Leniência abate até R$ 19 bi de multas a empreiteiras

Fábio Fabrini

12/05/2017

 

 

Desconto é quase metade dos R$ 39 bi que a AGU está pedindo na Justiça das empresas por improbidade administrativa

 
 

Empreiteiras investigadas na Lava Jato poderão ter abatimento de até R$ 19 bilhões nos valores cobrados pelo governo federal, caso firmem acordos de leniência com o Executivo e contribuam com a apuração dos próprios ilícitos.

O desconto é quase metade do que a Advocacia-Geral da União (AGU) requer das empresas e de seus executivos na Justiça, por meio de ações de improbidade administrativa, pelo esquema de cartel, corrupção e superfaturamento de obras da Petrobrás (R$ 39 bilhões, no total).

As construtoras reclamam que já fizeram acordo com o Ministério Público Federal (MPF) para pagar cifras menores e que, caso sejam condenadas, o desembolso do montante integral vai quebrá-las. O governo, no entanto, está disposto a aplicar dispositivo da Lei Anticorrupção, aprovada em 2013, que permite desconto significativo em caso de colaboração.

Dos R$ 39 bilhões requeridos, R$ 28,4 bilhões referem-se às multas aplicadas às empreiteiras, ou seja, às penalidades pelo envolvimento no esquema criminoso.

A lei autoriza “perdão” de até dois terços desse valor, se houver acordo de leniência com o governo (até R$ 19 bilhões).

São alvo das ações cerca de 30 empresas, entre elas Odebrecht, Camargo Correa, Andrade Gutierrez, OAS, Queiroz Galvão, Mendes Júnior e UTC.

 

Danos. Só a menor parte do valor até agora reclamado pelo governo (R$ 10,6 bilhões) não pode, segundo a lei, ser negociada. Ela se refere ao ressarcimento dos danos causados aos cofres públicos (ou seja, às perdas provocadas pelo superfaturamento dos contratos). A legislação exige que esse montante seja integralmente pago, sem nenhum desconto.

“É um valor inegociável, por uma razão bem simples: é um recurso público. O gestor não pode abrir mão daquilo que é do povo. Senão, fica muito fácil negociar com o que é do povo e não ter de recompor na  integralidade”, afirma a ministra-chefe da AGU, Grace Mendonça.

Perdoar “aquilo que foi objeto de uma conduta ilícita”, segundo ela, teria a conotação de que “o crime compensa”. A ministra pondera que, na perspectiva de acordo, não há risco de falência das empresas.

Explica que, nas ações em que a Odebrecht foi acionada, o valor “inegociável” é de R$ 6 bilhões, perto do valor que a empreiteira e seu braço petroquímico, a Braskem, acertaram com o MPF no Brasil (R$ 5,3 bilhões).

Grace diz que, além do desconto das multas e da garantia de continuar contratando com o governo, as empresas poderão parcelar o ressarcimento.

As prestações considerariam a capacidade de pagamento, baseada no faturamento.

A ministra chamou de irresponsáveis declarações do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, da Lava Jato, de que a AGU atrapalha a investigação ao ajuizar ações contra empreiteiras que já colaboram com o MPF. Em entrevista ao Valor Econômico, ele disse também que órgãos do governo não devem negociar acordos com as empresas, pois estão sujeitos a “influência política”.

Oito ministros do governo Michel Temer são alvo de inquéritos na Lava Jato.

Grace argumenta que a AGU cumpre uma imposição legal e que, se não agisse contra as empresas, seus integrantes poderiam responder por prevaricação.

“Uma afirmação de que uma ação dessa ordem, que é legal, prejudica a Lava Jato, é irresponsável.

Quando se tem uma interpretação dessa ordem, o que, na verdade, se afirma é que a AGU deixe de cumprir um dever de ofício. A lei é categórica e diz que a reparação do dano é integral.” A ministra sustenta que a AGU tem atuado tecnicamente e que alegações sobre eventual ingerência política carecem de sustentação. “Essa afirmação tem de ser precedida de provas.

Não é possível imputar a quem faz um trabalho legítimo, idôneo, sério, a pecha de irregularidade, corrupção, perseguição.”

