A caminho de uma redução estrutural dos juros?

Ricardo de Menezes Barboza

26/05/2017

 

 

r uma série de razões. Por exemplo, o juro elevado impacta fortemente o déficit público, demandando superávits primários também elevados para a estabilização da relação dívida/PIB.

Como reverter essa verdadeira jabuticaba e baixar o juro de forma estrutural?

Há quem acredite que a alta taxa de juros é resultado de uma influente coalizão de interesses formada em torno da manutenção do juro em níveis elevados. Esta coalizão seria benéfica tanto para rentistas, que lucrariam com aplicações financeiras, quanto para o Banco Central, que se beneficiaria da reputação de ser conservador.

No entanto, não há qualquer evidência de que as taxas de juros no Brasil tenham sido exageradas, pelo menos desde a introdução do regime de metas de inflação, em 1999. Fosse este o caso, teríamos que observar a inflação sistematicamente abaixo da meta, mas isto está longe de ser verdade. Ficamos com a inflação abaixo da meta apenas em dois dos mais de quinze anos de regime.

Há também quem acredite que o juro elevado decorre de um problema de equilíbrios múltiplos. Entretanto, uma variante dessa hipótese foi testada entre 2011 e 2013, quando se acreditou que a economia brasileira estava em um equilíbrio "ruim", com juro alto e câmbio apreciado, por razões institucionais ou por histerese, e que a migração para um novo "bom" equilíbrio, com juros menores, câmbio depreciado e inflação na meta, ocorreria em função de uma maior vontade política.

Houve vontade política e um Banco Central disposto a seguir adiante com o experimento. Em agosto de 2011, mesmo com expectativas de inflação crescentes e acima da meta, o Copom optou por iniciar um forte ciclo de redução da taxa de juros nominal, que alcançou 7,25% em outubro de 2012, menor patamar da série histórica. O resultado desse experimento foi uma inflação ascendente, mesmo com o esforço oficial de controlar preços administrados.

De lá para cá, a política monetária teve que permanecer em terreno contracionista por um período suficientemente longo, inclusive para romper com mecanismos inerciais, contribuindo para a terrível recessão que atravessamos. Se o Brasil soubesse aprender com seus erros, não mais ouviríamos propostas de redução do juro na força bruta.

(...)

Outras muitas teses habitam a literatura sobre juro no Brasil (são pelo menos umas dez!). Daqui para frente, gostaria de dar atenção especial a três fatores promissores nesta discussão: 1- o comportamento dos gastos públicos; 2- a existência de mecanismos que obstruem a transmissão da política monetária, e; 3- a baixa (e que cresce pouco) produtividade do país.

Sobre o primeiro fator, o juro alto brasileiro seria uma decorrência de uma política fiscal que sistematicamente tem pisado no acelerador. Desde 1991, as despesas do governo têm crescido ano após ano a taxas superiores ao PIB. Por exemplo, o gasto público federal saltou de 10,8% do PIB em 1991 para 19,8% em 2016. O avanço fiscal, tudo o mais constante, pressiona a demanda agregada e acaba exigindo uma taxa de juros mais elevada para equilibrar investimento e poupança. Ou seja, a consequência de uma política (fiscal) que pisa sistematicamente no acelerador é a existência de outra (monetária) que acaba pisando sistematicamente no freio para garantir a estabilidade de preços no país.

Sobre o segundo fator, o juro seria mais alto no Brasil porque parte do mercado de crédito opera com uma taxa de juros inferior e insensível à política monetária, o que deixa uma parcela da demanda agregada fora do alcance da autoridade monetária. Diante disso, o Banco Central, visando manter a inflação na meta, com o produto operando no seu potencial, deve adotar uma política de juro mais dura comparativamente à que seria adotada na inexistência de tal obstrução na transmissão da política monetária.

Sobre o terceiro fator, a economia brasileira tem sido marcada por um baixo crescimento da produtividade, o que limita os avanços do seu produto potencial. Quanto menor o crescimento deste, mais alto deve ser o juro da economia para impedir que a economia sobreaqueça a qualquer momento (ainda que no médio prazo essa relação seja controversa). Na última ata do Copom, o BC deixou clara a importância desse tema, ao apoiar as reformas que "visam o aumento de produtividade", "fundamentais para a estabilização".

Se os três fatores elencados acima são realmente promissores, a boa notícia é que medidas vinham sendo adotadas para combater a jabuticaba do juro alto. Espero que continuem a ser. A lei do teto de gasto e a necessária reforma da Previdênciadeveriam dar conta de manter o primeiro fator sob controle. A criação da Taxa de Longo Prazo (TLP), cujos objetivos incluem o aumento da potência da política monetária, estaria relacionada ao segundo fator. Já as reformas microeconômicas, como a revisão das políticas de conteúdo local, as medidas para reduzir a burocracia e o custo de se fazer negócios no Brasil, deveriam atacar o terceiro fator. Em especial, merece destaque a revisão da Lei de Falências e de Recuperação Judicial, que tem o potencial de simultaneamente aumentar a potência da política monetária e a eficiência da economia.

Obviamente, é sempre possível discordar de alguns elementos das medidas em curso. Isso faz parte do jogo democrático e intelectual. Mas, se é verdade que o juro alto representa o maior desafio da economia brasileira desde o Plano Real, não há como negar que a aposta atual é válida. Ressalvadas as oscilações decorrentes do cenário político nos últimos dias, o juro vinha caindo de forma cíclica. As medidas são para que desçam a ladeira de forma estrutural.

 

Ricardo de Menezes Barboza é mestre em macroeconomia pela PUC-Rio, Mestre em Economia pela UFRJ e membro do Grupo de Conjuntura Econômica do IE/Coppead-UFRJ.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4263, 26/05/2017. Opinião, p. A14.