Título: Chuva e seca a um só tempo
Autor: Filizola, Paula
Fonte: Correio Braziliense, 09/01/2012, Brasil, p. 5

Falta e excesso de água têm alterado a rotina de quase 3,5 milhões de pessoas que vivem em cidades da parte sul do país

Há dias, o cenário na Região Sudeste do Brasil é de muita chuva. No estado mais crítico, Minas Gerais, 103 cidades estão em situação de emergência. As enchentes também causam estragos no Rio de Janeiro e no Espírito Santo. Mais ao sul, é a falta de água que decreta o alerta. São 106 municípios gaúchos e 63 catarinenses sofrendo com a estiagem. Falta e excesso de água marcam o início do ano no país, assolando a vida de quase 3,5 milhões de brasileiros.

Na madrugada de ontem, voltou a chover forte em Minas Gerais e nas regiões norte e noroeste fluminense. A previsão do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) é de mais chuva para os próximos dias. Diferentemente da previsão para o sul do país. De acordo com o major Ferreira, da Defesa Civil do Rio Grande do Sul, o quadro seco no estado não sofrerá alterações na próxima semana. "Só estamos prevendo mudanças climáticas para o fim do mês", alerta.

Outras 35 cidades gaúchas enviaram notificação preliminar de desastre (Nopred) e podem se juntar à lista de emergência nos próximos dias. Hoje, o vice-governador Beto Grill, governador em exercício do estado, assinará um decreto coletivo de situação de emergência dos municípios atingidos pela estiagem. A medida tem como objetivo apressar a liberação de verbas federais para ajudar os produtores prejudicados pela estiagem. Entre as opções estão a renegociação das dívidas e, em alguns casos, até mesmo o perdão da mesma.

A Associação Rio-Grandense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural estima que as perdas com a seca chegam a R$ 2,8 bilhões. As culturas de milho e de feijão são as mais atingidas. Em algumas lavouras, 90% do milho plantado foi perdido. A produção de soja em cidades gaúchas deve sofrer 25% de perda.

Além do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, com 460.714 e 407 mil pessoas prejudicadas, respectivamente, moradores do Paraná têm a rotina alterada devido à estiagem. Nenhuma cidade decretou situação de emergência, mas a Defesa Civil do estado contabiliza nove municípios com problemas pela falta de chuva. Estima-se que 76 mil moradores tenham sido afetados pela seca. Houve, inclusive, redução da colheita do grão. A previsão é de que a queda seja de 10% em relação à safra do ano passado.

Palavra de especialista Problemas de um país continental

Quando falamos de Brasil, precisamos levar em conta as dimensões continentais do país, que é uma das causas dessa variação climática que estamos acompanhando — excesso de chuva a partir da Região Sudeste e seca a partir do oeste da Região Sul. O fenômeno que causa as chuvas no Sudeste chama-se Zona de Convergência do Atlântico Sul. Ele acontece todos os anos, quando uma frente fria fica estacionada sob o Rio de Janeiro e o Espírito Santo e é alimentada por áreas de instabilidade do norte do país. Funciona assim: o aglomerado de nuvens da Região Norte se encontra com a frente fria do Sudeste, causando um excesso de chuva. Já a seca na parte sul brasileira se deve à passagem de massas de ar polares oriundas da Argentina. Elas inibem a formação de nuvens. E, se não há nuvens, não há chuva. A previsão é de que as chuvas diminuam na segunda quinzena do mês em Minas Gerais e se intensifiquem em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Paraná, em Mato Grosso, em Mato Grosso do Sul e em Goiás. No Sul, as chuvas esperadas não devem ocorrer nas áreas que sofrem com a seca.

Manoel Rangel, meterologista do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet)