Título: Chamado à violência
Autor: Vicentin, Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 11/01/2012, Mundo, p. 16

Oposição critica discurso de Bashar Al-Assad e acusa o regime de pregar a divisão religiosa. Ditador promete agir com "punhos de ferro" contra "terroristas", denuncia complô externo e anuncia referendo sobre a Constituição para março. Analistas veem risco de guerra civil

A voz do autoritarismo ecoou, desafiadora, pela rede de tevê estatal síria, na manhã de ontem. Em um discurso ameaçador — o quarto desde o início dos protestos no país, em março de 2011 —, o ditador Bashar Al-Assad negou que as forças de segurança estejam reprimindo os rebeldes. Ele acusou organizações estrangeiras de estarem tentando desestabilizar o governo e prometeu controlar os atos de "terrorismo" com "punhos de ferro". A oposição reagiu com indignação e advertiu que as palavras do presidente incitarão novos atos de violência. Mais de 5 mil pessoas morreram devido aos conflitos,400 delas após a chegada da comissão de observadores internacionais da Liga Árabe (veja a arte).

Durante 45 minutos, Al-Assad exaltou sua posição como líder da Síria e denunciou um complô para derrubá-lo do poder. "Nossa prioridade é reconquistar a segurança, da qual gozamos por décadas, e isso só pode ser alcançado atingindo os terroristas, com punhos de ferro", apontou. "Não seremos lenientes com aqueles que trabalham com estranhos contra o país", ressaltou, em referência a uma acusação de que potências estrangeiras financiariam grupos rebeldes. Somente na segunda-feira, foram registradas 449 manifestações contrárias ao regime, de acordo com o Observatório Sírio de Direitos Humanos.

"Isso significa que a maioria das pessoas quer ver Al-Assad fora do poder. Ele tem apoio, sim, mas, basicamente, dos funcionários das forças de segurança, que contam com um efetivo de 300 mil pessoas", disse ao Correio Mousab Azzawi, dissidente sírio radicado em Londres e coordenador do observatório. O pronunciamento do ditador foi transmitido a partir do auditório da Universidade de Damasco, lotado de aliados do regime. "Governo com a vontade do povo e, se renunciar ao poder, também será pela vontade do povo", bradou o presidente, ante seus correligionários. Al-Assad prometeu que fará um referendo para a elaboração de uma nova Constituição, em março.

Ao ouvir o discurso, a oposição afirmou que o ditador está incitando a violência, tanto por parte das forças de segurança como dos rebeldes. "Também há palavras sobre a divisão religiosa que o próprio regime fomentou e estimulou", disse Basma Qodmani, do Conselho Nacional Sírio (CNS), órgão que reúne a maioria das correntes contrárias ao governo. "Isso indica que o regime segue para um comportamento ainda mais criminoso e irresponsável", acusou. A Liga Árabe também condenou os recentes atos de violência. Ontem, o governo do Kuweit relatou que dois observadores enviados pelo país ficaram feridos durante uma operação das forças de segurança sírias.

Repressão A fala do ditador se segue a um recrudescimento da punição aos manifestantes contrários ao regime. Um jovem morador de Damasco contou ao Correio que, nas últimas semanas, o número de protestos aumentou, por conta da sensação de segurança que a presença da Liga Árabe deveria trazer. Segundo o rapaz de 23 anos, pelo menos cinco organizações saem às ruas diariamente; antes, cada protesto mobilizava uma única entidade. "As forças de segurança endureceram a repressão na última semana. Há pontos de inspeção militar em vários lugares e os militares checam a sua identidade em uma lista de nomes suspeitos", relatou. Para o jovem, o discurso de Al-Assad desrespeitou a Liga Árabe e os países da região.

"O presidente desafia a liga, faz de tudo para isolar a Síria, passa a ideia de que o país tem um espírito árabe mais verdadeiro do que a própria organização", analisa Mona Yacoubian, diretora do Projeto Oriente Médio no Stimson Center, uma instituição de consultoria baseada em Washington. Mona acredita que Al-Assad esteja dissimulando os acontecimentos em território sírio. "Ele parece estar completamente inconsciente sobre as mudanças significativas que ocorrem dentro do país e em todo o mundo árabe", disse a especialista à reportagem.

Caso as loucuras de Al-Assad não sejam contidas, analistas temem que a Síria entre em uma violenta guerra civil.

Além do derramamento de sangue, o conflito poderia causar uma grande turbulência regional. Turquia e Jordânia seriam os maiores afetados, pois são os principais destinos para os refugiados. O Iraque, que vive uma situação delicada após a retirada das tropas norte-americanas, também sofreria graves consequências. "Os efeitos de um conflito desse tipo seriam imensos e ultrapassariam as fronteiras sírias", alerta Mona.

Pronto para a batalha O chefe do Estado-Maior de Israel, Benny Gantz, disse que seu país está preparado para oferecer asilo aos sírios em caso de uma guerra no país comandado por Bashar Al-Assad. Com um discurso otimista, Gantz afirmou acreditar que o ditador cairá em breve. "Al-Assad não pode continuar se agarrando ao poder, e sua queda provocará fendas no eixo radical", especulou, em referência à aliança da Síria com o Irã.

Primavera sem frutos A Anistia Internacional divulgou um relatório no qual aponta a falta de comprometimento dos governos árabes em relação às mudanças propostas pelos protestos populares. "Com raras exceções, os governos falharam em reconhecer que tudo mudou", escreve Philip Luther, diretor interino da Anistia para Oriente Médio e o norte da África. A organização não governamental cita o caso do Egito. Segundo ele, o Conselho Supremo das Forças Armadas (Scaf) — a junta militar que está no poder desde a queda de Hosni Mubarak — comete crimes ainda mais escabrosos do que o ex-ditador. O documento também afirma que a repressão deve continuar em todos os países da região ao longo deste ano.