Procuradores criticam discurso de Temer

Daniel Weterman

29/06/2017

 

 

PRESIDENTE ACUSADO / Carlos Fernando dos Santos, da força-tarefa da Lava Jato, afirma que presidente foi ‘leviano’ e não tem ‘qualificação de continuar no cargo’

Após o discurso do presidente Michel Temer classificando a denúncia do procurador- geral da República, Rodrigo Janot, como uma “peça de ficção”, os dois principais procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba se manifestaram afirmando que o peemedebista não tem mais condições de ficar no cargo.

Depois de afirmar que o governo Temer “sufoca” a Polícia Federal ao suspender a emissão de passaportes, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima subiu o tom das críticas ao presidente.

Em seu perfil no Facebook, o investigador disse que Temer foi “leviano, inconsequente e calunioso ao insinuar recebimento de valores por parte do PGR” no pronunciamento para se defender da denúncia apresentada por Janot.

O investigador comparou Temer ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, réu na Lava Jato, e disse que o peemedebista não tem mais condições de ficar no cargo. “Já vi muitas vezes a tática de ‘acusar o acusador’.

Lula faz isso direto conosco.

Entretanto, nunca vi falta de coragem tamanha, usando de subterfúgios para dizer que não queria dizer o que quis dizer efetivamente.

Isso é covardia e só mostra que não tem qualificação para continuar no cargo”, escreveu Santos.

‘Balança’. O coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal (MPF), Deltan Dallagnol, se juntou ao coro de críticas ao discurso de Temer e citou que o presidente não falou sobre o recebimento do dinheiro em uma mala por parte de seu ex-assessor e ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR).

Além disso, o procurador afirmou ontem que a denúncia apresentada por Janot é “suficiente” para acusar Temer e que o País precisa de um presidente com condições morais para governar.

“Hoje mesmo, o governo balança e não tem condições de concentrar suas atenções em um projeto para o País. O foco é salvar a própria pele. Se queremos ter condições para o desenvolvimento da economia, o que precisamos é de um presidente revestido de condições morais para governar”, escreveu.

Conselho

Um dia depois do discurso de Temer, o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais saiu em defesa de Rodrigo Janot e de todos os procuradores que atuam na Operação Lava Jato.

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OAB investiga ex-procurador da Lava Jato

Roberta Pennafort

29/06/2017

 

 

O Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio (OAB-RJ) abriu anteontem um processo de apuração formal para avaliar a conduta do ex-procurador da Lava Jato Marcello Miller, criticada em discurso pelo presidente Michel Temer naquele mesmo dia.

O caso estava sendo analisado pelo TED desde 31 de maio. Miller integrou o grupo de trabalho da Lava Jato na Procuradoria- Geral da República (PGR) entre 2014 e 2016, e pouco depois se associou ao escritório Trench, Rossi, Watanabe, que prestou serviços para o Grupo J&F, um dos alvos das investigações.

O escritório chegou a negociar parte do acordo de leniência firmado por executivos do grupo com o Ministério Público Federal do Distrito Federal – o que pode significar uma afronta ao Estatuto da Advocacia, texto de referência que rege a atividade.

Na própria terça-feira, Miller divulgou nota dizendo que não cometera irregularidade, e que não responderia às afirmações de Temer pela imprensa, preferindo se manifestar apenas “às autoridades com competência para examinar os fatos e com interesse na aferição da verdade”.

O ex-procurador era ex-assessor do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e foi citado pelo presidente como alguém de sua “mais estrita confiança”, que “ganhou milhões em poucos meses”, graças ao acordo. Segundo a PGR, Miller não cometeu ato irregular e não participou pessoalmente das negociações da colaboração premiada dos executivos do grupo.

Coincidência. A abertura do processo no TED não se deveu à menção a Miller por Temer, explicou ontem a OAB-RJ. Tratou- se de uma coincidência de datas, segundo a seccional. A partir de uma informação recebida sobre a situação do advogado, a OAB pediu formalmente esclarecimentos ao próprio Miller no dia 31 de maio, com o objetivo de analisar as circunstâncias de sua vinculação ao escritório após a saída da PGR.

Miller apresentou suas explicações no prazo estabelecido, mas o TED as considerou “insuficientes”, conforme nota oficial da seccional, e prosseguiu para a abertura de processo. O TED não se manifestou a respeito do assunto ontem, tampouco a presidência da OAB-RJ. “A análise disciplinar segue sigilosa até o trânsito em julgado.”

 

O Estado de São Paulo, n. 45180, 29/06/2017. Política, p. A7