Desde 2013, prisões por corrupção crescem 288%

Marcelo Godoy e Daniel Bramatti

25/06/2017
 
 
Crime. Aprovada em resposta às manifestações de rua há 4 anos, lei das delações fez aumentar detenções por desvio de recursos; número saltou de 2,5 por semana para 10

As milhões de pessoas que foram às ruas em junho de 2013 não pediram a aprovação da Lei 12.850, que regulou as delações premiadas. Mas a mudança legal – parte do pacote aprovado pelo Congresso em resposta aos protestos – abriu o caminho para que o número de prisões temporárias e preventivas e os flagrantes de suspeitos de desvio de verbas públicas no País fosse multiplicado por quatro de 2013 para 2016.

Números da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado (Dicor), da Polícia Federal, mostram que, no ano passado, dez pessoas foram presas a cada semana por agentes federais em operações de combate ao desvio de verbas públicas.

Em 2013, antes da aprovação da lei sobre colaboração premiada, esse número não chegava a três por semana (2,5 em média).

O Estado analisou dados de 2.325 operações da PF no País de 1.º de janeiro de 2013 a 31 de março deste ano. As informações foram obtidas por meio da Lei de Acesso à Informação.

“O marco disso é a lei de 2013”, afirmou a delegada Tânia Prado, presidente do Sindicato dos Delegados da PF. Para ela, a legislação que emparedou o mundo político dificilmente passaria hoje no Congresso.

“Ela foi aprovada no contexto da pressão popular. Devem (congressistas) ter achado que era bom para prender traficante.” Em 2013, a PF fez 302 operações no País de combate a organizações criminosas – desde as envolvidas com crimes comuns, como tráfico de drogas, até as especializadas em delitos financeiros.

Em 2016, esse número aumentou 205%, chegando a 922.

Já no primeiro ano depois da lei, em 2014, o número de prisões concedidas pela Justiça e flagrantes nessas operações chegou a 2.798 e somou 4.122 em 2016 – aumento de 771% em comparação com as 473 registradas em 2013.

Para o procurador da República Rodrigo De Grandis, a lei foi “um divisor de águas no combate à corrupção”. “Não havia o procedimento de como se fazer a colaboração premiada e hoje ela é fundamental.” No caso das operações de combate ao desvio de verbas públicas, as prisões passaram de 135 (2013) para 524 (2016) – crescimento de 288%. De Grandis disse que, hoje, o combate à corrupção é uma prioridade na PF e no Ministério Público Federal (MPF).

Os números da PF mostram que não só as prisões de suspeitos de corrupção aumentaram, mas as de todos os demais tipos de organizações criminosas, como a de traficantes. Ou seja, a lei afetou as máfias de forma indistinta – a exceção foram os crimes financeiros. “É mais difícil obter uma prisão por crime financeiro.

A materialidade do delito é mais complexa”, disse De Grandis. Para ele, “culturalmente”, a tendência é achar que o crime com sangue merece uma resposta mais severa da sociedade.

“Isso é uma falácia. E está mudando, até no Supremo.” Para o criminalista Roberto Podval, há uma escalada de prisões preventivas no País nos últimos anos. “Mudou a cultura com relação à prisão no Judiciário.

Saímos da impunidade absoluta para os crimes econômicos para a punibilidade absoluta, que está nesse momento. A tendência é que a gente chegue ao meio-termo. Se houve uma banalização da corrupção, houve também uma banalização das prisões provisórias.”

Tecnologia. Por trás do aumento das operações e das prisões, criminalistas, policiais e procuradores apontaram ainda razões tecnológicas, como a criação de bancos de dados sobre desvios de verbas públicas e laboratórios de combate à lavagem de dinheiro. Chamada Atlas, a nova ferramenta de cruzamento de informações da PF tem 56 bases de dados que armazenam 1,5 bilhão de registros sobre corrupção no País.

A colaboração com os órgãos de fiscalização, como a Controladoria- Geral da União (CGU), também contribuiu para o aumento de operações.

 

O Estado de São Paulo, n. 45176, 25/06/2017. Política, p. A4