A crise continua

Eliane Cantanhêde

19/05/2017

 

 

As delações de Joesley e Wesley Batista que serão divulgadas hoje pelo Supremo Tribunal Federal jogam Lula, Dilma, Renan, Serra e novos personagens no lamaçal da JBS. Não é só o presidente Michel Temer que parece estar afundando, é todo o mundo político.

Quem teve acesso diz que os valores são estonteantes e a intimidade dos irmãos com os políticos é nauseante.

A Odebrecht vai ficar com ciúme...

E isso tudo, evidentemente, dificulta uma solução para a maior crise de que se tem notícia.

Antes de mais nada, é preciso ressalvar que as gravações divulgadas ontem à noite são demolidoras para Aécio Neves, mas parecem menos comprometedoras para Temer. Primeiro, Joesley diz que tem mantido relações com Eduardo Cunha e Temer diz que deve manter, sim.

Só depois o empresário fala nas mesadas.

É diferente da versão original de que Temer teria estimulado o pagamento das mesadas.

De qualquer forma, com PT, PSDB e PMDB mais sujos do que pau de galinheiro, além de Lula, Dilma, Aécio, Serra, Renan e, claro, Temer politicamente estropiados, as saídas para essa crise monumental parecem bloqueadas. Como fazer eleição direta, se a Constituição não prevê e se o líder nas pesquisas é réu cinco vezes e projeta mais crises? E como fazer indireta, se a legitimidade do Congresso é questionada? Assim, caso Temer não se segure, as discussões caminham para a solução constitucional da eleição pela Câmara e Senado, mas com uma peculiaridade (ou hedge): os nomes aventados não são de deputados e senadores, mas de grandes juristas, como Cármen Lúcia e Nelson Jobim, ou de economistas, como Henrique Meirelles.

O País, porém, não lucraria se Cármen Lúcia trocasse a toga pela vestimenta política para disputar a eleição indireta para presidente da República. O melhor para a estabilidade (e para a própria ministra) é ela se manter na presidência do Supremo, garantindo a Constituição, a legalidade, as instituições.

Quanto a Jobim, que se reuniu ontem com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ele teria duas grandes vantagens.

Uma é que, além de jurista, é também político. Foi presidente do STF e deputado federal, inclusive na Constituinte de 1988. Outra é que foi ministro de FHC (Justiça) e de Lula (Defesa) e tem sólidos contatos no PSDB e no PT.

Mas será que Jobim, aos 71 anos, advogado muito bem-sucedido, aceita sair da zona de conforto e ir para o front numa guerra na qual, diferentemente do que se costuma dizer, entre mortos e feridos, ninguém se salva? O que o empurraria? Sensação de dever, vaidade, desafio? Quanto a Meirelles, seu grande sonho é ser presidente do Brasil e talvez sua chance seja justamente numa eleição indireta, num grande acordo político. E ele, além de ministro de Temer, foi também presidente do BC de Lula. Mas prevalece que o melhor para estancar a crise econômica é mantê-lo na Fazenda. Assim como Cármen Lúcia é guardiã da Constituição, Meirelles é da retomada da economia e das reformas.

Um presidente só cai quando tudo está armado para o sucessor assumir e tocar o bonde. Fernando Collor só desabou depois que não só o Congresso, mas OAB, ABI, CNBB, Fiesp, Forças Armadas e academia endossaram o vice Itamar Franco. E Dilma enfrentou um longo processo de impeachment enquanto as forças políticas construíam a governabilidade para Temer.

Assim, o momento mais dramático para Temer foi a quarta-feira. Ontem, a certeza generalizada de que ele não tem mais condições de governabilidade foi salpicada com as dúvidas entre a versão da gravação e a gravação em si e também sobre o que acontece a partir de uma queda dele.

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Presidente consegue conter debandada

Isabela Bonfim e Igor Gadelha

19/05/2017

 

 

Partidos da base vão avaliar áudios de delação da JBS para tomar decisão; Roberto Freire (PPS) entrega comando do Ministério da Cultura

O presidente Michel Temer conseguiu conter, ao menos no primeiro momento após virem à tona as delações da JBS, uma debandada da base aliada. Para ganhar tempo, os principais partidos condicionaram a saída do governo à uma avaliação do conteúdo do áudio gravado pelo empresário Joesley Batista.

