Título: Queda de braço sutil
Autor: Vicentin, Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 09/01/2012, Mundo, p. 12

Além das desavenças com outros países, em especial Estados Unidos e Israel, o presidente Mahmoud Ahmadinejad, que iniciou ontem visita à América Latina, trava uma cautelosa disputa pelo poder com o líder supremo Ali Khamenei

O mundo acompanha, atento, cada suspiro do presidente Mahmoud Ahmadinejad, homem cujo rosto representa um dos regimes mais fechados do planeta. Enquanto as falas do governante arrepiam os vizinhos israelenses e países ocidentais, em especial os norte-americanos, dentro do Irã, ele precisa ser muito mais cauteloso. Antigo homem de confiança do aiatolá Ali Khamenei, líder supremo da República Islâmica, Ahmadinejad partiu para uma disputa de poder com o enérgico grupo de clérigos, que, de fato, comanda o país persa. Em meio a essa briga, está o futuro do programa nuclear, o desenvolvimento de mísseis e a insatisfação da população causada por graves problemas econômicos.

Ahmadinejad foi eleito para o segundo mandato em 2009, em meio a protestos da oposição, que o acusava de fraude nas eleições. O segundo colocado, Hossein Mousavi, faz parte de um grupo reformista, composto por jovens e líderes políticos que propõem uma flexibilização da lei islâmica. Diante da possibilidade de tais liberais assumirem ou chegarem próximo ao poder, os aiatolás se apressaram para garantir a reeleição de Ahmadinejad. "O presidente não era a figura mais desejada pelos clérigos, mas tinha feito um bom governo, era de confiança e uma opção muito melhor em relação a Mousavi", lembra Murilo Meihy, professor de história contemporânea da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro.

Os protestos contrários às eleições foram, então, sufocados e o Conselho dos Guardiões, que reúne 12 dos mais importantes aiatolás do país, desistiu de rever o resultado das urnas. Na época, disseram eles, os 3 milhões de votos fraudados não seriam o bastante para reverter a vitória de Ahmadinejad. De lá para cá, no entanto, o presidente passou a testar a sua autonomia. Em julho de 2009, por exemplo, um mês depois de assumir o segundo mandato, ele demitiu o ministro da Inteligência, um ato que foi imediatamente revogado por Khamenei. "Isso colocou o presidente em uma posição muito humilhante. Ele chegou a ficar 10 dias em casa e, segundo rumores, foi pressionado a voltar logo ou a deixar o cargo", conta a pesquisadora iraniana Haleh Esfandiari, diretora do Programa para o Oriente Médio no Woodrow Wilson International Center for Scholars.

Ahmadinejad voltou e continuou desagradando os aiatolás. Outra decisão rebelde do presidente foi manter o polêmico Esfandiar Mashaei como seu chefe de gabinete. Mashaei chegou a ser o vice da gestão, mas foi deposto do cargo pelos membros do Conselho dos Guardiões por ter ideias consideradas liberais demais. Os dois são amigos, confidentes e têm laços familiares — seus filhos se casaram. Outro aspecto preocupante para o líder supremo é o crescimento do apoio político de Ahmadinejad no interior do Irã. Apesar de ele ter sido prefeito da capital, Teerã, é nas províncias que está a maior parte de seus admiradores. "Aos poucos, o presidente caminha para uma oposição bastante sutil a Khamenei. Ambos estão disputando a liderança política dentro de um grande grupo de conservadores", observa o professor Murilo Meihy.

Briga global O aiatolá e o presidente também brigam pelo controle da liderança regional no Golfo Pérsico — reivindicada pela Arábia Saudita — e o protagonismo das decisões acerca do programa nuclear. Em um artigo publicado no The New York Times, dois dos maiores especialistas em política iraniana defendem que uma derrota de Ahmadinejad seria ainda pior para a solução do impasse. Bem ou mal, apontam, o presidente sinalizou para uma negociação sobre o assunto. "O interesse de Ahmadinejad num diálogo não foi motivado por seu apreço pela civilização americana. Em vez disso, o provocativo presidente viu as negociações como um meio de reforçar sua posição no Irã e no exterior, ao mesmo tempo em que seria exibida sua visão de um Irã poderoso armado com bombas nucleares", escreveram Suzanne Maloney e Ray Takeyh. A estratégia inclui, ainda, a aproximação com países latino-americanos (leia abaixo).

Enquanto isso, os iranianos sofrem os efeitos de uma grave crise econômica. Nos últimos anos, o custo de vida no país de quase 74 milhões de habitantes disparou e há milhares de jovens desempregados. O governo mantém o auxílio financeiro a muitas famílias, mas a continuidade do benefício é duvidosa — ainda mais porque os Estados Unidos e a União Europeia impuseram uma série de sanções econômicas à nação persa. Para a pesquisadora Haleh Esfandiari, isso pode, até mesmo, levar o regime a um colapso. "Se a situação financeira piorar, haverá uma certa pressão por parte das pessoas (ao governo), não por motivos políticos, mas por uma questão de sobrevivência", prevê. "Uma coisa são protestos políticos, outra coisa é quando se vai às ruas perguntar: "Onde está o meu pão?""

Advertência americana O chefe do Pentágono, Leon Panetta, advertiu ontem que os Estados Unidos responderão por meio da força caso o Irã bloqueie o Estreito de Ormuz, passagem estratégica para o tráfego marítimo de petróleo. A tensão aumentou entre Teerã e Washington desde terça-feira, após a advertência iraniana sobre a presença da marinha americana no Golfo enquanto realizavam manobras militares. Panetta também falou sobre o programa nuclear iraniano: "Sabemos que tentam desenvolver uma capacidade nuclear, o que é preocupante para nós".