Confusão marca 'teste' do governo na agenda de reformas

Isabela Bonfim, Julia Lindner e Vera Rosa

24/05/2017

 

 

Sessão em que seria lido o parecer da reforma trabalhista teve tentativa de obstrução da oposição e confronto entre senadores

Prevaleceu o caos no primeiro teste do governo para tentar mostrar normalidade na agenda de reformas mesmo com a crise política. Em uma sessão que culminou na quase agressão física entre dois senadores, a oposição marcou posição com a ajuda de alguns governistas e o relator da reforma trabalhista, Ricardo Ferraço (PSDB-ES), precisou atropelar o roteiro previsto para avançar com o projeto. Mesmo sem ter apresentado o parecer na sessão, o tucano deu o texto como lido e, assim, a tramitação segue na Casa.

A sessão de ontem da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado foi uma amostra da dificuldade que o governo pode enfrentar no esforço de reorganização da base aliada após a delação de Joesley Batista, controlador da JBS, envolvendo o presidente Michel Temer. Logo no primeiro minuto da sessão, parlamentares da oposição tentaram obstruir os trabalhos com o argumento de que era necessário aprofundar a análise do tema.

A estratégia foi mantida durante toda a sessão sobre a reforma e contou até com falas favoráveis de ex-aliados, como o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL).

Com o fim do debate, a confusão foi instalada após a votação de um recurso do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). O requerimento questionava a não apresentação antecipada do parecer de Ricardo Ferraço, como prevê o regimento. O pedido foi derrotado por pequena margem: 13 votos a 11. Com o recurso rejeitado, o relator da reforma trabalhista sentouse à mesa para iniciar a leitura do documento.

A presença do tucano foi suficiente para iniciar uma confusão generalizada. Senadores da oposição gritavam contra a presença de Ferraço na mesa e manifestantes o chamavam de “golpista”. A temperatura subiu rapidamente. Parlamentares começaram a discutir entre si enquanto os presentes gritavam “Fora, Temer” e “Jucá na cadeia”. O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDBRR), mostrava-se impassível.

No meio do tumulto, Randolfe Rodrigues virou-se para o colega Ataídes Oliveira (PSDBTO) e gritou: “Vocês estão sustentando um governo corrupto, mas nós não vamos aceitar isso”. Visivelmente irritado, Ataídes partiu para o ataque.

“Você é bandido e vagabundo”, respondeu o tucano. Randolfe reagiu, usando os mesmos termos.

“Vou te pegar lá fora, moleque, vagabundo!”, devolveu Ataídes. Os senadores ameaçaram partir para a agressão física e tiveram de ser contidos por colegas.

Quando o clima acalmou, o presidente da CAE, Tasso Jereissati (PSDB-CE), tentou reabrir a sessão, mas a oposição agiu novamente para impedir a retomada dos trabalhos e um novo tumulto se instalou.

Assim, foi abortada a leitura do parecer da reforma. Em volta da mesa da presidência e fora dos microfones, o relator Ricardo Ferraço declarou o relatório como “lido” e foi concedida vista coletiva por uma semana para que o texto seja avaliado pelos senadores.

Avanço. O documento, de 74 páginas, confirma a estratégia de avançar com o texto no Senado sem alterar o projeto aprovado na Câmara – o que exigiria aprovação dos deputados e atrasaria a tramitação. Para incluir as alterações dos senadores, o parecer sugere ajustes com veto presidencial e edição de eventuais medidas provisórias.

Entre as alterações, Ferraço sugere veto à regra que prevê o contrato de trabalho intermitente e pede edição de uma medida provisória com salvaguardas ao trabalhador e regulamentação de setores que poderão usar esse tipo de contrato.

Sobre o trabalho insalubre, o relatório pede veto à mudança que permitiria trabalho de gestantes e lactantes em locais com insalubridade “moderada” ou “mínima”.

Bate-boca. Presidente da CAE, Tasso Jereissati (PSDB-CE) teve de suspender a reunião

PONTOS MODIFICADOS NO PROJETO DA REFORMA

Trabalho insalubre

Relatório pede veto à mudança que permitiria trabalho de gestantes e lactantes em locais com insalubridade “moderada” ou “mínima”

Hora extra

Parecer é contrário à revogação da regra que prevê 15 minutos de intervalo para mulheres antes da hora extra

12 x 36 horas

Texto prevê que jornada de 12 horas com folga de 36 horas só poderá ser negociada coletivamente. Acordo individual não poderá tratar do tema

Contrato intermitente

Relatório sugere veto e medida provisória com salvaguardas e delimitação de setores que poderão usar esse tipo de contrato

Representante na empresa

Parecer é favorável à criação da figura do representante dos empregados na empresa, mas pede melhor regulamentação

Almoço de 30 minutos

Para evitar precarização das condições de trabalho, texto sugere veto e futura regulamentação por medida provisória

 

O Estado de São Paulo, n. 45144, 24/05/2017. Economia, p. B4