Fazenda cede, mas convalidação emperra

Fabio Graner e Raphael Di Cunto

24/05/2017

 

 

O Ministério da Fazenda cedeu mais nas negociações sobre o projeto de convalidação dos incentivos da guerra fiscal, mas ainda não conseguiu remover o impasse político com as bancadas da região Nordeste na Câmara dos Deputados. Com isso, a votação do projeto de lei complementar, prevista para ontem, foi adiada para hoje e corre o risco de não ser realizada.

Também pesou para o adiamento da votação a avaliação do governo de que essa pauta exigia quórum mais alto (lei complementar demanda pelo menos 257 votos pela aprovação) e seria arriscado votar o projeto como primeiro teste após a delação da JBS. Por isso, optou-se por priorizar ontem a votação de medidas provisórias.

Valor teve acesso à versão mais recente de texto elaborado pelo relator Alexandre Baldy (PTN-GO) em negociação feita na noite de segunda-feira com o Ministério da Fazenda. O texto, que ainda pode ter novas alterações, previa uma regra intermediária para redução dos incentivos fiscais ao longo de 15 anos, menos rigorosa do que a inicialmente proposta pela equipe econômica, que não quer uma redução abrupta do incentivo ao final dos 15 anos, como consta no projeto aprovado no Senado.

Na nova configuração que se desenhava, os incentivos industriais, que são os mais importantes, teriam redução de 1% ao ano nos primeiros dez anos e de 15% do 11º ao 15º ano. No caso dos agropecuários e nos investimentos em infraestrutura, a redução será de 5% ao ano na primeira década de vigência e de 8% ao ano a partir do 11º ano.

O texto que estava sendo costurado entre Baldy e a Fazenda começou a ter sinalizações favoráveis de algumas bancadas do Nordeste, mas ao longo do dia de ontem, com a pressão de oposicionistas sobre alguns governadores, o impasse voltou e o acordo ainda estava pendente.

A proposta acordada na segunda à noite com a Fazenda previa também redução de 10% ao ano nos incentivos aos setores portuário e aeroportuários até o sexto ano e de 15% nos dois anos seguintes. A proposta também prevê punição para o Estado que der novos incentivos sem aprovação unânime do Confaz, como a proibição de transferências voluntárias, obtenção de garantia para operações de crédito e a contratação de novas operações de financiamento.

O governador do Piauí, Wellington Dias, um dos coordenadores dos governadores do Nordeste afirmou que a posição do grupo segue sendo em favor de votar o projeto aprovado no Senado. Segundo ele, mesmo a versão mais recente da proposta prejudica os Estados da região.

O secretário de tributação do Rio Grande do Norte e coordenador do Conselho de Secretários de Fazenda (Consefaz), André Horta, foi na mesma direção. Ele disse que a redução gradual dos incentivos pode ser tratada diretamente pelos secretários, na regulamentação da lei na forma que foi aprovada no Senado. Além disso, destacou que o melhor momento para se discutir essa revisão gradual seria em uma reforma tributária, que, em 15 anos, teria toda a condição de ser levada adiante.

O líder do governo na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) reconheceu que não há consenso na própria base aliada em torno do projeto. "Teremos que chegar num meio termo entre os dois textos", afirmou. "O pior dos mundos é não fazer nada, porque aí o Supremo Tribunal Federal vai julgar todas as ações [de inconstitucionalidade]", disse Ribeiro.

Já o líder do PP na Câmara, deputado Arthur Lira (AL), defende que é hora do Sudeste fazer um gesto para o resto do país. "O texto do Senado é mais democrático, justo com o Nordeste, que já votou aqui para resolver os problemas do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Minas Gerais", afirmou, sobre os projetos de renegociação das dívidas com a União. O pepista afirmou que tentará chegar num acordo com o relator, mas que, na sua visão, o Senado vai rejeitar as mudanças da Câmara e votar "o texto deles", que não tem apoio da Fazenda.

Para forçar um acordo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou aos líderes da base que só pautará o projeto se tiver acordo. Se isso não ocorrer, disse, ele comunicará à presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, que fique a vontade para julgar as ações de inconstitucionalidade contra os incentivos concedidos.

O secretário André Horta disse que, se o Câmara não aprovar o texto do Senado, ainda é possível que o STF julgue inválida a exigência de unanimidade do Confaz para a concessão de incentivos pelos Estados, o que beneficiaria aqueles que concederam o incentivo. Mas no governo, a avaliação é que a tendência é o Supremo tornar ilegais os benefícios dados na guerra fiscal.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4261, 24/05/2017. Política, p. A10.