Título: A praga dos juros
Autor: Martins, Victor ; Cristino, Vânia
Fonte: Correio Braziliense, 01/02/2012, Economia, p. 7

Custo elevado do dinheiro trava o consumo, prejudica a indústria e segura os investimentos que poderiam criar mais empregos

Ao longo de quase duas décadas, a qualquer espirro na economia mundial, o Brasil era obrigado a dobrar ou mesmo triplicar as taxas de juros da noite para o dia para evitar uma fuga em massa de investidores estrangeiros do país. Por trás desse ato de desespero, o medo de uma crise cambial. Mas, por mais agressivo que fosse o Banco Central, o Brasil acabava ficando de joelhos. E o enredo era sempre o mesmo: pedir socorro ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e enfrentar uma recessão, com queda no consumo, na produção industrial e nos investimentos. O saldo final foram anos e anos de atraso no desenvolvimento econômico e um desemprego crônico. Em vez de ajudar, a praga dos juros altos só agravava os problemas.

É verdade que, nos últimos anos, com a consolidação da estabilidade, o país passou a testar juros menores. Há, por sinal, no BC, a determinação de se buscar uma taxa básica (Selic) de um dígito, provavelmente de 9% ao ano ante os 10,50% atuais. Se concretizada, porém, a missão liderada por Alexandre Tombini não livrará o Brasil de um recorde que envergonha a todos há tanto tempo: o de campeão mundial dos juros altos. Quando descontada a inflação projetada para os próximos 12 meses, de 5,3%, a taxa real está em 4,9%, o dobro do segundo colocado, a Hungria, com 2,8%. "O setor produtivo é o mais prejudicado. Além dos juros altos, as empresas são obrigadas a conviver com um câmbio desfavorável, com impostos elevadíssimos, infraestrutura precária e uma legislação trabalhista totalmente defasada", diz o economista Claudio Porto, presidente da Consultoria Macroplan.

Onda de calote Os consumidores se viram como podem para conviver com tamanha aberração: comprar a prazo ou tomar empréstimos pode significar juros de mais de 200% ao ano. O jeito tem sido olhar para o valor das prestações e conferir se elas cabem no orçamento doméstico. O problema, diz o economista Carlos Thadeu Filho, da Flanklin Templenton, é que, de dívida em dívida, os consumidores estão passando da conta e o risco é de uma onda de calote tomar conta do país — quase a metade da renda das famílias, 45%, está comprometida com débitos. Para o corretor Paulo Roberto Honorato, 48 anos, não fossem as parcelas a perder de vista, ele não teria condições de comprar tudo o que tem hoje.

No mês passado, ele satisfez o desejo de levar para casa um carro zero-quilômetro. Parcelou em 48 vezes a juros de 0,99% ao mês, o que considerou uma pechincha. "Anos atrás, jamais conseguiria obter tais condições. Além de os encargos serem muito maiores, os prazos de pagamento eram menores. Por conta disso, sempre tive de comprar carros com muitos anos de uso", conta. "E, mesmo assim, com a ajuda da minha mãe e poupando muito", acrescenta. A comerciante Maria Iraneida Moraes Barros, 56, nem quer se lembrar das dificuldades do passado para comprar a prazo. "Duas décadas atrás, era tudo muito difícil. Era dinheiro na mão ou não tinha negócio. Para piorar, como vendo carnes, houve um tempo em que o produto sumiu do mercado", ressalta.

O economista Carlos Kawall, do Banco Safra, resume bem o passado descrito por Maria Iraneida: "Era um outro mundo. De 1994 para cá, com a edição do Plano Real, a economia evoluiu bastante. Mas ainda falta muito para termos um quadro mais tranquilo. O país precisa cuidar da questão da competitividade da indústria e do aumento da produtividade. Precisamos transformar o que ficou bom em ótimo", observa. Para ele, o Brasil tem de criar as condições necessárias para baixar ainda mais os juros e impulsionar, de maneira mais sustentada, o setor produtivo e os investimentos. "Mas não dá para reduzir juros na canetada. A inflação está sempre à espreita", explica Nicola Tingas, economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi).

Newton Rosa, economista-chefe da SulAmérica Investimentos é taxativo: "Juros baixos dependem de uma agenda de reformas que reduzam os encargos sobre as empresas e incentivem a poupança e o investimento, o que permitirá ao país crescer sem gargalos e amarras", argumenta. Ele observa que, para o Brasil ter taxa de juros civilizada, a inflação deve girar entre 2% e 3% ao ano. Mas, olhando para 2020, a despeito dos esforços que possam ser empreendidos, a economia brasileira tenderá a conviver com um Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ao redor de 5% anuais.

A taxa de juros, segundo essas mesmas previsões, deve cair a um dígito ainda este ano. Porém, será elevada no início de 2013 e só voltará para um patamar inferior a 10% a partir de 2017. "A estrada será longa até chegarmos a juros ideais, que combine inflação sob controle e crescimento econômico acima de 5% ao ano", afirma o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves.

Desafio da caderneta A tarefa de baixar os juros básicos (Selic) dos atuais 10,50% para 9% vai além do controle inflacionário. O Palácio do Planalto terá que enfrentar temas polêmicos, como a mudança na remuneração da caderneta de poupança. Hoje, ela é corrigida pela Taxa Referencial, mais 6% ao ano. Ao se garantir, por lei, esse ganho, a Selic não pode ser inferior a 8%. A legislação vem dos tempos da hiperinflação. Mas não se trata de uma discussão simples, sobretudo em um país que ainda carrega latente na memória o confisco da poupança em 1990 pelo governo Collor.