Refis pode custar R$ 40,8 bi em arrecadação

MANOEL VENTURA

BÁRBARA NASCIMENTO

 RAMONA ORDOÑEZ

15/07/2017

 

 

Fisco vai recomendar veto ao texto, caso relator não exclua perdão de 99% de multas e juros das dívidas

A Receita calcula que perderá R$ 40 bilhões em arrecadação entre 2017 e 2020, caso seja aprovado o perdão de 99% dos encargos proposto pelo relator do novo parcelamento de dívidas (Refis). A Receita Federal calcula que haverá perda de R$ 40,8 bilhões em arrecadação entre 2017 e 2020 caso seja aprovado pelo Congresso o perdão de 99% de multas e encargos no novo programa de renegociação e parcelamento de dívidas, o Refis. Sem aval do governo, o item foi incluído na medida provisória (MP) que cria o programa pelo relator, deputado Newton Cardoso Jr. (PMDB-MG). O Fisco vai recomendar o veto à medida provisória (MP) sem mudanças nos termos, que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, classificou ontem de “prêmio ao mau pagador”. Pelas estimativas da Receita, com os novos termos do Refis, a arrecadação prevista para 2017 com o programa cairá de R$ 13,3 bilhões para R$ 500 milhões. Entre 2018 e 2020, o impacto passa a ser negativo. Isso porque os contribuintes deixarão outros parcelamentos em vigor para migrar para o novo formato, com mais benefícios. A estimativa é que as perdas sejam de R$ 7 bilhões em 2018, R$ 8 bilhões em 2019 e R$ 13 bilhões em 2020.

Ontem, Meirelles criticou o texto do novo Refis.

— O relatório, como aprovado ontem (quinta-feira), no momento, diminui bastante a arrecadação prevista com este programa. É importante que o projeto não seja tão generoso nem incentive as empresas a não pagarem impostos. Senão elas vão pensar em deixar de pagar para depois esperar o próximo programa, porque passa a ser mais negócio não pagar, premiando, portanto, o mau pagador — disse o ministro, que fez uma palestra na Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio. Aprovado na última quinta-feira pela comissão mista do Congresso encarregada de analisar a MP, o parecer do relator trouxe profundas mudanças no texto, que aumentam as vantagens para as empresas devedoras. O relatório também incluiu benefícios para igrejas, times de futebol e instituições de ensino superior. O texto ainda passará pelos plenários da Câmara e do Senado, que podem alterá-lo, antes de ser enviado à sanção do presidente Michel Temer.

 

BENEFÍCIO PARA IGREJAS

Essa é a segunda vez que Cardoso Jr. cria uma dor de cabeça para a equipe econômica. A MP foi editada após um acordo entre Meirelles e deputados, depois de a primeira MP do Refis, também relatada pelo peemedebista, ter sido alterada. Entre as mudanças, a comissão permitiu o parcelamento de dívidas fruto de multas por sonegação e de impostos retidos na fonte. Pelo texto aprovado, a empresa pode abater créditos decorrentes de prejuízos fiscais para a dívida, além de ser beneficiada com redução de multas e juros, para débitos de até R$ 150 milhões. Ou seja, foi elevado em dez vezes o valor limite para o benefício. Além disso, foi reduzido para 2,5% o valor da entrada que a empresa precisa pagar, para ter direito ao benefício. O relatório aprovado prevê redução de 99% nas multas e juros para pagamento à vista e 90% em ambos os encargos, no caso do parcelamento em 145 vezes. A MP original estabelecia que, após pagamento à vista de 20% da dívida, haveria redução dos juros em 90% e das multas em 50%, se o restante fosse quitado em janeiro; ou de 80% e 40%, respectivamente, se parcelado em 145 vezes. Para dívidas inferiores a R$ 15 milhões, o valor da entrada seria reduzido para 7,5%, e a empresa poderia, cumulativamente, abater créditos fiscais. Com pressão da bancada evangélica do Congresso, o relatório do peemedebista incluiu o perdão das dívidas de entidades religiosas e instituições de ensino vocacional sem fins lucrativos com tributos administrados pela Receita. As dívidas perdoadas abarcam até débitos inscritos na Dívida Ativa da União e aqueles objeto de parcelamentos anteriores rescindidos ou ativos, em discussão administrativa ou judicial. Cardoso Jr. incluiu em seu relatório a isenção, para igrejas, de impostos cobrados pela remessa de valores ao exterior. A justificativa é que muitas entidades religiosas realizam trabalhos fora do país e precisam enviar recursos. O parecer também autoriza a inclusão de times de futebol que foram excluídos do Profut, o programa de regularização de dívidas do setor, por não pagamento das parcelas do refinanciamento da dívida. O Profut permite reduzir multas, juros e encargos e parcelamento das dívidas dos times em troca de medidas de modernização na administração dos clubes.

 

TRIBUTARISTA: CAUTELA

A comissão especial também aprovou benefícios para instituições de ensino superior com dívidas tributárias com a União. O relator decidiu reabrir o prazo de adesão ao Proies, que permite a essas instituições converterem parte das dívidas em oferta de bolsas de estudos do Programa Universidade para Todos (Prouni). O GLOBO não conseguiu contato com o deputado.

O tributarista Heleno Torres defendeu cautela nas questões tributárias em momentos de crise econômica:

— É preciso fazer uma reforma de qualidade, e não uma lei que só atenda a interesses pontuais, que é mais uma gambiarra. Isso prejudica o fluxo de arrecadação, e, sem dinheiro, o governo não vai fechar as contas.

Na opinião do tributarista Marcos Ferraz de Paiva, contudo, regras mais benevolentes são necessárias para a recuperação das empresas:

— Se não fizesse com esses benefícios, diante da crise, as empresas não conseguiriam entrar, ou entrariam e depois sairiam por falta de pagamento.

O globo, n.30658 , 15/07/2017. ECONOMIA, p. 22