O último suspiro do comandante-em-chefe

Maria Cristina Fernandes

25/05/2017

 

 

Os conflitos em Brasília deram ao comandante-em-chefe das Forças Armadas a última oportunidade de mostrar autoridade num governo que já acabou. A velocidade com a qual os protestos de ontem descambaram para o conflito contrasta com o ramerrão dos impasses que presidem as negociações para a substituição do presidente. É na administração de ritmos desconexos entre as expectativas da sociedade, os ritos judiciais e os consensos da política que Michel Temer valida a prorrogação de sua permanência.

O prazo de 30 dias para um laudo conclusivo do áudio do grampo das conversas entre o presidente e o empresário Joesley Batista deu tempo ao governo para tentar reagrupar forças no Supremo Tribunal Federal. A retaguarda presidencial investiu em dois alvos. O primeiro é a retirada da delação da JBS das mãos do ministro Edson Fachin, sob o argumento de que não se trata de subproduto da Lava-Jato. O segundo foi a reação, comandada pelo ministro Gilmar Mendes, contra a injustificada quebra do sigilo entre jornalista e fonte, mote para a sublevação contra o Estado policial.

A prorrogação do jogo no Supremo leva os holofotes para o julgamento, pelo TSE, no dia 6, da chapa que elegeu Dilma Rousseff e Michel Temer em 2014. A saída parece honrosa para um governante investigado por corrupção, organização criminosa e obstrução de justiça, mas Temer receia o juízo da primeira instância e negocia um novo pedido de vista no tribunal presidido por Gilmar Mendes.

A presença das Forças Armadas no Distrito Federal não deixará vestígio de povo nas imediações da Casa que hoje se ocupa da escolha de um nome para substituir o presidente. Se o biombo militar permanecer, os dois imperativos que movem Congresso e mercado nessa sucessão, a proteção contra a Lava-Jato e a manutenção das reformas, ficam livres de contestações populares, pelo menos na Praça dos Três Poderes.

O candidato hoje melhor aparelhado para atender às duas expectativas tem como principal óbice seu vínculo societário com um banqueiro investigado na Lava-Jato. Uma eventual delação de André Esteves, do BTG, tiraria o maior obstáculo à candidatura de Nelson Jobim.

Deputado, senador, ministro dos três últimos governos e ministro do Supremo, Jobim adquiriu seu principal ativo eleitoral depois que deixou a vida pública. A intimidade com os processos da Lava-Jato o transformou no principal consultor jurídico dos que buscam uma saída pela tangente.

A galeria de candidatos do colégio eleitoral, no entanto, seria mais reduzida se a plataforma de campanha estivesse reduzida a Lava-Jato e reformas. É o poder que o substituto de Temer terá na formatação da sucessão presidencial de 2018 que dificulta a formação de consensos.

Como dizem os questionários de pesquisa, "se a eleição fosse hoje" o candidato com mais chance de ser eleito seria o atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A razão é simples. Foi ele o escolhido pela maioria dos 513 deputados que compõem esse colégio eleitoral formado por 594 delegados há pouco mais de três meses. Sua candidatura deixaria vaga a presidência da Câmara, valiosa moeda de troca na costura eleitoral.

Como a normatização da eleição indireta está em aberto, o Planalto aposta na demora para se votar uma lei complementar com as regras de elegibilidade - prazo de filiação partidária e de desincompatibilização de cargos públicos. Como árbitro do jogo no Congresso, Maia está mais apetrechado para angariar votos do que o senador Tasso Jereissati, preferido do PSDB, ou de nomes que correm por fora, em busca de raias equidistantes de oposição e governo, como o senador Armando Monteiro (PTB-PE).

A indisposição de ala do DEM de se manter a reboque do PSDB vitamina a candidatura de Maia. É o temor dos tucanos de que o deputado, se eleito para o Planalto, queira disputar a reeleição em 2018, que dificulta o entendimento entre as duas legendas. Tasso leva sobre Maia a vantagem de estar fora da Lava-Jato, condição que não constrange os aliados do deputado. Se vai se buscar uma saída para o presidente da República por que não se encontraria também um jeito de livrar o segundo na linha sucessória dos mesmos constrangimentos?

A escolha de um nome de fora do Congresso dependerá da regulamentação da eleição indireta. Por ser filiado a um partido (PMDB) e não ocupar cargo público, Jobim não teria restrições a enfrentar, mas nomes como o do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, do ex-ministro Carlos Ayres Brito e da presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, só se viabilizam com uma regulamentação pouco restritiva.

Contra Meirelles pesa ainda sua condição de ex-conselheiro da JBS. Se parece inexplicável que a ex-presidente Dilma Rousseff tenha deixado os rombos da Petrobras passarem por baixo de suas pernas na condição de conselheira da estatal, também carece de explicação que a JBS tenha comprado 1.829 políticos sem o conhecimento de seu conselheiro. Meirelles ainda embute o incômodo, que parece não ter atingido nenhum procurador, com o que pareceu uma disposição deliberada de Joesley Batista em poupar seu ex-executivo.

Ayres e Carmen Lúcia são vistos como alternativas para um Congresso disposto a fazer as pazes com a opinião pública. O risco é a ausência de traquejo político de ambos os tornarem reféns de um Congresso que tem uma oportunidade única de testar os limites dos seus algozes nas vicissitudes da política.

(...).

Maria Cristina Fernandes é jornalista do Valor. Escreve às quintas-feiras

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4262, 25/05/2017.Política, p. A6.