Cervejaria apontada como laranja doou a 81 políticos

Daniel Bramatti e Valmar Hupsel Filho

02/05/2017

 

 
Delações. Citada como fachada para a Odebrecht repassar propina, Itaipava registrou R$ 11 milhões em doações eleitorais; 57 dos beneficiários estão fora da lista de Fachin

Pelo menos 57 políticos que estão fora das investigações da Operação Lava Jato podem ter recebido, por via indireta, recursos do esquema de caixa 2 da Odebrecht. O dinheiro, que soma cerca de R$ 5 milhões, foi distribuído como doação de campanha, entre 2010 e 2014, por empresas ligadas à cervejaria Itaipava, apontada em delações como parceira da empreiteira na entrega de propina a agentes públicos.

No total, a Itaipava fez doações oficiais a 81 candidatos entre 2010 e 2014. Destes, 24 já são alvo da operação. Os demais receberam doações registradas na Justiça Eleitoral e, ao menos por enquanto, não foram citados nominalmente nos acordos de delação premiada firmados por executivos e ex-executivos da Odebrecht.

Mas, nos depoimentos, há indícios de que todas as doações da Itaipava foram, na verdade, repasses da Odebrecht. O próprio Marcelo Odebrecht, expresidente da empreiteira, confessou em depoimento ao Tribunal Superior Eleitoral que sua empresa usava a Itaipava como fachada para ocultar doações eleitorais a políticos.

Há ainda comprovação de que isso aconteceu em quatro casos, relacionados a doações recebidas pelo senador Aécio Neves (PSDB), pelo ex-ministro Aloizio Mercadante (PT), pelo ex-senador Demóstenes Torres (ex-DEM) e pelo PPS, presidido pelo atual ministro da Cultura, Roberto Freire. Os quatro já divulgaram notas à imprensa citando repasses da Itaipava quando questionados sobre doações da Odebrecht.

Entre os 57 beneficiários da Itaipava que não são alvo de inquérito estão candidatos a quase todos os cargos eletivos: governador, senador, deputado federal, deputado estadual, prefeito e vereador.

As doações foram registradas sob o CNPJ das empresas Praiamar e Leyroz de Caxias (depois rebatizada como Rof Comercial), ambas distribuidoras de bebidas do Grupo Petrópolis, fabricante das cervejas Itaipava e Cristal. Em alguns casos, a contribuição foi feita de forma direta – em outros, o dinheiro foi das empresas para o partido, e só então chegou ao candidato.

Sociedade. A existência de uma parceria entre a Itaipava e a Odebrecht foi revelada em março de 2016, quando a Polícia Federal apreendeu na casa de um executivo da empreiteira uma planilha com nomes de cerca de 300 políticos que teriam recebido dinheiro em 2012 e 2014.

A planilha trazia uma coluna com o título “parceiro IT”, na qual estavam registrados repasses de cerca de R$ 30 milhões a dezenas de candidatos. Anotado a mão, o nome “Itaipava” ao lado de um dos valores revelava a identidade do “parceiro IT”.

Posteriormente, executivos da Odebrecht detalharam os termos da parceria. A cervejaria chegou a fornecer reais para os pagamentos em caixa 2 da empreiteira, recebendo como contrapartida depósitos em dólares no paraíso fiscal de Antígua e Barbuda.

O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) é um dos políticos que não são alvo de inquérito relacionado às delações da Odebrecht, mas que receberam dinheiro da Itaipava. Em 2010, como candidato, Teixeira foi beneficiário de quatro depósitos feitos por empresas ligadas à cervejaria, no total de R$ 320 mil.

Apesar de ter recebido do Estado oito perguntas sobre eventuais relações com representantes da cervejaria e da empreiteira, o deputado limitou-se a divulgar nota na qual afirma que “todas as doações recebidas em 2010 foram feitas via transferência eletrônica disponível, declaradas à Justiça Eleitoral e devidamente aprovadas”.

Outros beneficiados, como o presidente dos Correios, Guilherme Campos (PSD), e os deputados Elmar Nascimento (DEM-BA) e Fernando Monteiro (PP-PE), negaram relação com a Itaipava e disseram que as todas as doações foram feitas via partido.

Procurada, a Itaipava se limitou a afirmar que “todas as doações feitas pelo Grupo Petrópolis seguiram estritamente a legislação eleitoral”. A Odebrecht não comentou o assunto e informou que já reconheceu seus erros. / COLABOROU RODRIGO BURGARELLI

Repasses. ‘Doações seguiram estritamente a legislação eleitoral’, informou a Itaipava

LONGE DOS HOLOFOTES

● Nas últimas três eleições, cervejaria ligada à Odebrecht doou cerca de R$ 5 milhões para 57 candidatos que não estão sob investigação da Lava Jato

QUANTIDADE  / VALOR EM REAIS

Deputado Federal -  16 / 1.592.578

Deputado Estadual -  14 / 1.226.832

Prefeito – 8 / 1.045.000

Senador  - 5 / 582.465

Governador  -  2 /550.000

Vereador – 12 /  65.000

PARA LEMBRAR

O esquema e os ‘aloprados’

O delator Luiz Eduardo Soares, ex-executivo da Odebrecht, afirmou que o esquema em parceria com a cervejaria Itaipava bancou, em 2006, a tentativa de compra de um dossiê contra o então candidato do PSDB ao governo de São Paulo José Serra, episódio que ficaria marcado como o escândalo dos “aloprados do PT”. Na época, integrantes do PT foram presos. No dinheiro apreendido havia um maço com rótulo da Leyroz de Caxias, empresa da Itaipava. Segundo o delator, foi o próprio presidente da Itaipava, Walter Faria, quem forneceu o dinheiro em coordenação com representantes da Odebrecht. O Grupo Petrópolis, dono da Itaipava, nega.

 

O Estado de São Paulo, n. 45122, 02/05/2017. Política, p. A4