Joesley contou a Temer plano para conter apurações

Beatriz Bulla, Fábio Fabrini, Fábio Serapião e Breno Pires

19/05/2017

 

 

GOVERNO SOB INVESTIGAÇÃO / Ministro do STF divulga gravação da conversa entre Joesley e Temer; empresário indica ações contra investigações; há trechos inaudíveis

O Supremo Tribunal Federal divulgou ontem o áudio da conversa entre o presidente Michel Temer e o empresário Joesley Batista, da JBS, que embasa o acordo de delação premiada fechado pelo empresário com a Procuradoria-Geral da República na Lava Jato.

Na conversa, Joesley relata iniciativas tomadas para contornar investigações contra ele. Entre elas, o empresário revelou ao presidente que estava “comprando” um procurador por R$ 50 mil mensais. Em troca, o procurador infiltrado teria passado informações sigilosas sobre investigação da qual Joesley é alvo.

O procurador da República Ângelo Goulart Villela foi preso ontem sob suspeita de vazar investigações para a JBS. Villela era membro da força-tarefa da Operação Greenfield, que investiga rombo bilionário nos maiores fundos de pensão do País.

Durante a conversa, o empresário disse a Temer “estar enrolado”. “No processo assim, é investigado, eu não tenho ainda a denúncia. Aqui eu dei conta de um lado o juiz, dei uma segurada, de outro lado o juiz substituto”.

“Tá segurando os dois?”, perguntou Temer. “Segurando os dois”, respondeu o empresário. “Ótimo, ótimo”, respondeu o presidente. A conversa ocorreu no dia 7 de março deste ano, no Palácio do Jaburu, residência oficial da Vice-Presidênica, onde Temer mora. O encontro, tarde da noite, não constava da agenda oficial do presidente.

Cunha. Em outro trecho da conversa, Joesley diz que está “de bem” com o ex-deputado presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ). “Tem que manter isso, viu?”, responde o presidente da República. Antes de citar que está em bom relacionamento com o deputado cassado, Joesley relata já ter sido cobrado pelo ex-parlamentar.

“Dentro do possível, eu, o máximo que deu ali, zerei tudo, o que tinha de alguma pendência daqui para ali, zerou tudo. E ele foi firme em cima. Ele já estava...Veio, cobrou, tal, tal, tal. E eu pronto, acelerei o passo e tirei da frente”, disse o empresário ao presidente. Na conversa Joesley afirma que “volta e meia” algo das investigações envolvendo Cunha chegavam perto da JBS e fala: “Eu tô de bem com o Eduardo”. Depois de ouvir de Temer a indicação para “manter” a iniciativa, Joesley Batista fala “todo mês”.

Inconclusivo. Parte da conversa nesse trecho é inaudível e não é possível concluir que houve o aval do presidente para comprar o silêncio do deputado cassado. Não houve uma transcrição oficial do diálogo pelo Supremo Tribunal Federal.

Para o procuradora regional Silvana Batini, apesar de o áudio mostrar conversas comprometedoras, é prematuro tirar conclusões sobre eventuais crimes cometidos pelo presidente. “Tem coisas graves, mas do ponto de vista criminal, ainda não dá para tirar conclusões. A análise está com o procuradorgeral da República, que fará a analise final para dar um veredicto”, afirmou. A advogada criminalista Carla Rahal avaliou que a gravação pode servir como prova, mas ressalvou: “Ela tem que ter uma inequívoca probabilidade de que a pessoa participou de uma infração penal.”/ COLABORARAM LUCAS BALDEZ, VITOR LABAKI e GILBERTO AMENDOLA

Evento. À esquerda, de perfil, Wesley Batista; no centro, Michel Temer, e à direita, Joesley Batista, em inauguração de fábrica do Grupo J&F, em 2012

TRECHOS DA CONVERSA

● Diálogo foi gravado pelo empresário Joesley Batista, no dia 7 de março deste ano, durante encontro com o presidente Michel Temer no Palácio do Jaburu

RELAÇÃO COM CUNHA

JOESLEY BATISTA – Queria te ouvir um pouco também... Como é que o senhor está com essa situação toda aí, do Eduardo (Cunha)…não sei quê...?

