DANIELLE NOGUEIRA
14/07/2017
“Tem que estar escrito lá que o subsídio vai custar X milhões de reais. E que o Tesouro vai pagar isso, ou seja, todos nós. Por isso, o fórum mais apropriado para essa discussão é o Congresso. Não deve ser decisão de um burocrata do BNDES”
Alexandre Schwartsman
Ex-diretor do Banco Central
“O que a Lava-Jato mostrou é que muitas das empresas beneficiadas (por empréstimos do BNDES) tinham proximidade com o governo”
Gil Castelo Branco
Fundador da ONG Contas Abertas
“Como o empresário vai conseguir um empréstimo no banco a um juro próximo ao de mercado, o custo do projeto terá que ser compatível com seu retorno. Os maus projetos não vão vingar”
Aloisio Araújo
Economista da FGV
A possibilidade de mudança na taxa dos empréstimos do BNDES — para a chamada Taxa de Longo Prazo (TLP) — abriu um debate sobre se o crédito do banco ficará mais caro e se inviabilizará projetos de longo prazo, uma vez que a alteração vai reduzir o subsídio nas operações do banco. Especialistas ouvidos pelo GLOBO avaliam que a discussão vai além: por trás daquelas três letras, dizem, está a chance de o país tornar mais transparente e democrática a decisão de quem deve receber a subvenção, elevar a produtividade da economia e abrir espaço para a queda estrutural da taxa básica de juros, a Selic, hoje em 10,25% ao ano.
Há dois tipos de subsídios embutidos em operações de crédito do BNDES. Os implícitos consistem na diferença entre o custo de captação do Tesouro Nacional e o custo de captação do BNDES, que é a Taxa de Juro de Longo Prazo (TJLP), atualmente em 7% ao ano. Como o Tesouro empresta dinheiro para o banco, para que ele empreste a seus clientes a um custo inferior ao que ele capta no mercado, há um subsídio implícito nessa transação. A operação é tratada como um empréstimo, que não passa pelo Orçamento e tem impacto apenas sobre o endividamento. Em 2016, o custo desse subsídio para o governo federal foi de R$ 29 bilhões. O valor é equivalente ao previsto no projeto de Orçamento de 2017 para o Bolsa Família.
MAIS DO QUE O PREVISTO PARA EDUCAÇÃO
Há também os subsídios explícitos, aqueles que são lançados no Orçamento porque são tratados como despesa: o Tesouro arca com a diferença entre a taxa de mercado e o juro do empréstimo, é como se depositasse o dinheiro para o BNDES. É o caso do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), inaugurado em 2009 no bojo da crise econômica global, que chegou a ter juro de 2% ao ano. Em 2016, o subsídio explícito custou aos cofres públicos R$ 9 bilhões, segundo o Tesouro.
Só no ano passado, a subvenção total nos empréstimos do banco somou R$ 38 bilhões — mais do que todo o montante previsto no projeto de Orçamento de 2017 para a Educação, que era de R$ 33,7 bilhões, sem contabilizar pessoal.
A mudança na taxa de referência dos empréstimos do BNDES, como prevê a medida provisória (MP) 777, em tramitação no Congresso, deve fazer com que aquele primeiro tipo de subsídio praticamente acabe, dizem economistas. Isso porque o crédito do banco passaria a ser com base na nova TLP, que nada mais é que o custo de captação do Tesouro de cinco anos (a NTN-B) mais a inflação, superior aos 7% da TJLP atuais. Se a MP for aprovada, haverá uma transição gradual de cinco anos, até que a nova taxa — que inicialmente será igualada à TJLP — esteja valendo plenamente.
— Isso vai promover uma melhora institucional. A decisão de conceder ou não o subsídio tem que estar refletida no orçamento. Tem que estar escrito lá que o subsídio vai custar x milhões de reais. E que o Tesouro vai pagar isso, ou seja, todos nós. Por isso, o fórum mais apropriado para essa discussão é o Congresso. Não deve ser uma decisão de um burocrata do BNDES — afirma o ex-diretor do Banco Central (BC) Alexandre Schwartsman. — Vai ter mais lobby? Vai. Mas será um lobby às claras. A discussão será mais política do que técnica? Sim, mas não vejo problema nisso. Nós elegemos os parlamentares e temos de ter respeito pelas instituições.
