MARLEN COUTO
25/12/2016
Por: MARLEN COUTO
MARLEN COUTO
marlen.couto@oglobo.com.br
Com a virada de ano, os astros podem até indicar mudanças, mas é certo que a crise política que prolongou 2016 não deve chegar ao fim à meia noite de 31 de dezembro. Na avaliação de cientistas políticos ouvidos pelo GLOBO, os impasses que abalaram até aqui os bastidores do poder em Brasília devem continuar a integrar a lista de desafios que o presidente Michel Temer terá de enfrentar em 2017. O desgaste com o avanço das investigações da Operação Lava-Jato e a tentativa de aprovar, no Congresso, medidas contra a crise econômica darão o tom das articulações governistas.
— 2017 vai ser 2016, em parte. Talvez não termine nem em 2017. A agenda governamental é a mesma. O desafio do governo Temer é a rigor o mesmo que Dilma Rousseff enfrentou, antes do impeachment: a corrupção e a crise econômica — diz o cientista político Júlio Aurélio, da Fundação Casa de Rui Barbosa.
Outro fator que deve mobilizar de imediato o governo em 2017 é a crise fiscal que afeta parte dos estados. O pesquisador da Universidade de Brasília ( UnB) Antonio Testa destaca que o início do ano para Temer será politicamente e administrativamente tenso:
— Temer terá muita dificuldade logo no início do ano, após a posse dos novos prefeitos. A União está falida, e os maiores municípios têm problemas sérios do ponto de vista econômico. A crise nos estados, começando pelo Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás pode criar instabilidade e gerar insatisfação — lembra o pesquisador da UnB.
Se as investigações que atingem o peemedebista enfraquecem seu governo e ameaçam travar o avanço de futuras reformas, o sucesso em uma agenda positiva que alivie a recessão na economia poderá legitimá- lo, analisa Cláudio Couto, da FGV-SP. Para o cientista político, o árduo caminho a ser trilhado por Temer no ano que vem tem uma via de mão dupla.
— Ao mesmo tempo que a Lava-Jato provoca fragilidades, o sucesso na agenda econômica pode dar a Temer força para enfrentar possíveis dificuldades judiciais. O governo pode ser visto como necessário — conclui Couto.
Apesar de declarar em recentes entrevistas que não está preocupado com sua baixa popularidade, segundo os analistas, a imagem negativa de Temer pode ser um complicador durante a votação de pautas importantes na Câmara e no Senado. Pesquisa Ibope da semana passada mostrou que a reprovação ao governo subiu sete pontos percentuais desde setembro deste ano e saltou de 39% para 46%.
O cientista político Felipe Borba, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), ressalta que, embora a popularidade em queda não seja um problema para a carreira política de Temer, já que o presidente não deverá disputar a reeleição em 2018, sua baixa aprovação pode levar ao afastamento de partidos aliados preocupados com uma possível rejeição nas urnas já na próxima disputa presidencial, especialmente a cúpula tucana.
— A baixa popularidade pode ser um problema, porque os partidos podem não querer se contaminar e sair do governo. Pode ser um empecilho para a governabilidade, principalmente quando se aproximar de 2018 — destaca Borba.
1 ELEIÇÃO DE ALIADOS PARA O COMANDO DO CONGRESSO
Logo no início do ano, Temer terá de lidar com a escolha dos sucessores de Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Renan Calheiros (PMDB-RN) para as presidências da Câmara e do Senado. Caberá ao governo eleger parceiros confiáveis, sem criar divisões na sua base. Parte da governabilidade de Temer dependerá de quem ocupar esses cargos. — Por mais que negue, Temer agirá para eleger os próximos presidentes — diz Felipe Borba, cientista político da UniRio. Um racha com os presidentes do Legislativo pode custar caro, como foi o embate entre Dilma Rousseff e o ex-deputado Eduardo Cunha, preso em Curitiba. Eleito para um mandato-tampão após a queda de Cunha, Maia já se mobiliza para disputar a reeleição. A seu favor, pesa um parecer favorável a sua candidatura, assinado pelo deputado Rubens Pereira (PCdoB-MA), relator de uma consulta feita à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Contra, a pressão de pré-candidatos do centrão e de alguns tucanos, o que poderá gerar dor de cabeça ao Planalto.
2 COESÃO DA BASE E APOIO DOS TUCANOS
A união da base que vem votando no Congresso a favor de temas que interessam ao governo é um dos principais desafios de Temer. O apoio da base será fundamental para o governo aprovar medidas impopulares, como a reforma da Previdência e a trabalhista. Para Borba, Temer precisará fazer um rearranjo ministerial, que contemple mais espaço para o PSDB: — Se deputados perceberem que estar com Temer pode causar dano, sua base pode se dissolver, especialmente em relação ao PSDB, que tem chances na disputa pela Presidência em 2018 e pode vir a se contaminar. Um desafio é manter o PSDB no governo, ampliando seu espaço, com novos cargos — afirma o professor da UniRio. Cláudio Couto, da FGV-SP, por outro lado, não vê margem para o afastamento tucano. — Eles têm ministros e a agenda governamental é tucana. Talvez seja conveniente o Temer fazer as reformas, mas para fazer é preciso que seu governo tenha sustentação — conclui o cientista político.
3 TURBULÊNCIAS COM A OPERAÇÃO LAVA-JATO
O julgamento da ação que pede a cassação da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) manterá o governo acuado e pode gerar incerteza ao longo do ano, inclusive para a concretização das reformas para a recuperação da economia, avaliam os analistas. O presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, já admitiu que o julgamento pode não acontecer no primeiro semestre, caso as delações das Odebrecht abram novas frentes de investigação, e Temer já avisou que, em caso de cassação, irá recorrer. — É um espectro que paira sobre o governo. Pelo andar da carruagem, o curso estabelecido pelo TSE, se houver cassação, leva a uma eleição parlamentar em 2017, o que pode abrir uma nova crise. Isso gera mais incertezas que o impeachment, porque a gente já tinha uma experiência anterior com o Collor — diz Júlio Aurélio. Atonio Testa ressalta a natureza política que o julgamento pelo TSE poderá adotar: — Se a economia não reagir, ele pode ser cassado.
5 MEDIDAS CONTRA A CRISE ECONÔMICA
No horizonte, especialmente as propostas de reformas da Previdência e a trabalhista, defendidas pelo governo, enfrentarão resistência e podem desencadear protestos nas ruas. — Toda agenda impopular tende a gerar reação na sociedade. Sem dúvida, vai mobilizar principalmente aqueles que já são de oposição, a esquerda de forma geral, o movimento sindical. É provável que tenhamos manifestações de rua — acrescenta Cláudio Couto. Para Testa, da UnB, uma possível saída para o presidente é manter medidas econômicas que tenham “ressonância popular”, como o recente anúncio de liberação de saques do FGTS. Outra necessidade é melhorar a comunicação com a sociedade, esclarecendo as mudanças propostas pelo governo. — O governo Temer é tão ruim de comunicação quanto Dilma e Lula no primeiro mandato. É preciso se comunicar com a população, como ocorreu no Plano Real. Temer corre contra o tempo. E a ampulheta já estava na metade quando assumiu.
O globo, n.30456 , 25/12/2016. PAÍS, p. 6