Presidente será investigado por três crimes no STF

Breno Pires, Rafael Moraes Moura e Beatriz Bulla

20/05/2017

 

 

Temer vai responder por corrupção passiva, obstrução à Justiça e organização criminosa; para Janot, houve ‘anuência’ para compra de silêncio de Cunha

O presidente Michel Temer será investigado no Supremo Tribunal Federal por suspeita de crimes de corrupção passiva, participação em organização criminosa e obstrução de Justiça. A Procuradoria- Geral da República afirmou, com base nas delações de executivos da JBS, que Temer e o senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) – os dois são alvo do mesmo inquérito – têm atuado para impedir o avanço da Lava Jato.

A íntegra do pedido da Procuradoria- Geral da República e da decisão do ministro do STF Edson Fachin autorizando a investigação contra Temer, Aécio e o deputado afastado Rodrigo da Rocha Loures (PMDB-PR) foi tornada pública ontem.

Fachin destacou, entre os fatos que podem configurar como crimes descritos pela Procuradoria, a conversa entre o empresário Joesley Batista, dono da JBS, e Temer sobre o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que está preso.

Na conversa, o delator diz que tem procurado manter boa relação com Cunha mesmo após sua prisão e, segundo a Procuradoria, “Temer confirma a necessidade dessa boa relação”.

“Tem que manter isso, viu”, afirma o presidente em áudio gravado por Joesley. “Joesley fala de propina paga todo mês, também ao Eduardo Cunha, acerca da qual há a anuência do presidente”, disse o procurador- geral da República, Rodrigo Janot, ao pedir a abertura de inquérito ao STF.

‘Sinais claros’. Em depoimento à Procuradoria, Joesley disse que “continua pagando ao (Lúcio) Funaro R$ 400 mil para garantir o silêncio dele e de Cunha” e “que sempre recebeu sinais claros que era importante manter financeiramente ambos e as famílias, inicialmente por Geddel Vieira Lima e depois por Michel Temer”.

Fachin chegou a devolver a Janot o pedido sobre Temer para “manifestação por parte da Procuradoria- Geral da República” sobre se a regra da imunidade temporária à persecução penal se aplicaria a Temer neste caso. Janot afirmou que não valeria.

“Os fatos estão diretamente relacionados ao exercício da função. Nesse sentido, importante registrar que um dos delitos em tese cometidos é o de corrupção passiva, o qual pressupõe justamente o exercício de cargo, emprego ou função pública por parte do agente”, disse o procurador-geral.

Fachin, então, autorizou. O ministro também disse que é válida a gravação de quatro áudios feita por Joesley e entregues ao Supremo como parte do acordo de delação premiada.

O delator gravou uma conversa pessoalmente com Temer, outra com Aécio e duas com Loures. “Não há ilegalidade”, disse.

O ministro do Supremo ainda destacou trechos sobre Temer indicando Loures “como pessoa de sua extrema confiança para tratar dos temas de interesse do Joesley”, nas palavras da Procuradoria. Janot também narrou trechos de diálogos do agora deputado afastado com Joesley.

Corrupção ativa. Um quarto crime descrito no pedido de abertura de inquérito contra Temer, Aécio e Loures é o de corrupção ativa, mas, neste caso, a conduta é atribuída pela Procuradoria- Geral da República apenas a Joesley, pelo pagamento de R$ 2 milhões acertado com Aécio que teriam sido destinados a pessoas de confiança do senador afastado.

O procurador-geral ainda atribuiu a Aécio a tentativa de “organizar uma forma de impedir que as investigações avançassem por meio da escolha dos delegados federais que conduziriam os inquéritos, direcionando as distribuições.”

Defesas. Temer já negou que tenha dado aval para comprar o silêncio do deputado cassado Eduardo Cunha. A Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, em nota, afirmou que, “no diálogo com Joesley Batista, o presidente Michel Temer diz que nada fez pelo ex-deputado Eduardo Cunha”, o que “prova que o presidente não obstruiu a Justiça”.

Aécio, que se licenciou da presidência nacional do PSDB, afirmou ontem, também por meio de nota, que “não existe qualquer ato do senador como parlamentar ou presidente do PSDB, que possa ter colocado qualquer empecilho aos avanços da Operação Lava Jato”.

“Ao contrário, como presidente do partido, o senador foi um dos primeiros a hipotecar apoio à operação.”

Suspeitas

“Os fatos estão diretamente relacionados ao exercício da função. Nesse sentido, importante registrar que um dos delitos em tese cometidos é o de corrupção passiva, o qual pressupõe justamente o exercício de cargo.”

Rodrigo Janot

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

 

O Estado de São Paulo, n. 45140, 20/05/2017. Política, p. A5