Nos últimos anos, o BNDES foi duramente criticado por ter concedido empréstimos ou apoiado grupos por meio de compra de participações acionárias com o objetivo de formar os chamados “campeões nacionais”, empresas brasileiras capazes de competir internacionalmente. É o caso da JBS, cujas operações com o banco estão sob investigação da Polícia Federal e do Tribunal de Contas da União (TCU).
— O Brasil passa por uma crise fiscal. É o momento ideal para trazer esse debate à tona. São recursos públicos, logo, deve ser claro como é feito o uso dele. O BNDES disponibiliza as condições de financiamento de várias operações em seu site, mas não fica claro o porquê de um projeto receber crédito subsidiado, e outro, não. O que a Lava-Jato mostrou é que muitas das empresas beneficiadas tinham proximidade com o governo — diz Gil Castelo Branco, fundador da ONG Contas Abertas.
Além do efeito sobre a democratização da decisão de quem deve ou não ser beneficiado com subsídios, a TLP tem implicações positivas para a transparência das contas públicas, na avaliação de Schwartsman. Hoje, o subsídio implícito eleva a dívida bruta do governo federal, mas não afeta o resultado primário (diferença entre receitas e despesas do governo, excluindo a economia para pagar juros). Assim, acabam “mascarando” as finanças públicas, diz o economista. O subsídio que é lançado no orçamento é contabilizado como gasto do governo.
Para o economista Aloisio Araújo, da FGV, a mudança nas taxas do BNDES vai promover aumento da produtividade .
— Como o empresário vai conseguir um empréstimo no banco a um juro próximo ao de mercado, o custo do projeto terá que ser compatível com seu retorno. Os maus projetos não vão vingar. E isso é importante para o bem de todos, pois deixarão de consumir recursos públicos, que são escassos — afirmou Araújo, ressaltando que o BNDES faz análise criteriosa de projetos.
Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do BC, aponta, ainda, a possibilidade de a TLP contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, já que o crédito subsidiado seria reduzido. Dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) mostram que isso aconteceu no primeiro semestre. As captações de empresas com emissões de ações e títulos de dívida aumentaram 30% em relação a igual período de 2016, num momento em que o BNDES tirou o pé do freio na concessão de financiamentos. Figueiredo frisa que a mudança nas taxas do banco podem tornar a política monetária “mais potente”:
— Se uma parte da sociedade tem acesso a juro baixo, a outra parte tem acesso a juro alto. Esse segmento que tem acesso a crédito a juros baixos é insensível à política monetária. Por isso, para controlar a inflação, a dose de remédio do BC tem que ser muito mais alta. Com a TLP, haverá espaço para a queda estrutural dos juros.
O economista Antonio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP, discorda. Para ele, a suposição de que a taxa de juros vai cair com a redução do subsídio pressupõe que a pressão sobre a inflação no Brasil é de demanda. Ele avalia que, com o crédito subsidiado, as empresas poderão investir mais e, assim ampliar a oferta de produtos e serviços. Com mais oferta, os preços tendem a cair, pressionando a inflação para baixo, argumenta:
— A TJLP é uma muleta necessária para atravessarmos esse período de crise — afirma Lacerda, que participou de audiência pública em Brasília esta semana para debater a MP 777.
‘EMPRESÁRIO VIVE CRISE DE ABSTINÊNCIA’
O economista questiona, ainda, o conceito de subsídio. Para ele, esta ideia está relacionada à prática de taxas de juros no Brasil inferiores à média internacional, o que não seria o caso da TJLP. Aponta também que, no cálculo do custo do subsídio, não está contabilizado o efeito multiplicador da contratação de fornecedores pela empresa que obteve o empréstimo subsidiado, o que eleva a arrecadação do governo. Tampouco estão no cálculo os dividendo pagos pelo BNDES ao governo federal, seu controlador.
Sergio Lazzarini, professor do Insper e autor do livro “Capitalismo de laços”, que aborda a relação entre Estado e o empresariado nacional, ressalta que os empresários estão mal acostumados:
— Estão em crise de abstinência. Era tanto capital público à vontade... Com a possível mudança nas taxas do BNDES, os setores menos produtivos vão sentir mais. Mas é o caminho que temos que seguir. Da forma como está, não é sustentável.
Os economistas não são contra o subsídio, desde que se entenda que o setor apoiado trará benefícios para a sociedade. Seria o caso de projetos de energia verde ou equipamentos para laboratórios em escolas. Mas esses setores teriam de disputar os recursos do Orçamento, ao lado de escolas e saneamento.
O globo, n.30657 , 14/07/2017. ECONOMIA, p. 24