MP já sabia de suspeita sobre amigo de Temer

André Guilherme Vieira

26/05/2017

 

 

A suposta atuação de amigos de Michel Temer no recolhimento de propinas com empresários já era conhecida pela Lava-Jato antes da delação dos sócios da JBS e do flagrante do deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) recebendo R$ 500 mil em dinheiro - que teria o presidente como destinatário, segundo as investigações.

É o que apontam alguns dos 30 anexos sigilosos da pré-delação premiada do sócio da Engevix José Antunes Sobrinho, aos quais o Valor teve acesso. Já condenado a 21 anos de prisão pela Justiça Federal do Rio de Janeiro pelo pagamento de propinas em Angra 3, Sobrinho não conseguiu fechar acordo de delação em 2016.

As informações de Sobrinho não podem ser usadas pelos procuradores para solicitar investigações. Mas eventuais evidências encontradas em outras frentes de apuração, que corroborem o que foi dito por Sobrinho, poderão ser usadas como 'prova fortuita'.

Chama a atenção parte das informações de Sobrinho e dos delatores da JBS convergirem para o mesmo personagem: o coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo João Baptista Lima Filho, amigo do presidente há décadas. Ele foi um dos que se reuniram com Temer, em São Paulo, após a divulgação das delações da Odebrecht, em abril. Endereços do coronel, como a sede da Argeplan, na Vila Madalena, foram alvos de busca e apreensão durante a Operação Patmos, em 18 de maio.

Segundo o anexo de informações nº 29 de José Antunes Sobrinho, Lima Filho teria sido "diretamente responsável" pela indicação do almirante Othon Pinheiro da Silva "junto a Temer e para a manutenção [no cargo] de presidente da Eletronuclear". Silva foi condenado pela Justiça Federal do Rio a 43 anos de prisão por corrupção, lavagem, evasão e organização criminosa nas obras de Angra 3.

"Othon esteve com Lima em reuniões com Michel Temer, conforme relatado diversas vezes ao colaborador por Lima", disse.

"Cabe mencionar que, através de Lima, o colaborador repassou R$ 1 milhão como apoio de campanha para suprir interesses de Michel Temer", afirmou Sobrinho. "Esses valores não foram declarados, e o colaborador pediu para que uma empresa fizesse o pagamento dos valores a Lima. Este pagamento foi feito através da empresa Alumni, que prestava serviços de mídia externa no aeroporto de Brasília".

Sobrinho disse que Lima chegou a procurá-lo propondo devolver a "colaboração de campanha", por receio da Lava-Jato. "Mas depois dessa conversa Lima não procurou mais o colaborador e nunca devolveram os valores", afirmou.

Carregador de malas de dinheiro da JBS endereçadas a políticos, o contador Florisvaldo de Oliveira detalhou à Procuradoria-Geral da República (PGR), em depoimento gravado em vídeo, a suposta entrega de R$ 1 milhão em espécie ao coronel Lima Filho em 2014, em "uma caixa grande".

Oliveira descreveu a sede da Argeplan como "um sobrado com vidros escuros na frente". Ele contou aos investigadores que ligou para a empresa "para falar com o coronel", e que ao chegar ao endereço foi chamado por Lima. "Veio um senhor de idade. Me chamou, subi com ele na escadinha. Ele [falou] 'você veio trazer um dinheiro para mim?'"

Segundo Oliveira, o coronel se decepcionou, porque esperava a entrega da propina nesse encontro. "Eu vim aqui para entender como é que é, como é que faz. Afinal, não é um real, é um milhão", teria dito Oliveira a Lima Filho.

Foi em um encontro posterior, segundo o delator, que o dinheiro foi entregue. Ele disse que ligou para o suposto recebedor dos valores informando que estava a caminho da Argeplan. "Quando eu toquei a campainha, logo na sequência ele já desceu, esse coronel".

Oliveira disse que estava preocupado com a segurança, por haver câmera de vigilância na frente da Argeplan. "Não, tranquilo, tranquilo", teria dito Lima Filho. Registros de vídeo eventualmente achados nas buscas serão analisados

Oliveira falou que tirou a caixa com dinheiro do carro e a pôs no porta-malas do veículo do coronel. "Não conferiu, nem nada", disse.

Esse dinheiro, de acordo com os sócios da JBS Joesley e Wesley Batista e o diretor de Relações Institucionais Ricardo Saud, teria ficado com Temer e envolveria suposta propina de R$ 15 milhões acertada com o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega a ser descontada da "conta" Dilma Rousseff na JBS. O valor total teria comprado o apoio do PMDB na eleição presidencial de 2014.

Anotações entregues pelos delatores à PGR apontam que os recursos tiveram os seguintes destinos, por suposta ordem de Temer: R$ 9 milhões repassados como doações eleitorais; R$ 2 milhões para pagamento ao marqueteiro Duda Mendonça, pelo custeio da campanha de Paulo Skaf (PMDB) ao governo paulista; R$ 3 milhões em espécie para o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ); e R$ 1 milhão entregues na Argeplan.

O advogado de Temer, Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, disse ao Valor que as declarações dos delatores da JBS " são absolutamente inverídicas, infundadas, mentirosas, próprias de quem quis causar impacto, são mentiras de envergadura, para poder obter do Ministério Público inusitadas benesses, tais como manter passaporte, não sofrer pena alguma pelos crimes, e poder sair do país, se safando de qualquer punição e podendo lucrar com a delação, pois especularam na bolsa e no mercado de dólares".

Sobre as afirmações de José Antunes Sobrinho, Mariz disse que as desconhece e que por isso não pode se pronunciar. A defesa de Antunes não foi localizada. Procurado, Lima Filho não retornou às ligações feitas pela reportagem, até o fechamento desta edição.

Dilma, Mantega e Skaf negam irregularidades. Duda fez delação.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4263, 26/05/2017. Política, p. A10.