 

Critério. Para Grace, perdoar ‘conduta ilícita tem conotação de que o ‘crime compensa’

 

 

Lava Jato

“Essa afirmação tem de ser precedida de provas. Não é possível imputar a quem faz um trabalho legítimo, idôneo, sério, a pecha de irregularidade, corrupção, perseguição.”

Grace Mendonça

MINISTRA-CHEFE DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

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Santander perde processo de R$ 2 bilhões no Carf

Lorenna Rodrigues

12/05/2017

 

 

O Santander terá de pagar cerca de R$ 2 bilhões em tributos devidos ainda da compra do Banespa, em 2000. Ontem, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão administrativo que julga recursos contra decisões da Receita Federal, manteve parte de autuação aplicada pelo Fisco decorrente da operação. O banco informou que recorrerá à Justiça da decisão.

A compra do Banespa pelo banco espanhol foi feita há 17 anos, por R$ 7 bilhões. O Santander usou parte do ágio gerado na operação para reduzir a base de cálculo de tributos, entre 2002 e 2004. Esse abatimento só pode ser feito por empresas brasileiras e, como o Santander tem sede no exterior, a Receita Federal entendeu que o banco não poderia ter feito esse cálculo e, com isso, estabeleceu multa de quase R$ 4 bilhões.

No mesmo ano, o Santander recorreu da autuação e, em 2011, o conselho entendeu, por unanimidade, que a autuação era irregular e decidiu anular todo o valor.

A Procuradoria da Fazenda Nacional então apresentou recurso à câmara superior do conselho, que foi analisado ontem.

O valor da autuação chegou a R$ 4 bilhões, porque o Fisco entendeu que houve má-fé do contribuinte e aplicou multa qualificada, que pode gerar um acréscimo de até 150% do valor original.

No julgamento de ontem, contudo, a relatora Adriana Gomes Rego retirou do cálculo a multa qualificada, além de votar pela anulação da parte da multa relativa a 2002, por entender que o prazo para a cobrança já prescreveu. Sobre a utilização do ágio para reduzir impostos devidos pelo banco, a relatora teve o mesmo entendimento da Receita Federal.

Metade dos conselheiros votaram com a relatora. Com isso, o julgamento foi decidido pelo voto de qualidade do presidente – pelas regras do Carf, quando há empate, o presidente desempata a questão.

Apesar de o julgamento ser aberto à imprensa, o conselho não dá explicações detalhadas (o processo só é público quando publico no Diário Oficial).

Mas, de acordo com fontes que acompanharam o tema, o valor da autuação caiu de R$ 4 bilhões para cerca de R$ 1,2 bilhão, que chegariam a cerca de R$ 2 bilhões em valores atualizados.

O Santander chegou a ser citado na Operação Zelotes, que investigou esquema de corrupção no Carf. O banco alega que não é investigado pela Operação, que tem como alvo o banco Bozano, comprado pelo grupo espanhol.

 

Posicionamento. Em relação à compra do Banespa, o Santander afirmou que a amortização do ágio em operações de aquisição de empresas está prevista na legislação e que sua aplicação nas operações referentes à aquisição do banco paulista atende “estritamente à legislação vigente”.

Em nota, o banco chamou a atenção para o fato de a decisão ter sido tomada após desempate pelo presidente. “Importante mencionar que no julgamento anterior, por unanimidade de votos, o conselho havia decidido favoravelmente ao Santander”, afirmou.

No julgamento, os advogados do Santander chegaram a alegar que a Procuradoria da Fazenda Nacional havia perdido o prazo para recorrer à Câmara Superior. O advogado do banco, Roberto Quiroga, alegou que o prazo seria até 21 de março de 2012, e que, no sistema, consta que o recurso entrou no conselho no dia 22. Já a procuradoria apresentou documentos mostrando que o recurso foi entregue fisicamente no dia 21, ou seja, dentro do prazo. A posição da procuradoria foi acolhida pelo Carf, que julgou o recurso tempestivo.

 

Autuação inicial

R$ 4 bi foi o valor inicial da multa que o Fisco estabeleceu no início do processo – já incluídos alguns milhões pelo entendimento que houve má-fé do banco. A decisão de ontem do conselho reduziu a autuação para R$ 2 bilhões

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45132, 12/05/2017. Economia, p. B3.