Delação da JBS é desafio para futuro do Banco Original

Silvia Rosa, Vanessa Adachi e Vinícius Pinheiro

24/05/2017

 

 

A crise deflagrada pela delação premiada dos donos do frigorífico JBS colocou em xeque o futuro do Banco Original, instituição financeira do grupo. Diferentemente de outros casos, não se trata de um problema de liquidez. A instituição, muito pouco alavancada, tem folga para cumprir seus compromissos. Mas a viabilidade no médio prazo ficou comprometida, por uma questão de credibilidade dos controladores, que afeta o banco, segundo pessoas que acompanham a situação. "Um banco sem credibilidade não tem futuro. Como levar adiante o plano de crescimento? É questão de tempo até as pessoas associarem o banco ao grupo", comentou um interlocutor.

O banco possui hoje em caixa mais recursos do que o necessário para fazer frente a eventuais pedidos de resgate. A necessidade de liquidez imediata é estimada em pouco menos de R$ 200 milhões, segundo uma fonte a par do assunto. No fim do ano passado, o caixa do Original era de R$ 933 milhões, de acordo com informações do balanço. Esse valor aumentou desde então e atualmente estaria em R$ 1,6 bilhão, segundo uma fonte.

Embora liquidez não seja um problema, a grande questão é como o banco vai lidar com a crise envolvendo os controladores. O custo de funding da instituição hoje é maior do que a taxa interbancária (CDI), segundo uma fonte. Isso significa que o banco paga para a manter a liquidez, uma situação que não se sustenta por muito tempo sem a entrada de dinheiro novo.

Além do aspecto financeiro, o desafio do banco é manter a credibilidade depois que seus controladores confessaram crimes de corrupção em larga escala e fizeram um acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal. Os irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da holding J&F, que controla o Original, concordaram em pagar uma multa de R$ 110 milhões cada um pelo pagamento de propina a diversos políticos. O grupo JBS ainda negocia um acordo de leniência que deve impor uma multa muito mais pesada do que essa para o grupo.

O Original investe desde o ano passado em um ambicioso projeto de banco digital, em um modelo sem agências e com todo o relacionamento feito pelo telefone celular, projeto esse desenvolvido pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles até que ele deixou o grupo para integrar o governo do presidente Michel Temer. Em março deste ano, o banco contava com uma base de 230 mil contas, o que ampliou a captação do banco entre pequenos investidores. Apesar do crescimento, o projeto é deficitário e a expectativa era que só atingisse o ponto de equilíbrio ("break even") em 2019.

Em meio à turbulência, o Banco Central nomeou um auditor para facilitar o contínuo monitoramento do banco. Procurado, o Original afirmou que a instituição tem caixa robusto, que a administração de ativos e passivos é confortável e que a gestão segue conservadora. O BC informou que não comenta ações de supervisão ou casos específicos.

Em relatório, a agência de classificação de risco Fitch Ratings avalia que o Original tem conseguido até agora conter potenciais pressões sobre os seus negócios e perfil financeiro. "O que verificamos, até agora, não foi uma corrida de depósitos", afirma Claudio Gallina, diretor da Fitch. Ele destaca, contudo, que a operação de varejo é cara e existe alto investimento. A agência manteve, por enquanto, o rating do banco em "B+", dois níveis abaixo da nota soberana do Brasil, com perspectiva estável.

A Fitch destaca que a carteira de crédito do banco, que somava R$ 5,7 bilhões em dezembro, tem um perfil de curto prazo. O perfil das captações também favorece o banco, já que menos de 10% dos depósitos contavam com cláusulas de liquidez diária. No fim do ano passado, o Original tinha um total de R$ 3,2 bilhões em depósitos, além de R$ 2,4 bilhões em letras de crédito do agronegócio (LCA) e imobiliário (LCI).

O banco tem uma captação diversificada por meio de papéis cobertos pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC) até o limite de R$ 250 mil por aplicador e tem investido na plataforma de investimentos digital. Segundo a Fitch, isso tem sido, até agora, fundamental e suficiente para aliviar potenciais pressões sobre o perfil financeiro do Original. Criado em 2008 como Banco JBS, o Original ganhou o nome atual após a compra do Matone, em 2011. A transação foi financiada pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC), que emprestou R$ 1,85 bilhão aos controladores da JBS para socorrer a instituição gaúcha, que estava com problema de capital.

A operação com o fundo garantidor, que foi fechada pelo prazo de 15 anos ao custo de CDI e vence em 2026, contou com garantias de ações da JBS, que acumulam queda de 42,6% no ano. Com a desvalorização, a participação dos controladores do frigorífico valia R$ 7,9 bilhões na bolsa, com base nas cotações de ontem.

A operação foi alvo de críticas na época, porque foi considerada um meio de o banco dos Batista ter acesso a um funding de longuíssima prazo a um baixo custo para o seu perfil de risco. Com o caixa recheado e sem destino certo para o dinheiro, os controladores chegaram a tentar por em marcha uma estratégia de compra de empresas, inspirado no BTG Pactual, um sucesso à época. Mas a iniciativa repercutiu mal e foi deixada de lado. Diferentemente do que chegou a se especular nos últimos dias, não existe até agora inquérito aberto pelo Ministério Público Federal em Brasília ou São Paulo para investigar a compra do banco Matone, segundo o Valor apurou.

Depois de ficar anos sem uma estratégia clara, a grande guinada do banco ocorreu no ano passado, com o lançamento da plataforma de banco digital, que contou com investimentos pesados em marketing. No fim do ano passado, a marca do banco foi vendida para os controladores, em uma operação que rendeu R$ 365,7 milhões. Graças a essa operação, o Original registrou um lucro líquido de R$ 43,6 milhões, queda de 61% em relação a 2015. Considerando apenas o resultado operacional, contudo, o banco teve prejuízo de R$ 278,6 milhões no ano passado.

Em dezembro, o Original contava com patrimônio líquido de R$ 2,2 bilhões e índice de Basileia - que mede a capacidade de uma instituição emprestar em relação a seu capital - de 20,1%, bem acima do índice mínimo de 10,5% exigido pelo BC. (Colaborou Eduardo Campos, de Brasília)

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4261, 24/05/2017. Finanças, p. C1.