MICHEL TEMER – O Eduardo resolveu me fustigar. Você viu que...(inaudível)

JOESLEY – Eu não sei, como é que tá essa relação?

TEMER – Moro indeferiu 21 perguntas dele que não tinha nada a ver com a defesa dele. É pra amedrontar (inaudível) no Supremo Tribunal Federal.

Ação - Preso em Curitiba, Cunha enviou perguntas a Temer que citavam reunião em seu escritório, em São Paulo

JOESLEY – Eu queria falar assim. Dentro do possível, eu, o máximo que deu ali zerei tudo, o que tinha de alguma pendência daqui para ali, zerou tudo. E ele foi firme em cima. Ele já estava...Veio, cobrou, tal, tal, tal. E eu pronto, acelerei o passo e tirei da frente. (...) O companheiro dele que está aqui… O Geddel (Vieira Lima, ex-ministro de Temer) sempre estava...( inaudível). Mas o Geddel, eu perdi o contato, porque ele está investigado e não posso encontrar ele.

TEMER – É complicado, é complicado.

JOESLEY – O negócio dos vazamentos. O telefone lá do Eduardo, do Geddel. Volta e meia citava alguma coisa meio tangenciando a nós. Eu tô lá me defendendo. O que eu dei conta de fazer até agora? Eu tô de bem com o Eduardo.

TEMER – Tem que manter isso, viu?

JOESLEY – Todo mês, também.

(...) PLANO CONTRA INVESTIGAÇÃO

JOESLEY – Eu tô segurando as pontas. Tô indo. Eu tô meio enrolado aqui né. No processo assim, é, investigado, eu não tenho ainda a denúncia. Aqui eu dei conta de um lado o juiz, dei uma segurada, de outro lado o juiz substituto.

TEMER – Tá segurando os dois?

JOESLEY – Segurando os dois. Eu consegui um procurador dentro da força tarefa, que também tá me dando informação e eu lá que eu tô pra dar conta de trocar o procurador que tá atrás de mim. Se eu der conta...tem o lado bom e o lado ruim. O lado bom é que dá uma esfriada até o outro chegar e tal e o lado ruim é que se vem um cara com raiva ou com não sei o que...

Prisão - O procurador da República Ângelo Goulart foi preso ontem na Operação Patmos

TEMER – (inaudível)

JOESLEY – Não, o que está me ajudando tá bom. (...) Eu consegui colar um no grupo. Agora eu tô tentando trocar…

JOESLEY: Eu tô fazendo um, 50 mil por mês, pro rapaz me dar essa  informação. (inaudível)

(em outro trecho, Joesley detalha o pagamento ao procurador )

JOESLEY – O bravo é... enfim, vamos lá. Eu queria falar sobre isso, falar como é que é que.. para eu vir falar contigo, qual é a melhor maneira. Porque eu vinha falar na verdade era o Geddel... Eu não vou lhe incomodar, evidente.

TEMER – (inaudível)

JOESLEY – Eu sei disso, por isso é que…

TEMER – (inaudível)

JOESLEY – É o Rodrigo (Loures, deputado federal e ex-assessor de Temer)? Ah então ótimo

TEMER – (inaudível) É da minha mais estrita confiança.

JOESLEY – Eu prefiro combinar assim, se for alguma coisa que eu precisar, tal, tal eu falo com Rodrigo. Se for algum assunto desse tipo aí... Funcionou super bem à noite, 23h, 0h, 22h30. Venho aqui. Converso uns 10 minutinhos, meia horinha, vou embora.

 

O Estado de São Paulo, n. 45139, 19/05/2017. Política, p. A8