Atalhos institucionais

Vera Magalhães

28/05/2017

 

 

Diante da crise generalizada e da falta de saídas fáceis, vários atores aos quais caberia a responsabilidade de conduzir o País para uma transição minimamente racional flertam perigosamente com saídas fáceis ou atalhos institucionais. É o ingrediente que falta para o Brasil descambar de vez para situações que assistimos num passado recente – ou mesmo hoje – nos nossos vizinhos de continente.

O mais “popular” desses puxadinhos legais atende pelo aparentemente libertário slogan de “diretas já!”, como se vivêssemos um período de hiato democrático e não tivéssemos um ciclo ininterrupto de eleições diretas a cada dois anos desde a década de 80. Como se a malfadada dupla Dilma Rousseff & Michel Temer não tivesse sido eleita e reeleita por voto popular.

Diretas em 2017 significa, vejam só, o tal golpe que seus defensores adoram apontar no impeachment. Seja porque não é o caminho previsto pela Constituição – esta, vale lembrar, redigida e aprovada por uma Constituinte eleita diretamente –, seja porque servirá, no atual cenário, apenas de salvoconduto para candidatos enrolados com a Justiça e/ou salvadores da pátria que flertam perigosamente com o desalento com a política.

Por pior que seja ter um presidente eleito por um Congresso sem respaldo popular e igualmente atingido pelas denúncias de corrupção, é o que nos resta para hoje. Qualquer um, independentemente da “fé ideológica” que professe, que tenha um mínimo de compromisso com a legalidade tem de aceitar este caminho caso Michel Temer caia, o que parece cada dia mais provável.

O segundo jeitinho brasileiro para problemas graves vem na forma da utilização do julgamento da chapa Dilma- Temer para abreviar o calvário do País com o presidente que se recusa a aceitar a hipótese de renúncia. Esta ação diz respeito à campanha de 2014.

Deveria ser redundante dizer que as ilegalidades – e elas foram muitas – cometidas para reeleger a malfadada dupla não valem para retirar o ex-vice por eventuais crimes cometidos em março de 2017.

Mas no Brasil da gambiarra esta saída é vista como a mais “indolor”. Pode não doer agora, mas abre uma avenida para que se subvertam as leis para resolver nós que são antes de tudo políticos.

É claro que, se o caminho acordado pelos caciques for este, vai-se tentar dar um verniz de normalidade e dizer que apenas foi cumprida a jurisprudência do TSE que manda responsabilizar a chapa toda em caso de irregularidade.

Mas todo mundo que acompanhou esse tortuoso julgamento que se arrasta há dois anos, sabe que, há duas semanas, a tendência era justamente a oposta: responsabilizar Dilma.

Por fim, no Brasil das jabuticabas institucionais, tem-se evidências de sobra de que o Ministério Público Federal foi, no mínimo, condescendente ao oferecer um acordo de delação premiada nunca antes visto aos irmãos Batista e demais colaboradores da JBS. Nada, nem a tal ação controlada, justifica a benevolência.

Ademais, o fato de um dos braçosdireitos de Rodrigo Janot, que até outro dia estava à frente da condução das delações da Lava Jato, atuar no escritório de advocacia que negocia a leniência do grupo é outra dessas aberrações que só ocorrem no Brasil. Que não venham os representantes da banca e os antigos colegas de Marcelo Miller dizer que ele não atuou na delação. Só essa nítida incompatibilidade já seria razão para anular o acordo em um País sério.

Ou se excluem das graves decisões que o Brasil tem pela frente todos esses exotismos institucionais ou não haverá saída virtuosa, com ou sem Lava Jato.

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Força-tarefa em Curitiba perde 1/3 das verbas

Marcelo Godoy e Ricardo Brandt

28/05/2017

 

 

Dados obtidos pelo ‘Estado’ mostram corte; procurador aponta ‘asfixia’ da Lava Jato

A operação Lava Jato e a Superintendência da Polícia Federal do Paraná tiveram quase um terço de seu orçamento cortado neste ano pelo governo federal. O Ministério da Justiça destinou para ambos R$ 20,5 milhões – R$ 3,4 milhões para os gastos extras da operação – ante os R$ 29,1 milhões de 2016 – dos quais R$ 4,1 milhões especificamente para a Lava Jato –, uma queda de 29,5%. O aperto financeiro é ainda maior, pois, além da redução, houve contingenciamento de 44% da verba destinada, conforme mostrou o Estado na semana passada.

As consequências para a Lava Jato são dificuldades para pagar diárias, fazer diligências e outras ações necessárias à continuidade da operação, asfixiando financeiramente seus trabalhos.

“Isso havia acontecido no começo da operação, mas, depois, os recursos voltaram. Agora, isso volta a acontecer”, disse o procurador da República, Andrey Borges de Mendonça, que participou da força-tarefa em Curitiba e, agora, em São Paulo, cuida da Operação Custo Brasil – sobre corrupção no Ministério do Planejamento. Procurado, o Ministério da Justiças nega as dificuldades (mais informações nesta página).

