Choque político compromete reformas

Alexa Salomão

21/05/2017

 

 

Mudanças nas leis trabalhistas e da Previdência podem não ocorrer; efeitos sobre economia real virão apenas a partir do terceiro trimestre

 

 

Fragilizado, Temer gera insegurança e piora recuperação, dizem economistas
 
Indefinição. De acordo com economistas de diferentes correntes ouvidos pelo ‘Estado’, delação dos irmãos Batista coloca em xeque capacidade do presidente da República de aprovar reformas; volta da incerteza política pode paralisar investimentos e prolongar recessão
 

 

No aspecto técnico, para a economia, os efeitos colaterais das denúncias contra o presidente Michel Temer vão começar a ser medidos na virada entre maio e junho, quando começam a sair as primeiras sondagens com expectativas e nível de confiança de consumidores e empresários.

As primeiras análises feitas por economistas, porém, são desalentadoras no que se refere a recuperação. O ‘Estado’ ouviu 13 economistas de diferentes correntes e há consenso de que o choque político piora a economia.

“Tenho de ser sincera: foi um balde de água fria”, diz Silvia Matos, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/ FGV). Mensalmente, ela coordena os cálculos do indicador que antecipa o crescimento da economia, o chamado Monitor do PIB (Produto Interno Bruto).

Na quinta e sexta-feira que se seguiram à divulgação da delação dos irmãos Batistas, sócios da JBS, ela até tentou atualizar as projeções. Reviu para cima a expectativa do primeiro trimestre do PIB, 0,9% para 1%. O segundo trimestre, já previa, será mais baixo. A incógnita é o terceiro trimestre: é nele que vao aparecer os eventuais impactos das gravações da conversa entre Temer e o empresário Joesley Batista. Assim, Silvia não mexeu na projeção de crescimento do ano. O Ibre tem umas das expectativas mais conservadores: 0,4%.

No entanto, se o parâmetro for o clima que prevaleceu entre eles nesses dois dias, a tentação generalizada era rever tudo para baixo.

 

Percepção. Desconforto é um termo que resume a percepção geral de quem ouviu as gravações. Para eles, é um detalhe definir se o presidente teria ou não dado aval para o empresário bancar mesadas ao ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e seu operador, Lúcio Funaro, ambos presos. O que incomodou a todos foi o contexto da conversa.

Um presidente da República recebe à noite, em sua residência oficial, um empresário investigado pela Polícia Federal. Por cerca de 30 minutos, o empresário narra uma série de crimes, sem que haja nenhuma crítica ou reação contrária do presidente.

A conversa, ao contrário, é amigável. O presidente indica uma pessoa de sua confiança, a quem o empresário pode recorrer para resolver problemas.

Dias depois, a polícia monitora esse representante recebendo, de um enviado desse empresário, uma mochila com R$ 500 mil, primeira parcela de uma propina que deve ser paga, mensalmente, por 20 anos. As imagens foram gravadas, como prova de que o setor privado continua a pagar por favores públicos, em pleno desenrolar da Operação Lava Jato.

O economista e filósofo Eduardo Giannetti da Fonseca resume o que passou na cabeça de boa parte dos colegas de profissão: “Independentemente de ter ou não ocorrido o fato que se alegou no primeiro momento – aval do presidente ao pagamento de suborno –, o simples fato de esse encontro ter ocorrido, nas condições em que ocorreu, é conclusivo (ler a entrevista na B4). Na avaliação dele, houve uma ruptura política que contaminou a confiança e vai prejudicar a retomada até a eleição de 2018. Ler, a seguir a análise de outros economistas.

 

Projeções

Se o parâmetro for o clima que prevaleceu entre os economistas nos dois dias que se seguiram à delação, a tentação generalizada era rever para baixo todas as projeções para a economia.

 

 

PONTOS DE VISTA

ARMANDO CASTELAR PINHEIRO, COORDENADOR DE ECONOMIA DO IBRE/FGV

‘A incerteza é maior e abala a confiança’

“A novidade é contracionista. A incerteza é maior. Abala a confiança. Afeta o investimento. Aperta o crédito. A tendência é que o nível de atividade vá enfraquecer. O quanto vai enfraquecer depende da velocidade com que se consiga sair dessa situação. Enquanto ficar a sensação de que as coisas podem mudar, de uma hora para outra, e ninguém sabe para onde, mais a economia vai sentir. A incerteza é o problema: não saber quem será o presidente, se o Temer fica ou sai. Agora temos essa indefinição. Quando resolver, é mais simples. Vai para o preço. A vida volta ao normal. É claro que, se Temer permanecer, e não tiver força para aprovar as reformas, o cenário piora.