O discurso adotado durante o dia de ontem foi de que era preciso conhecer a conversa na íntegra do áudio, divulgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) à noite, para então tomar uma decisão. Antes da divulgação da gravação, porém, diversos partidos emitiram notas reafirmando o apoio ao governo do peemedebista.

Por enquanto, apenas o PPS e o Podemos (antigo PTN) anunciaram oficialmente o rompimento com o Palácio do Planalto.

No PPS, Roberto Freire deixou o Ministério da Cultura, mas o seu colega Raul Jungmann optou por permanecer à frente do Ministério da Defesa.

Principal aliado do governo, o PSDB rachou e deu diversos sinais durante o dia de que iria desembarcar da base aliada de Temer. Deputados tucanos chegaram a protocolar um pedido de impeachment contra o peemedebista na Câmara. Dois dos quatro ministros do partido – Aloysio Nunes (Relações Exteriores) e Bruno Araújo (Cidades) – teriam até elaborado suas cartas de demissão.

A cúpula do partido, no entanto, atuou para que os ministros permanecessem nos cargos. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que assumiu a presidência do partido após o afastamento do senador Aécio Neves (MG), foi o responsável pela articulação.

Segundo o líder do PSDB no Senado, Paulo Bauer (PSDBSC), o partido preferiu não tomar uma decisão antes de esclarecer os fatos com Temer. “O PSDB não tem costume de abandonar o barco apenas por notícias ruins”, afirmou.

O presidente do DEM, senador Agripino Maia (RN), disse que a ideia é que os principais partidos da base decidam juntos se vão ou não deixar o governo.

“Nós temos de agir com parcimônia e com responsabilidade, observando o interesse do País, sem descuidar das acusações e dos fatos, que são graves”, disse.

De acordo com ele, Temer demonstrou confiança no pronunciamento que fez na tarde de ontem.

“O pronunciamento foi forte, ele estava muito convencido de que não vão pegá-lo, que ele tem defesa para as acusações”, afirmou o senador.

Parte dos democratas afirmou ainda que a situação do partido é mais “delicada” pelo fato de o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ser o primeiro na linha sucessória e terá de assumir a Presidência caso Temer seja afastado. Segundo eles, qualquer movimento, neste momento, poderia ser interpretado como oportunismo.

‘Normalidade’. Antes de os áudios da conversa entre Temer e Joesley serem divulgados pela imprensa, diversos partidos reafirmaram apoio ao governo. Em nota, o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), afirmou esperar o “rápido esclarecimento dos fatos por parte da Justiça, para que o País volte o mais breve possível à normalidade”.

Também em nota, o PR afirmou que reitera a sua “confiança no trabalho” de Temer e que não baseava a sua permanência no governo em notícias de investigações em curso.

O líder do PTB na Câmara, Jovair Arantes (GO), disse que era preciso levar em consideração “os efeitos negativos de uma ruptura institucional no momento em que a economia do País começa a se recuperar”.

Já o líder do PSD na Câmara, o deputado Marcos Montes (MG), afirmou que o partido vai se reunir na próxima segunda- feira para tomar uma decisão.

“Estamos na fase das especulações, precisamos das provas”, afirmou. Ele, no entanto, admitiu que as denúncias contra Temer põem em xeque a governabilidade e adiam a aprovação das reformas.

De saída. Roberto Freire (PPS) deixa a Cultura, mas colega Raul Jungmann fica na Defesa

Responsabilidade

“O PSDB não tem costume de abandonar o barco apenas por notícias ruins.”

Paulo Bauer (SC)

LÍDER DO PSDB NO SENADO

“Nós temos de agir com responsabilidade.”

Agripino Maia (RN)

SENADOR E PRESIDENTE DO DEM

A ÍNTEGRA DO PRONUNCIAMENTO

Olha, ao cumprimentá- los, eu quero fazer uma declaração à imprensa brasileira e uma declaração ao País. E, desde logo, ressalto que só falo agora – os fatos se deram ontem – porque eu tentei conhecer, primeiramente, o conteúdo de gravações que me citam. Solicitei, aliás, oficialmente, ao Supremo Tribunal Federal, acesso a esses documentos. Mas até o momento não o consegui. Quero deixar muito claro, dizendo que o meu governo viveu, nesta semana, seu melhor e seu pior momento. Os indicadores de queda da inflação, os números de retorno ao crescimento da economia e os dados de geração de empregos criaram esperança de dias melhores.