O Estado obteve os dados por meio da Lei de Acesso à Informação.

Eles mostram o quanto a PF gastou com a Lava Jato desde 2014, início da operação.

Naquele ano, os recursos para a Superintendência do Paraná cresceram 44%, saltando de R$ 14 milhões em 2013 (equivalente a atuais R$ 17,9 milhões) para R$ 20,4 milhões (R$ 24,4 milhões em valores corrigidos).

Em 2015, o órgão no Paraná manteve o mesmo nível de gastos.

Nesse período, os federais fizeram no Paraná 59 operações, das quais 21 (35,5%) foram no conjunto da Lava Jato.

Conforme documentos do Setor de Logística da PF (Selog/ SR/PF/PR), todos os gastos da Lava Jato eram então bancados pela Superintendência do Paraná. A partir de 2016, notas de empenho próprias passaram a registrar os gastos específicos da operação – cujos valores foram obtidos pelo Estado. No ano passado, os agentes do Paraná fizeram 52 operações, 16 das quais (30%) eram da Lava Jato.

Neste ano, a Superintendência fez, até 31 de março, oito operações, apenas duas das quais relacionadas à Lava Jato. A PF esclarece que o orçamento de 2017 pode ser aumentado ou reduzido.

Pessoal. Além do corte nos repasses – decidido em novembro de 2016 –, outro problema preocupa os investigadores em Curitiba: a redução do pessoal que trabalha nas equipes da PF. Atualmente, apenas quatro delegados trabalham exclusivamente na Lava Jato, dos quais três ainda são obrigados a dividir sua atenção no combate à corrupção com os plantões na superintendência. Investir na Lava Jato, para os investigadores, é o melhor negócio que o governo pode fazer, pois o retorno em dinheiro recuperado é enorme. Até agora a força-tarefa já contou R$ 10,3 bilhões recuperados em decorrência de acordos de delação premiada – desse total, R$ 3,2 bilhões em bens dos réus já bloqueados e R$ 756 milhões em valores repatriados.

Ao todo, os procuradores e delegados dizem que já detectaram R$ 6,4 bilhões em propinas pagas. A força-tarefa também pediu que os acusados paguem aos cofres públicos R$ 38,1 bilhões, incluindo as multas.

“A Lava Jato é uma operação superavitária em termos de recuperação de valores para o Estado brasileiro. Ela custa infinitamente menos do que os valores despendidos nela. Seja no Ministério Público, seja na Polícia Federal. É incompreensível essa interpretação de que nós temos que ser contingenciados”, disse o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima. Desde o seu início, a força-tarefa fechou 155 acordos de delação e 10 de leniência com empresas.

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‘Com o número atual fica difícil prosseguir’

Marcelo Godoy e  Ricardo Brandt
28/05/2017
 
 
Coordenador da equipe da PF na Lava Jato diz que órgão está tentando recompor grupo que cuida da operação

Responsável por coordenar a equipe da Lava Jato na Polícia Federal, em Curitiba, o delegado Igor Romário de Paula teve este ano que encontrar tempo dentro de sua rotina administrativa de chefe da divisão de Combate ao Crime Organizado do Paraná para assumir alguns dos 120 inquéritos em andamento do escândalo Petrobrás.

Com quatro delegados – em 2016, eram 9 – na força-tarefa da operação, essa foi a solução encontrada para aliviar a sobrecarga da equipe e dar andamento nos inquéritos, que têm prazos a serem cumpridos.

“Temos enfrentado um problema objetivo”, afirmou Igor, anteontem, quando foi deflagrada a 41.ª fase, batizada de Operação Poço Seco. “Com o número que temos hoje fica difícil dar continuidade, prosseguimento da forma como sempre foi. Estamos tentando recompor.” Foi a quarta operação da Lava Jato no ano. Entre janeiro e maio de 2015, a força-tarefa havia deflagrado seis fases. Em 2016, no mesmo período, foram nove. O número de quatro delegados atuando na Lava Jato, representa 5% do total que atua no Paraná. “É uma dificuldade operacional que a gente vai ter que superar, porque senão o prejuízo, para nós, vai ser completo”, disse o delegado.

Ele disse não ter conhecimento de qualquer interferência política, mas sim um remanejamento para outros Estados decorrente dos procedimentos abertos com base nas delações dos 77 executivos da Odebrecht.

“São 17 Estados que vão receber desdobramentos. Realmente, fica difícil continuar trazendo gente para cá (Curitiba).” O procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima disse que é um erro argumentar que houve redução de casos a serem apurados. “A operação em Curitiba não está diminuindo, ao contrário, vamos ter muito serviço, novos fatos, e todas as acusações que temos que proceder.” Para ele, é importante que “se compreenda, talvez a direção da PF, que precisamos manter uma equipe que dê condições de suporte às medidas que vão ser tomadas daqui para a frente, investigações que vão se desenvolver.” 

 

O Estado de São Paulo, n. 45148, 28/05/2017. Política, p. A10