Título: Regime liberta 220 presos políticos
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 14/01/2012, Mundo, p. 19

Ativistas elogiam anistia a importantes líderes da oposição. EUA retomam laços diplomáticos

Desta vez, o regime de Thein Sein fez uma concessão mais que simbólica. Ao anistiar 220 prisioneiros políticos — entre eles líderes importantes da oposição —, as autoridades de Mianmar receberam elogios de ativistas dos direitos humanos e levaram os Estados Unidos a reatarem todos os laços diplomáticos com o país do Sudeste da Ásia. Das principais penitenciárias e de residências onde cumpriam prisão domiciliar, os presos saíram carregando pequenas sacolas e foram saudados com emoção por familiares e simpatizantes. Entre os libertados, estão o ex-chefe militar e ex-primeiro-ministro Khin Nyunt, 73 anos; os líderes estudantis Min Ko Naing e Ko Ko Gyi, que comandaram os levantes de 1988 e de 2007; o monge budista Gambira, um dos expoentes da revolução de 2007; e o blogueiro Nay Phone Latt. Min Ko Naing havia sido condenado a 65 anos de cadeia.

"A decisão do presidente Thein Sein de libertar centenas de presos de consciência é um passo substancial para a reforma democrática", afirmou o presidente norte-americano, Barack Obama. Pela primeira vez em 24 anos, os EUA enviarão um embaixador a Mianmar. "Nós começaremos o processo de troca de embaixadores com Burma", anunciou a secretária de Estado, Hillary Clinton, referindo-se ao nome pelo qual Mianmar é conhecido por seus cidadãos.

Diretor da ONG Burma Democratic Concern (BDC), o birmanês Myo Thein enalteceu a decisão do ex-general Thein Sein. "As libertações confirmam que o regime realiza reformas e o faz de modo sério. Saudamos isso como uma mudança positiva e, sinceramente, esperamos pela democracia em Burma", afirmou ao Correio. "Eu creio verdadeiramente que Mianmar está se movendo em direção à democracia plena", acrescentou. Segundo Myo Thein, tanto o governo quanto a oposição estão dispostos a obter a reconciliação nacional. Aliado da política Aung San Suu Kyi, laureada com o Nobel da Paz em 1991, Myo Thein disse que 232 presos políticos restantes ainda precisam ser libertados.

O partido de Suu Kyi, a Liga Nacional para a Democracia (LND), comemorou a notícia. "É um sinal positivo para todo o mundo. Saudamos as libertações", indicou o porta-voz, Nyan Win. Para um brasileiro que visitou os calabouços do regime de Than Shwe (1992-2011), a anistia sinaliza o desejo do governo de fazer a transição política progredir. "A passagem de uma ditadura de mais de meio século para a democracia é um processo tortuoso, cheio de eventos inesperados. Falta muito para a democracia plena, mas nem por isso os passos do governo devem ser desprezados", disse ao Correio o diplomata Paulo Sérgio Pinheiro, relator especial da ONU para Mianmar entre 2000 e 2008 e atual presidente da comissão de investigação das Nações Unidas sobre a Síria.

Pinheiro admite que o regime de Thein Sein experimenta um processo de "abertura gradual", o que torna difícil um retrocesso autoritário. "A possibilidade de Suu Kyi concorrer às eleições é um fato extraordinário. Após encontrá-la em prisão domiciliar por inúmeras vezes entre 2000 e 2007, considero essa chance um dos melhores auspícios para a consolidação da abertura democrática no país", concluiu.

Consultadas pela reportagem, as duas principais entidades defensoras dos direitos humanos no mundo também saudaram a medida. "É um passo significativo. Anos de apelos internacionais pela libertação de prisioneiros detidos há bastante tempo parecem ter empurrado o governo de Burma a finalmente fazer a coisa certa. Outros países, inclusive o Brasil, deveriam continuar a lutar pela libertação de todos os prisioneiros políticos de Burma", admitiu a americana Elaine Pearson, vice-diretora da Divisão Ásia da Human Rights Watch. Benjamin Zawacki, especialista em Mianmar da Anistia Internacional, disse que Thein Sein "finalmente responde ao desejo de mudança do povo birmanês". "As mudanças estão a caminho de Mianmar, ainda que algumas não tenham sido para melhor, especialmente nas áreas de minorias étnicas, onde as violações dos direitos humanos têm se intensificado", comentou.

Um novo futuro "A libertação dos prisioneiros indica um avanço no âmbito de três liberdades fundamentais para a democracia: de expressão, de reunião pacífica e de associação. Esses direitos foram sistematicamente violados durante as eleições de 2010" Benjamin Zawacki, pesquisador sobre Mianmar pela Anistia Internacional

"Mianmar está mudando agora. Desde que o regime de Thein Sein chegou ao poder, ele tem realizado uma série de reformas. Mianmar está se movendo na direção certa. Todos devemos redefinir o país e permanecer unidos para enfrentar os desafios, de forma pacífica" Myo Thein, birmanês, diretor da ONG Burma Democratic Concern (BDC)

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