Basicamente, temos três cenários. Temer não renuncia, mas não consegue se reerguer politicamente. Avançamos para alternativas que possam afastá-lo, como o impeachment. Vai ser muito ruim. É o pior cenário. No polo oposto, surge um novo imprevisto, agora favorável a Temer. Ele se recupera. Aprova as reformas. No meio termo, temos a alternativa de que ele renuncia. Elege-se um novo presidente indiretamente. Dificilmente terá força para aprovar reformas. É o cenário de empurrar com a barriga. A vantagem é que já não estamos tão longe das eleições. Pode ser alguém que pelo menos toque o barco até 2019.

O problema é que a reforma da Previdência é essencial. Ela não é um discussão de preferência ideológica ou política. Fernando Henrique Cardoso fez. Lula também fez. Dilma tentou fazer. Sem essa reforma, vai ficar ruim para qualquer um na presidência. A situação fiscal será complicada, vai pressionar a taxa de juros e gerar um ambiente econômico muito adverso.”/ A.S.

 

JOSÉ LUIS OREIRO, PROFESSOR DE ECONOMIA DA UFRJ

‘A economia em 2017 faleceu nessa semana’

“No que se refere à economia, o ano de 2017 faleceu na semana que passou. Eu já tinha dúvidas sobre o crescimento. Antes de acontecer o terremoto que vimos, já tinha dito para todo mundo que o governo estava comemorando um – entre aspas – falso positivo. O que é isso? De fato, nós vamos ter um crescimento no primeiro trimestre deste ano, mas, basicamente, será motivado pelo excelente desempenho da agropecuária.

Esse desempenho não vai se repetir nos próximos trimestres e também não tem fôlego suficiente para puxar o crescimento de toda a economia em 2017. Depois do terremoto, as coisas ficaram muito mais complicadas, de uma maneira ou de outra. Temos dois cenários. No primeiro, Temer renuncia e escolhem um novo presidente indiretamente. Ainda assim, sentiremos uma série de restrições que vão conspirar para colocar o PIB brasileiro no negativo mais uma vez. O dólar vai ser mais alto. Haverá menos espaço para o Banco Central reduzir os juros. Mas tem o cenário B também. Temer bate o pé e fica. Isso deixa as coisas muito mais imprevisíveis. Corremos o risco de ter, no Palácio do Planalto, um presidente sem ação, sem apoio parlamentar suficiente, que vá perdendo a base – o PSDB já ameaça sair – e que ainda alimente a insatisfação popular. Já vimos que as manifestações contra a permanência dele estão crescendo. Há mobilizações sendo agendadas.

Nesse ambiente, tudo pode acontecer. De um jeito ou de outro, as reformas se perderam. A agenda de recuperação fiscal, que era de longo prazo, se perdeu. Nem Temer, nem quem o substitua, tem condições de implementá- las.” / A.S.

 

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, ECONOMISTA

‘Reforma trabalhista será a prova do pudim’

“É preciso olhar em duas direções. De um lado, temos a recuperação cíclica, que tem uma dinâmica própria. O salário real médio, neste ano, está positivo. Como o número de empregados é sete vezes maior que o número de desempregados, o gasto dessas pessoas terá um efeito positivo na economia. Temos de considerar também o resultado excepcional do agronegócio e seus efeitos. Segundo o cálculo da MB (consultoria), dá 25% do PIB, quando se considera não apenas o resultado nas fazendas, mas em toda cadeia, incluindo até a indústria de alimentos. Há ainda as exportações, que estão crescendo. Mas para ancorar essa recuperação, você precisa das reformas. Pense numa videira. Para crescer, você amarra os galinhos com um arame, para eles crescerem direito. Essa confusão toda não mexe com a recuperação cíclica no curto prazo, mas desancora o futuro. Coloca em jogo as reformas, que vinham alimentando o otimismo de todo mundo. Havia a confiança de que o governo levaria adiante as reformas, tinha a recuperação cíclica e o Banco Central tinha espaço para jogar o juro para baixo. Todo mundo comprou esse cenário. Tenho dito que apareceu aí um black swan (cisne negro), que ninguém esperava.

A reação da bolsa de valores foi isso: pânico. Todo mundo querendo sair pela mesma porta. A alta no dia seguinte foi o ajuste. Exageraram e houve o ajuste. O fim de semana será crítico. Todo mundo vai parar para avaliar se Temer tem condições de continuar. Eu acho difícil. O governo vai tentar levar adiante a reforma trabalhista, que exige um número menor de votos. Esse é o teste. A prova do pudim. Se não conseguir, aí é o fim.” / A.S.

