Os 11 STFs do Brasil

LISZT VIEIRA

13/07/2017

 

 

Muita gente acha que as decisões do STF são tomadas de forma colegiada. Na realidade, os ministros do Supremo agem frequentemente de forma individual, seja declarando opinião antes do julgamento, o que viola a lei, pedindo vista com tempo ilimitado ou tomando decisões monocráticas que fixam jurisprudência.

A grande maioria das decisões é monocrática. Entre as mais conhecidas estão a liminar que suspendeu a posse de Lula como ministro, a do auxílio-moradia para juízes (R$ 4.377,43 a cada um), o financiamento eleitoral pelas empresas, retido um ano e meio e, recentemente, as decisões favorecendo os denunciados Aécio Neves e Rodrigo Rocha Loures.

Os pedidos de vista muitas vezes demoram mais de um ano, em vez de 30 dias. Com 70 mil processos ao ano, cerca de seis mil por ministro, mais de 90% das decisões do STF são tomadas por ministros individualmente, e não pelos 11 em plenário. Como disse certa vez o professor Joaquim Falcão, da FGV, no Brasil existem 11 Supremos. A decisão monocrática tornou-se regra, e critérios diferentes alimentam a insegurança jurídica. Pelo argumento do ministro Marco Aurélio que beneficiou o senador Aécio Neves, o ex-senador Delcídio do Amaral não poderia ter sido preso.

Mesmo abstraindo o exemplo extremo do ministro Gilmar Mendes, que faz política todo dia, a politização da Justiça é a outra face da judicialização da política. Ano passado, a presidente do STF negociou com o presidente Temer a permanência de Renan Calheiros na presidência do Senado, para evitar a posse do vice, ligado ao PT, contrariando liminar anterior do ministro Marco Aurélio.

O STF foi várias vezes acusado de invadir prerrogativas do Congresso Nacional, como no caso da votação da cláusula de barreira (RE 635739) e da fidelidade partidária (ADI 5081/DF). Mas foi a partir do julgamento da Ação Penal 470 (mensalão) que se observou uma mudança de atitude em relação às garantias previstas no Direito Penal. Entre as inovações, destaca-se a adaptação da “teoria do domínio do fato”, que permitiu fundamentar a responsabilidade de dirigentes políticos mesmo sem provas.

A ação combinada da Polícia Federal, do Ministério Público e do Poder Judiciário no combate à corrupção ultrapassou várias vezes o limite da lei e da divisão de poderes. Os organismos representantes da soberania popular vêm perdendo terreno para as instituições judiciárias de controle, configurando o que o cientista político Leonardo Avritzer denominou “pretorianismo jurídico”.

Mas o que passa para a sociedade é que alguns políticos acusados de corrupção, principalmente do PSDB, mesmo com provas concretas, não são punidos na Justiça. Esta impressão ficou fortalecida com a recente decisão do STF que autorizou o retorno de Aécio Neves ao Senado, com a libertação do “homem da mala” de Temer, Rodrigo Rocha Loures, e também com o “esquecimento” da corrupção envolvendo políticos tucanos, como é o caso da propina de 23 milhões que o senador José Serra recebeu da Odebrecht. Essa impressão vai se fortalecer ainda mais com a condenação do ex-presidente Lula na base de indícios, sem provas, como admitiram os procuradores em Curitiba. Com tanto tráfico de influência, preferiram condená-lo por um apartamento que ele não pagou, não usou e nunca esteve em seu nome.

No futuro imediato, o governo provisório que provavelmente substituirá o agonizante governo Temer não vai contribuir para resolver a crise política. Somente eleições gerais para o Congresso e diretas para presidente podem dar legitimidade para um novo governo administrar a coisa pública e fazer as reformas necessárias, sem punir exclusivamente os pobres e poupar os ricos, como vem acontecendo.

O país espera que o STF se atenha a seu papel de guardião constitucional, rejeitando pressões para tomar ações ou decisões em favor de atores políticos representando, em geral, os interesses econômicos do mercado.

 

*Liszt Vieira é professor da PUC-Rio

O globo, n.30656 , 13/07/2017. ARTIGOS, p. 17