Um protelador contumaz

André de Souza

23/12/2016

 

 

Deputado Arthur Lira (PP-AL) só apresentou defesa ao STF mais de um ano após ser acusado de corrupção pela PGR e, entre outros motivos, alegou que não conseguia abrir arquivos eletrônicos anexados à denúncia pelos investigadores.Oprocurador-geral da República, Rodrigo Janot, acusou o deputado Arthur Lira (PP-AL) de adotar medidas protelatórias para arrastar o inquérito em que é investigado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro na Operação Lava-Jato. O parlamentar recorreu até mesmo a um perito particular para produzir um laudo que simplesmente não corresponde à realidade, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR).A perícia contratada argumenta que o deputado não conseguiu abrir arquivos eletrônicos que integram o processo. Janot, porém, pediu testes das mídias na PGR que mostraram o contrário: os arquivos não têm problemas e podem ser acessados normalmente.Em setembro de 2015, Janot apresentou denúncia no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o deputado, que na ocasião presidia a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante da Câmara. Outras duas pessoas foram denunciadas na época: seu pai, o senador Benedito de Lira (PPAL), e o empreiteiro Ricardo Pessoa, da construtora UTC, que se tornou delator na LavaJato. Segundo documento protocolado pelo procurador-geral em 12 de dezembro de 2016, Benedito de Lira e Ricardo Pessoa não demoraram para apresentar suas respostas escritas à acusação. Arthur de Lira, porém, não fez o mesmo.Segundo Janot, ele “adotou postura claramente procrastinatória, requerendo o acesso a diversos elementos relacionados ao caso, antes de apresentar sua defesa inicial, vindo efetivamente a atingir seu objetivo, uma vez que já se passaram um ano e três meses desde o oferecimento da denúncia, sem que se tenha ainda analisado sua admissibilidade". Quando finalmente apresentou uma resposta à acusação, juntou também o laudo que aponta problemas nos arquivos eletrônicos.Pierpaolo Bottini, advogado de Arthur Lira, negou que seu cliente adote práticas protelatórias, tanto que já apresentou sua defesa. “Ocorre que uma das mídias apresentadas pelo Ministério Público não podia ser aberta, como demonstrado por perícia. O réu tem o direito de conhecer todos os documentos que instruem a acusação”, informou o defensor, por mensagem.

De acordo com a PGR, Arthur e Benedito de Lira receberam repasses do grupo UTC para a campanha eleitoral de 2010. Para Janot, os recursos eram “vantagens indevidas (propina) disfarçados de doação eleitoral oficial paga por Ricardo Ribeiro Pessoa para manter indevidamente sua principal empresa, a UTC Engenharia S/A, no esquema de corrupção e lavagem de dinheiro relacionado à Diretoria de Abastecimento da Petrobras, na época ocupada por Paulo Roberto Costa”. O diretor era mantido no cargo por indicação do PP. Em manifestação escrita entregue ao STF, pai e filho negaram irregularidades e disseram que os repasses foram apenas doações legais.No mesmo processo, em 5 de dezembro de 2016, a Receita Federal pediu ao ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no STF, acesso às provas obtidas contra o deputado e seu pai. De acordo com a Receita, os dois "encontramse sob procedimento fiscal de fiscalização". Informou ainda que conseguiu autorização para o compartilhamento de provas que estão na primeira instância, mas não especificou de qual juiz partiu a decisão. Por fim, garantiu que os documentos eventualmente compartilhados serão protegidos pelo sigilo fiscal.Em 6 de dezembro, Teori pediu a opinião do Ministério Público para tomar uma decisão. No dia 13, Janot respondeu, concordando com o compartilhamento das provas com a Receita. Destacou apenas que elas devem ficar sob sigilo. “Além das repercussões no âmbito criminal, estes fatos possuem também repercussão no âmbito fiscal. Deste modo, revela-se pertinente o requerimento formulado", escreveu Janot.Teori ainda não tomou nenhuma decisão sobre os pedidos da Receita para compartilhar as provas, e de Janot para dar celeridade ao caso. Como o STF está de recesso e volta a funcionar plenamente apenas em fevereiro de 2017, ainda vai levar algum tempo para que o ministro decida o que fazer. Os investigados só passam à condição de réu após a denúncia feita contra eles ser aceita pelo tribunal.

O globo, n.30454 , 23/12/2016. PAÍS, p. 6