A crise não tira férias

Vera Magalhães

25/06/2017

 

 

Michel Temer parece ter imaginado que viajaria e, com isso, a crise política também deixaria o País. Nesse devaneio, o presidente chegou a imaginar que visitaria outras terras. Sua agenda dizia que ele iria à República Socialista Federativa Soviética da Rússia. Na Noruega, saudou o rei da Suécia. Gafes que sugerem que, apesar da fantasia de férias, também a cabeça do presidente estava tomada pelos aparentemente insolúveis problemas que encurralam seu governo.

Temer esperava contar com respaldo de parte dos ministros do Supremo Tribunal Federal para um recurso que pretendia – ainda pretende, segundo seus advogados – interpor questionando as acusações que pesam contra ele a partir da delação de Joesley Batista.

Mas, embora se force a interpretação de que pelo menos três juízes disseram ver espaço para se rever o acordo da JBS na fase da sentença, a verdade é que a maioria inequívoca do Supremo referendou as ações da dupla Rodrigo Janot e Edson Fachin, o que resulta no fato de que Temer desembarca em Brasília, de volta das suas terras imaginárias, em pior situação do que saiu.

O recurso, se for mesmo apresentado, vai chover no molhado se insistir nas teses de que a delação foi inválida, de que Fachin não deveria ser relator e de que o áudio da em tudo inapropriada conversa clandestina de Temer com Joesley foi editado.

Um dos reveses para o presidente viajandão foi justamente a perícia da Polícia Federal que atesta que não houve montagem na gravação. Este deverá ser um fator crucial para a denúncia de Rodrigo Janot. Como num churrasco, para ficar na analogia com o negócio que alçou Joesley à condição de rei da proteína e da propina, a acusação contra Temer poderá vir em peça inteira ou fatiada, mas será de qualquer maneira indigesta para o peemedebista.

Com um recorde negativo de apenas 7% de pessoas que avaliam seu governo como ótimo e bom, de acordo com o Datafolha, o presidente dependerá, para arquivar a denúncia, de uma Câmara fisiológica e apavorada com o tsunami que abateu a política.

Deputados que já não primam pelo alinhamento ideológico ou programático com um governo provisório terão de escolher entre votar com o presidente que vale 7% ou prestar contas no ano que vem a um eleitorado farto de tanta lambança política.

Por mais que seja relativamente tranquilo obter 172 votos para engavetar o pedido de Janot, não sairá barato nem será na base do apreço dos deputados à estabilidade.

E no day after de mais essa sobrevida, o que espera nosso homem dos 7%? Reformas que tramitam aos trancos e barrancos num Congresso à beira de um ataque de nervos. O susto na trabalhista não impede que ela passe no plenário, como se sabe, mas antecipa dificuldade imensa de aprovação da previdenciária, que já sairá da Câmara, quando e se sair, totalmente desfigurada.

Essas reformas e a ainda majoritária confiança do mercado e do empresariado na equipe econômica são o fio invisível que ainda separa um presidente de 7% da solidão absoluta que levou Dilma Rousseff ao cadafalso.

Temer já deu para repetir a antecessora até naquilo que ela tinha de mais engraçado: as gafes. Também segue a cartilha do PT – do qual era, é sempre bom frisar, sócio minoritário – ao chafurdar no lamaçal da corrupção e das tentativas de frear a Lava Jato. Se demonstrar incapacidade de tirar o País do buraco econômico em que Dilma o meteu, terá perdido as condições mínimas de evitar que sua pinguela faça o País cumprir essa penosa e interminável travessia até outubro de 2018. Estamos na dependência dos tais fatos novos.

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Base aliada teria 60% de fundo eleitoral

Thiago Faria

25/06/2017

 

 

Dos R$ 3,5 bi em recursos públicos previstos para custear as eleições de 2018, nove siglas com assento na Esplanada ficariam com R$ 2,15 bi

A proposta apresentada pelo líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), de criar um fundo eleitoral com dinheiro público para financiar as campanhas de 2018 vai reservar mais de 60% da verba para os partidos que atualmente integram a base aliada do presidente Michel Temer.

Dos R$ 3,5 bilhões previstos para custear candidaturas, R$ 2,15 bilhões ficariam com as nove legendas que hoje têm assento na Esplanada dos Ministérios.

