Título: Aaau revoir
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Fonte: Correio Braziliense, 14/01/2012, Economia, p. 11

Agência de classificação Standard & Poor,s rebaixa a nota de nove dos 17 países da Zona do Euro. A França perde o cobiçado triplo A, arruinando os planos de Sarkozy se reeleger

A sexta-feira 13 foi mais sombria para a segunda maior economia europeia, um dos sustentáculos do euro. Cumprindo a ameaça que havia feito em dezembro do ano passado, a agência de classificação de riscos Standard & Poor"s rebaixou a nota da dívida pública da França, que perdeu o tão cobiçado AAA. O tombo foi uma derrota direta do presidente Nicolas Sarkozy, que havia apostado seu prestígio pessoal na manutenção da melhor qualificação possível, elevada ao status de prioridade absoluta de seu governo. Além de encarecer a captação de recursos, agravar a situação da Zona do Euro, que já está à beira da recessão, e ter potencial para causar pânico na reabertura dos mercados na segunda-feira, a decisão da S&P deve reduzir ao mínimo as chances de Sarkozy obter um segundo mandato nas eleições de abril e maio.

A nota francesa caiu de AAA para AA+, sendo rebaixada em um grau, o mesmo que ocorreu com Áustria, Eslováquia, Eslovênia e Malta. As classificações de Chipre, e de Portugal, Espanha e Itália — três dos países que formam o grupo Piigs, associado pejorativamente à palavra "porco" em inglês pelo tamanho da bagunça que têm provocado com seu descalabro fiscal, alto endividamento e fraqueza dos bancos — caíram dois níveis. Mesmo assim, os títulos desses países ainda não são considerados "lixo", como os gregos, mas apenas de risco moderado ou substancial. Apesar de ter colocado 15 dos 17 sócios do euro em perspectiva negativa no mês passado, a agência só rebaixou nove, mantendo o AAA de Alemanha, Finlândia, Luxemburgo e Holanda (veja quadros).

Credibilidade "Não é uma boa notícia, mas também não é uma catástrofe. Não são as agências de classificação que ditam a política da França", disse o primeiro-ministro francês, François Fillon, à rede de televisão France 2. No fim do ano passado, Sarkozy não se mostrava tão tranquilo. "Se eu perder o triplo A, estou morto", disse a membros do seu gabinete. Ontem, alertado por assessores de que a S&P rebaixaria a França, Sarkozy deu au revoir (adeus) às chances de reeleição e convocou uma reunião de emergência com o ministro das Finanças, François Baroin. Para recuperar parte da credibilidade perdida, o governo pode ser forçado a adotar medidas adicionais de austeridade, como a liberalização das regras trabalhistas e a aceleração da reforma previdenciária. Mas, por enquanto, resiste. "Não haverá um novo plano de austeridade", afirmou Baroin.

No comunicado em que explicou a decisão, a S&P ressaltou o que todos no mercado já sabem: "As iniciativas das autoridades europeias nas últimas semanas talvez sejam insuficientes para abordar as tensões sistêmicas na Zona do Euro." Além disso, a agência afirmou que o acordo político feito na cúpula da União Europeia em dezembro não contemplou a liberação de recursos adicionais para salvar as economias com problemas. Os analistas afirmaram também que a péssima situação no bloco se agrava com o aperto nas condições de crédito, a elevação dos juros nas operações dos Tesouros e o enfraquecimento nas perspectivas de crescimento. Tudo isso em meio a disputas políticas entre os líderes, ávidos para ver suas propostas adotadas como solução para a crise.

A S&P deixou a porta aberta para novos rebaixamentos se as condições fiscais continuarem piorando. Ela é a mesma agência que causou polêmica em todo o mundo e fez os mercados despencarem ao rebaixar, no ano passado, os Estados Unidos, que perderam o triplo A pela primeira vez na história. Antes mesmo de a decisão sobre a França ter sido anunciada, a reação já havia começado. A ministra do Orçamento e porta-voz de Sarkozy, Valérie Pécresse, desdenhou: "A França continua um porto seguro e pagará todas suas dívidas". Da Alemanha, a maior economia do bloco, veio o apoio moral. "As pessoas não podem superestimar os julgamentos das agências de classificação. Que há uma grande incerteza nos países da Zona do Euro não é nada novo. E é claro que isso afeta a todos nós", disse o ministro alemão de Finanças, Wolfgang Schäuble, à rede de televisão RTL.

Na própria França, Nicolas Sarkozy só deve ter encontrado consolo nos braços de sua mulher, a ex-modelo Carla Bruni. A oposição foi só ataques. O Partido Socialista, do candidato François Hollande, qualificou o rebaixamento como "um fracasso pessoal e considerável do presidente". Filha do líder de extrema-direita Jean Marie Le Pen, a candidata Marine Le Pen, da Frente Nacional, afirmou que a decisão da S&P "destrói o mito do presidente protetor e mostra a incongruência do modelo ultraliberal baseado em um rigor insuportável".

Já na semana que vem, o Tesouro francês deve ser obrigado a pagar juros altos para que os investidores aceitem comprar seus títulos, agora considerados mais arriscados. "Nós podemos acabar como a Itália, com a crise crescendo como uma bola de neve", disse Nicolas Bouzou, consultor da Asteres. Segundo ele, as taxas para os papéis com prazo de vencimento em 10 anos podem chegar a 4%. O rebaixamento também resultará em aumento dos custos de captação de bancos, seguradoras e empresas do setor produtivo, pois a nota do país serve de referência para as operações privadas. Se isso ocorrer, as dívidas pública e corporativa do país ficarão mais difícil de gerir, piorando a situação da economia francesa, que caminha para entrar em recessão no primeiro trimestre deste ano.

Negociação fracassada Os grandes bancos credores e o governo grego não chegaram a um acordo para reduzir em 50% a pesada dívida do país europeu, informou ontem o Instituto de Finanças Internacionais (IIF), que representa o setor bancário. As conversações foram suspensas. "As discussões com a Grécia e o setor público entram em pausa para reflexão", ressaltou o diretor do IIF, Charles Dallara, em nota.