Título: Recado ao aiatolá
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Fonte: Correio Braziliense, 14/01/2012, Mundo, p. 18

Por canais secretos, EUA avisam a Ali Khamenei que vão reagir ao fechamento do Estreito de Ormuz

Os Estados Unidos tentam mostrar ao mundo que mantêm o controle sobre o Estreito de Ormuz — responsável pelo escoamento de 35% da produção global de petróleo. Além das recentes manobras militares na região, o governo de Barack Obama enviou um recado para o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei: caso a república islâmica interfira no fluxo de navios, como havia ameaçado, os EUA enviarão uma resposta. O aviso foi dado diretamente ao clérigo, por meio de canais secretos de comunicação, e ajudou a tranquilizar os países do Golfo Pérsico. A maioria deles, aliada dos norte-americanos, teme um bloqueio naval, o acúmulo de barris de petróleo nos portos e um conflito com a nação mais fechada do planeta.

Segundo o jornal The New York Times, que revelou o contato entre os dois governos, fontes militares já haviam falado sobre a possibilidade de uma retaliação aos iranianos. O secretário da Defesa dos Estados Unidos, Leon Panetta, garantiu que seu país não vai tolerar qualquer tipo de restrição à passagem de embarcações pelo canal. O general Martin Dempsey, presidente do Estado-Maior Conjunto e conselheiro da Casa Branca para assuntos militares, também afirmou que os EUA iriam "tomar medidas e reabrir o estreito", inclusive, com o uso de recursos bélicos. "Os norte-americanos organizariam um ataque, tendo como alvos os sistemas de controle do Irã, por terra, mar ou pelas bases militares que mantêm no Golfo Pérsico", disse ao Correio o iraniano Anoush Ehteshami, analista da Faculdade de Governo e de Relações Internacionais da Durham University, no Reino Unido.

O recado a Khamenei, o verdadeiro homem forte do Irã, também atendeu a expectativas de nações do leste asiático. Dependentes do petróleo que sai do Golfo, inclusive do iraniano, elas temem que os desvarios do regime islâmico provoquem um desabastecimento na região. Ontem, o Japão voltou atrás na decisão de suspender a importação do petróleo de Teerã. "Os Estados Unidos querem adotar sanções. Nós consideramos que precisamos ser extremamente cautelosos para aceitar semelhantes medidas", ponderou o ministro japonês de Relações Exteriores, Koichiro Gemba. Na quarta-feira, o titular das Finanças do país asiático tinha dito que a suspensão da compra seria feita "o quanto antes".

A pressão sobre o aiatolá também tem foco na política interna dos EUA. "Todos os candidatos republicanos à Presidência vêm criticando a administração Obama por estar tratando os iranianos sem a dureza necessária e por não levar as ameaças do regime a sério", observa Ehteshami. A fonte que relatou ao New York Times a conversa entre o norte-americano e Khamenei não falou sobre uma eventual resposta do clérigo. Analistas temem que a tensão no Golfo Pérsico provoque um conflito sem precedentes. "As ramificações da economia global e da segurança internacional têm longo alcance. Qualquer resposta à ameaça de fechar o estreito virá de toda a comunidade internacional", diz Raymond Gilpin, pesquisador do US Institute of Peace, em entrevista ao Correio.

Vingança Enquanto isso, o líder supremo iraniano prometeu punir os responsáveis pelo assassinato do cientista nuclear Mustafa Ahmadi Roshan, morto em um atentado à bomba na última quarta-feira. O funeral de Roshan foi acompanhado ontem por manifestantes, que empunhavam cartazes com frases como "Morra Israel" e "Morram Estados Unidos". O presidente Mahmud Ahmadinejad, que voltou ao Irã, após um giro por países latino-americanos, defendeu a república islâmica. "O tema nuclear é uma desculpa política. Todos sabem que o Irã não tenta fabricar bombas atômicas", disse, ao encerrar a visita, em Quito. Até o fim de janeiro, técnicos da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) devem desembarcar em território iraniano para uma nova inspeção nas instalações nucleares do país.

Um presidente indiferente O ex-líder cubano Fidel Castro publicou uma série de comentários sobre a visita do líder iraniano à ilha. "Observei o presidente absolutamente sossegado e tranquilo, indiferente por completo às ameaças ianques, confiando na capacidade de seu povo de enfrentar qualquer agressão", escreveu Fidel. "Estou seguro de que, por parte do Irã, não devemos esperar ações irrefletidas, que contribuam para a eclosão de uma guerra. Se esta acontecer, será fruto exclusivo do aventureirismo e da irresponsabilidade congênita do império ianque", acrescentou. Ahmadinejad, que entrou em uma disputa política interna com Khamenei, viajou à América Latina para reforçar laços com os simpatizantes do regime. Além de visitar Cuba, ele esteve na Venezuela, na Nicarágua e no Equador.