Em casos recentes, TSE rejeitou candidaturas antes de recursos

 TIAGO DANTAS

19/07/2017

 

 

Dúvida sobre aplicação da Ficha Limpa surgiu após decisão do STJ

 

“Existe uma discussão em torno desse ponto (ir até o fim nos recursos na segunda instância), mas a Lei da Ficha Limpa deixa claro que tendo condenação de grau colegiado o candidato já está inelegível”

Luciano Pereira dos Santos

Ex-presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP

 

TIAGO DANTAS

-SÃO PAULO- Uma decisão proferida na semana passada pela ministra Laurita Vaz, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), levantou mais uma dúvida sobre as condições necessárias para que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado a nove anos e meio de prisão na Lava-Jato, possa concorrer às eleições presidenciais do ano que vem. Seguindo jurisprudência já existente, a ministra determinou que um acusado só pode começar a cumprir pena depois que forem analisados todos os recursos na segunda instância — e não imediatamente após a sentença dos desembargadores. Em uma eventual condenação do petista no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), portanto, os recursos da defesa adiariam a expedição de um mandado de prisão.

Porém, em posicionamentos recentes, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem decretado a inelegibilidade de candidatos condenados em segunda instância antes mesmo do julgamento dos recursos. O impacto dessa decisão nas eleições, no entanto, gera polêmica entre advogados e professores de direito

Ao julgar a candidatura da ex-deputada federal Jaqueline Roriz (PMN), em 2014, a ministra Maria Thereza de Assis Moura votou pela inelegibilidade ao afirmar que “não há qualquer previsão legal (...) no sentido de que a oposição de embargos de declaração afaste a possibilidade de a decisão proferida por órgão colegiado atrair a incidência da hipótese de inelegibilidade”. Em outro julgamento no mesmo ano, o ministro Gilmar Mendes usou o mesmo entendimento para indeferir a candidatura de Marcelo de Lima Lelis (PV) ao cargo de vice-governador do Tocantins: “a Lei Complementar n° 64/90, que prevê as condições de inelegibilidade e foi alterada pela Lei da Ficha Limpa, pressupõe decisão colegiada, não exaurimento de instância ordinária.”

— Existe uma discussão em torno desse ponto, mas a Lei da Ficha Limpa deixa claro que tendo condenação de grau colegiado o candidato já está inelegível — afirma o advogado Luciano Pereira dos Santos, ex-presidente da Comissão de Direito Eleitoral da seção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP).

O advogado faz menção ao inciso I do artigo 1º da lei complementar 64/90, que lista sete possibilidades em que os candidatos podem ser proibidos de concorrer a um cargo eletivo se “forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado”. O advogado lembra que o julgamento de um embargo costuma ser rápido, então não haveria prejuízo ao andamento do processo. O juiz Sérgio Moro, por exemplo, publicou ontem a sentença de um embargo de declaração pedido pela defesa de Lula no fim da semana passada.

Redator da Lei da Ficha Limpa, o advogado Márlon Reis é contra a espera pelo julgamento dos recursos. Segundo ele, não deveria nem haver debate em torno desse assunto:

— Um dos objetivos da criação da lei foi justamente evitar que um candidato pudesse concorrer à eleição enquanto aguarda a solução de uma batalha de recursos protelatória.

Alguns especialistas, porém, acham que deve valer, na Justiça Eleitoral, a mesma lógica aplicada por Laurita Vaz. Em caráter liminar, ela entendeu que um homem acusado de sonegação previdenciária em duas instâncias da Justiça Federal só deve começar a cumprir a pena de três anos e meio de prisão em regime aberto quando os desembargadores responderem aos recursos feitos pela defesa. A sentença da ministra ainda precisa ser avaliada pelo colegiado da 5ª Turma do tribunal. A posição da ministra é amparada por outros casos semelhantes já julgados pelo STJ.

Para o ex-ministro do STF e do TSE Carlos Veloso, um acórdão da segunda instância não está completo até que os recursos sejam julgados. Na opinião dele, a inelegibilidade deveria valer só após a análise dos embargos:

— A sentença só está completa após os embargos, que servem para esclarecer um ponto da sentença e cabem sempre. E a lei fala em inelegibilidade após a condenação em órgão colegiado. Então, valeria o mesmo entendimento já usado no cumprimento da pena: é confirmada a sentença de primeiro grau, são julgados os embargos e, aí, sim, cumpre-se a pena.

No caso de uma possível condenação no TRF-4, a defesa de Lula tem dois tipos de recurso à mão: os embargos infringentes (caso a decisão do colegiado não seja unânime) e os embargos de declaração (caso os advogados entendam que a sentença tem pontos contraditórios, obscuros ou que precisam ser esclarecidos). Só depois disso, e caso os desembargadores mantenham a condenação dada por Moro, o ex-presidente passaria a cumprir pena.

O globo, n.30662 , 19/07/2017. PAÍS, p. 6