os advogados dizem é que, se passou a ser crime, é porque antes não era”, afirmou. Ele disse que há dois “caminhos” para resolver o “problema”: só tipificar, “dando espaço de subjetividade de decisão futura do juiz”, ou aprovar a anistia explícita, deixando claro que nem o que está previsto no Código Eleitoral pode gerar condenações.

O presidente da Câmara também defende a diferenciação entre o que é caixa 2 e que é corrupção nas investigações da Lava Jato. “São graves, mas são diferentes.

A pessoa que pegou uma obra pública, superfaturou e pegou o dinheiro público para enriquecimento ilícito é uma gravidade diferente de alguém que financiou uma campanha eleitoral, com caixa 1 ou caixa 2”, disse o parlamentar fluminense.

Excessos. Na entrevista, o deputado criticou o Judiciário e o Ministério Público pelo que chamou de excessos na Lava Jato. Para ele, o sigilo das delações da Odebrecht, que embasaram os inquéritos da lista de Fachin, deveria ter sido levantado de forma gradual e somente quando as denúncias fossem apresentadas ao Supremo.

Maia, no entanto, não pretende acelerar a tramitação do projeto que endurece penas por abuso de autoridade, já aprovado no Senado. Para ele, “talvez não seja o momento” de votá-lo na Câmara.

“Da mesma forma que aprovar uma lei de abuso pode parecer vontade de acabar com a Lava Jato, nesse momento de criminalização da política, mudar o foro pode gerar ambiente de caça às bruxas muito grande”, disse, em referência à Proposta de Emenda Constitucional que restringe o foro privilegiado, aprovado em primeiro turno no Senado na semana passada.

Limite, Para presidente da Câmara, ‘jurisprudência’ deve ser considerada em caso de parlamentares suspeitos de crim

Inquéritos

18 dos 39

deputados federais alvo de inquéritos no Supremo Tribunal Federal com base nas delações da Odebrecht são investigados pelo crime de caixa 2.

21

são investigados por outros crimes, como corrupção passiva, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e violação de sigilo funcional.

PARA LEMBRAR

O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar para o biênio 2017-2019 foi instalado em 11 de abril, mesmo dia em que o Estado publicou com exclusividade a lista do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), autorizando abertura de inquéritos contra oito ministros do governo Temer, 24 senadores e 39 deputados federais. A demora do presidente da Casa, Rodrigo Maia, em pedir a instalação do Conselho foi criticada pela oposição como uma tentativa de dar aos partidos a chance de conhecer os nomes incluídos na lista e blindar os parlamentares citados.

 

O Estado de São Paulo, n. 45121, 01/05/2017. Política, p. A4