O dinheiro viria de recurso previsto no Orçamento, 10% de emendas parlamentares em ano eleitoral e da redução de gastos com programas partidários, que seriam suspensos no primeiro semestre do ano da disputa.

Com o valor seria possível, por exemplo, construir quase 12 quilômetros de linhas de metrô, 17,5 mil casas populares ou pagar um mês e meio do Bolsa Família.

Segundo Jucá, o montante ainda poderá ser corrigido a cada eleição com base na inflação.

A criação de um fundo eleitoral abastecido com dinheiro público está sendo articulada por dirigentes partidários como alternativa à proibição do financiamento empresarial das campanhas.

Pelas regras atuais, apenas pessoas físicas podem doar a candidatos e partidos. A ideia é que a proposta de Jucá seja incorporada na proposta de emenda à Constituição do senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) que trata da reforma política. O texto, já aprovado no Senado, está em discussão na Câmara.

De acordo com a fórmula apresentada para dividir os R$ 3,5 bilhões do novo fundo, 70% seriam partilhados de acordo com a bancada de cada partido na Câmara, 25% considerando as bancadas no Senado e 5% igualmente entre todos os partidos, que hoje são 35. Diferentemente da divisão do Fundo Partidário, a regra considera a bancada no fim do ano anterior ao pleito e, para 2018, a bancada na data da promulgação de lei.

O acordo por um novo fundo ganhou fôlego após reunião na quinta-feira entre Jucá e presidentes de outros partidos, entre eles o ministro das Comunicações, Gilberto Kassab, presidente licenciado do PSD, Tasso Jereissati (CE), presidente interino do PSDB, e José Agripino Maia (RN), presidente do DEM.

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Em projeto de Jucá, fatia prevista para o PMDB é de R$ 550 mi

25/06/2017

 

 

Proposta leva em conta formação das bancadas atuais; PT, que passaria a receber R$ 380 milhões, critica nova divisão

Com base nas bancadas atuais, a proposta do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), faria com que seu partido recebesse a maior fatia do bolo – cerca de R$ 550 milhões – dos R$ 3,5 bilhões previstos para o fundo eleitoral.

Esse é um dos motivos pelos quais a proposta de Jucá tem recebido críticas, em especial do PT. O partido da oposição, no entanto, de acordo com a proposta, teria mais recursos do fundo do que o PSDB, aliado do governo Michel Temer. Seriam quase R$ 380 milhões para os petistas, ante cerca de R$ 343 milhões para tucanos.

O líder do PT na Câmara, deputado Carlos Zarattini (SP), criticou a divisão. “A proposta do Jucá quer favorecer o PMDB. O ideal é ter como base o número de votos nas últimas eleições. Do jeito que está, a eleição de um deputado no Acre terá o mesmo peso de um eleito em São Paulo, que precisa de muito mais votos para se eleger”, afirmou o petista.

Zarattini criticou o teto de gasto proposto, de 70% da campanha mais cara na disputa de 2014, quando ainda era permitido o financiamento empresarial.

Naquele ano, foram gastos R$ 5,36 bilhões nas campanhas em todo o País, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O valor, porém, pode ser menor, pois considera recursos doados entre candidatos que são computados como despesa duas vezes. “É um absurdo você querer financiamento público e colocar limites tão altos como o que se está querendo, com base no financiamento privado. O financiamento público é para igualar gastos”, disse o petista.

Reforma. Para o cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Marco Antônio Carvalho Teixeira, apesar de ser necessária uma alternativa à regra atual, que ele trata como “paliativa”, é preciso antes rediscutir o modelo político do País. “Sem mexer na atual estrutura não há como discutir fundo. Antes, é preciso repensar este universo em que há 35 partidos”, afirmou. “A coisa mais difícil é se fazer reforma em meio à crise. É feito de afogadilho, sem um debate”, disse.

O professor da Escola de Ciência Política da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) José Paulo Martins Junior afirmou que o problema é o fato de políticos serem responsáveis por definir as “regras do jogo”. “O ideal é que houvesse a participação de grupos da sociedade, que possam debater, discutir de forma aberta as regras do jogo.” / T.F.

Crítica

“A proposta quer favorecer o PMDB. O ideal é ter como base o número de votos nas últimas eleições.”

Carlos Zarattini (PT-SP)

LÍDER DO PARTIDO NA CÂMARA

 

O Estado de São Paulo, n. 45176, 25/06/2017. Política, p. A8