Índices O IBC-BR, prévia do PIB, apontou crescimento de 1,12% no 1º trimestre. Já o Caged mostrou a criação de quase 60 mil vagas em abril.

O otimismo retornava e as reformas avançavam no Congresso.

Ontem, contudo, a revelação de conversa gravada clandestinamente trouxe de volta o fantasma de crise política de proporção ainda não dimensionada.

Portanto, todo um imenso esforço de retirar o País de sua maior recessão pode se tornar inútil. E nós não podemos jogar no lixo da história tanto trabalho feito em prol do País. Houve, realmente, o relato de um empresário que, por ter relações com um ex-deputado, auxiliava a família do ex-parlamentar.

Não solicitei que isso acontecesse.

E somente tive conhecimento desse fato nessa conversa pedida pelo empresário.

Repito e ressalto: em nenhum momento autorizei que pagassem a quem quer que seja para ficar calado. Não comprei o silêncio de ninguém.

Por uma razão singelíssima: exata e precisamente porque não temo nenhuma delação, não preciso de cargo público nem de foro especial. Nada tenho a esconder, sempre honrei meu nome, na universidade, na vida pública, na vida profissional, nos meus escritos, nos meus trabalhos. E nunca autorizei, por isso mesmo, que utilizassem o meu nome indevidamente.

Foro Como presidente, Temer tem o chamado foro especial por prerrogativa de função. Apenas o STF pode analisar ações contra ele.

E por isso quero registrar enfaticamente: a investigação pedida pelo Supremo Tribunal Federal será território onde surgirão todas as explicações.

E, no Supremo, demonstrarei não ter nenhum envolvimento com esses fatos.

Não renunciarei, repito, não renunciarei! Sei o que fiz e sei da correção dos meus atos. Exijo investigação plena e muito rápida, para os esclarecimentos ao povo brasileiro. Esta situação de dubiedade ou de dúvida não pode persistir por muito tempo. Se foram rápidas nas gravações clandestinas, não podem tardar nas investigações e na solução respeitantemente a estas investigações.

Tanto esforço e dificuldades superadas, meu único compromisso, meus senhores e minhas senhoras, é com o Brasil.

E é só este compromisso que me guiará. Muito obrigado.

Muito boa tarde a todos.

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Temer tenta adiar desfecho e renúncia pode ser inevitável 

Vera Magalhães

19/05/2017

 

 

O pronunciamento do presidente Michel Temer foi uma tentativa de ganhar tempo, mas o tom taxativo que ele tentou empregar à fala não eliminou a falta de sustentação política instantânea que atingiu o governo depois da revelação das primeiras informações das delações de Joesley Batista e demais colaboradores do grupo JBS.

Temer apostou na divulgação dos áudios da conversa gravada por Joesley com ele para tentar negar que tenha avalizado o pagamento de mesada a Eduardo Cunha ou indicado o deputado e ex-assessor Rodrigo Rocha Loures como intermediário para a negociação de interesses da holding mediante pagamento de propina.

De fato, a transcrição do áudio é menos literal do que o divulgado inicialmente quanto ao suposto aval de Temer ao pagamento para calar Cunha mesmo depois de preso.

A frase de Temer – “Tem de manter isso, viu?” – é dita depois de Joesley relatar que está se “dando bem” com Cunha. A má qualidade da gravação não permite afirmar com certeza que Temer sabia que se tratava de pagamento. A falta de um vídeo impede saber se houve algum gesto indicando pagamento e uma frase do peemedebista é inaudível.

Ainda assim, o conjunto da conversa é gravíssimo e avassalador para o presidente.

Ele ouve o empresário relatar crimes em série, como o pagamento de propina a um procurador da República para obstruir investigações, ou o “controle” de dois juízes com o mesmo fim, e nem sequer o admoesta.

Também não toma providências posteriores.

No mínimo, cometeu o crime de prevaricação.

Há que se analisar, ainda, o resto do conjunto probatório de posse do STF, no qual se baseou o ministro Edson Fachin para deferir a abertura de inquérito contra o presidente.

O flagrante de recebimento de propina por Rodrigo Rocha Loures depois de ter sido designado por Temer como interlocutor é igualmente letal para o presidente.

Temer adiou a renúncia, mas os desdobramentos da delação podem torná-la inexorável em poucas horas. Ele até pode refutar a literalidade das gravações, mas o derretimento político do governo não depende mais disso.

 

O Estado de São Paulo, n. 45139, 19/05/2017. Política, p. A6