 

MARCOS LISBOA, PRESIDENTE DO INSPER

‘É preciso ter clareza o quanto antes’

“O que essa crise está revelando é quão grave se tornou a relação entre o setor público e o setor privado no Brasil. Temos de rever as regras e os procedimentos que cercam essa relação. Por esse aspecto, nós temos uma oportunidade para consertar um problema muito antigo. Esse é o lado bom. Mas tem o ruim: o cenário piorou. É um cenário de incerteza e quanto mais incerteza, mais paralisia – paralisia, neste momento, significa piora da economia. Prefiro não falar de questões políticas, mas o quanto antes tivermos clareza sobre qual é o rumo a ser seguido, melhor. A gente tinha uma agenda de reformas andando. Debates acontecendo. Essas discussões essenciais estão paralisadas – enquanto isso não anda, as contas públicas se deterioram. Se elas pararem, nos vamos retroceder. Sobretudo a partir de 2011, 2012 em diante, a gente assistiu uma progressiva deterioração fiscal. A despesa foi crescendo muito acima do PIB e também acima da receita do governo; a receita em si, porém, ficou em linha com o PIB, o que é o esperado. A partir do fim de 2014, início de 2015, isso já tinha se espalhado: taxas de investimento, de crescimento e de geração de emprego foram cadentes, até se tornarem negativas. O governo anterior tentou, mas não conseguiu mudar isso, levando à deterioração fiscal e uma crise histórica. Tínhamos inflação alta, juro alto e recessão. Uma combinação até difícil de explicar. De um ano para cá, o ambiente econômico melhorou, porque recuperamos o comprometimento fiscal. Encaminhamos reformas. A reforma da Previdência vai garantir a solvência das contas públicas. Sem ela, podemos não apenas repetir o passado, mas ficar numa situação pior ainda.” / A.S.

 

NELSON MARCONI, PROFESSOR DA FGV

‘Cenário só melhora se mudar o governo’

“No meu entender, o cenário anterior não tinha a recuperação que a maioria do mercado previa. Boa parte da melhora veio da mudança de metodologia do cálculo pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Alterou o resultado.

O único setor em recuperação é o agronegócio. Ele se guia pelo mercado internacional. Não vai ser afetado. Os demais setores, porém, vão ser. O que aconteceu afeta a confiança. Quem pensava em investir, pode desistir. O Banco Central tende a ser mais cauteloso no ritmo de queda da taxa de juros, afetando o crédito. O nível de atividade pode não reagir ou até recuar, com reflexos sobre o desemprego. Algumas avaliações são de que, para a economia, é melhor Temer ficar. Discordo. O melhor cenário é ter uma rápida mudança no governo. Só isso vai acalmar os ânimos. Trazer de volta a confiança que estava se delineando antes. Quem assumir não pode ter nenhum envolvimento no processo da Lava Jato ou risco de se envolver. Não podemos passar por isso outra vez. Vamos lembrar: destituímos a Dilma e o PT e agora estamos vendo que o Temer e o PMDB estão tão enrolados quanto – e tinha o risco, porque o PMDB estava no governo antes. Precisamos de uma figura que consiga tocar um processo de transição sem novos sobressaltos. E vamos aí: não tem como votar as reformas trabalhista e da Previdência. Estamos vendo ministro apresentando carta de demissão; o PSDB avaliando se fica ou sai. Não tem ambiente político para votar. Dou graças a Deus se a reforma trabalhista ficar mesmo para depois. Foi feita de forma atabalhoada, sem a devida discussão. Mas lamento pela reforma da Previdência. Adiá-la significa que teremos sérios problemas fiscais.” / A.S.

 

SAMUEL PESSÔA, PESQUISADOR DO IBRE/FGV

“O Brasil é um País complicado.

Quando parecia que as coisas estavam minimamente se acertando, que a gente ia arrumar um monte de coisas, acontece isso. Eu queria que o governo Temer fosse até o final e que a gente tivesse, na sequência, uma eleição tranquila. Fiquei triste com tudo. Daqui para frente, no aspecto político, a gente vai ter de ver qual pessoa o Congresso vai escolher. Precisa ser alguém que tenha alguma sobrevivência no ambiente do Congresso – que está na penúria – e não seja indigesto para a sociedade. Senão, nós vamos ter gente na rua indisposta a engolir o cara. Temer vai ter de renunciar. Se ele se agarrar ao cargo, vai ser mesquinhez. Vai afundar o País. Dadas as circunstâncias em que tudo ocorreu, talvez também seja difícil manter o Meirelles (Henrique Meirelles, atual ministro da Fazenda, foi presidente do conselho de administração da holding J&F, controladora da JBS, dos irmãos Batista). O choque político piora a recuperação da economia. Nisso não há a menor dúvida. As reformas pararam. Não consigo ver de onde virá ambiente político para votá-las no meio da indefinição. Alguma coisa vai ser possível tocar depois de cumprido o rito da eleição indireta, de a gente ver quem foi eleito e qual é a agenda dele.

Na economia, a tendência da atividade é para baixo e o câmbio, para cima. A resultante disso sobre a inflação ainda é uma incógnita. Em 2008, tivemos inflação para baixo. Mas, lá atrás, a crise era internacional e agora ela é só nossa. Por outro lado, estamos numa recessão muito mais profunda. Não consigo saber se o processo é inflacionário ou desinflacionário. E é isso que vai definir a velocidade de queda da taxa de juros pelo Banco Central.” / A.S

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45141, 21/05/2017. Economia, p. B3.