Punição próxima de zero

THIAGO HERDY

26/12/2016

 

 

Lei que trata de conflito de interesses atingiu apenas 1 a cada 12 mil servidores federais

Em vigor há pouco mais de três anos, a Lei de Conflito de Interesses resultou em punição para apenas 0,008% dos servidores do Executivo Federal submetidos às regras, criadas para aumentar a transparência e reforçar a confiança na administração pública. A má aplicação da legislação, que levou o alcance das regras a um número maior de funcionários, é o grande desafio para o combate ao problema, segundo avaliação do escritório no Brasil da Transparência Internacional, uma das principais ONGs de combate à corrupção no mundo. Dos 553,7 mil servidores fiscalizados pela lei, apenas 45 foram flagrados em conflito — o equivalente a 1 a cada 12.300 funcionários —, de acordo com dados da Comissão de Ética da Presidência da República e do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União. O caso mais recente é o de Geddel Vieira Lima, ex-ministro da Secretaria de Governo, que recebeu uma censura ética após ser acusado de usar o cargo para viabilizar a construção de um empreendimento imobiliário de luxo em Salvador, na Bahia, onde havia comprado um apartamento. Esta sanção funciona apenas como uma “mancha” no currículo e não impede que o servidor punido assuma novos cargos na administração federal.

A lei brasileira, sancionada no governo Dilma Rousseff, atinge ministros, ocupantes de cargos de natureza especial, presidentes, vices e diretores de autarquias, fundações e empresas públicas e assessores de níveis DAS 5 e 6.

Todos estão sujeitos a punições por uso de informação privilegiada para obter lucro (como comprar ações de determinada empresa ou imóvel em área que será valorizada por projeto em desenvolvimento). Há sanções também para aqueles que prestarem serviços privados a empresas que também trabalham para o governo; para quem usar a influência junto à administração pública para atuar em interesse de terceiros; ou para os casos de recebimento de presentes caros de fornecedores do órgão.

— É quase impossível uma aplicação efetiva da legislação se a realidade é que não existe um controle de declarações de interesses. Os órgãos fiscalizadores, além de mal equipados e subfinanciados, ficam limitados a uma atuação passiva, dependendo de denúncias, na maioria das vezes restritas aos casos em que o conflito é obsceno — avalia Bruno Brandão, representante da Transparência Internacional no Brasil.

Atualmente, apenas servidores do alto escalão são obrigados a entregar declarações patrimoniais e de interesse ao governo. A fiscalização dos mil cargos mais influentes do governo cabe, atualmente, à Comissão de Ética da Presidência. A Transparência Internacional defende que a obrigação se estenda pelas outras áreas do funcionalismo e também seja prática dos poderes Legislativo e Judiciário.

 

COMISSÃO DE ÉTICA SÓ TEM 14 SERVIDORES

A análise sobre eventual conflito de interesses envolvendo os 552,7 mil servidores federais restantes está a cargo do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União, que desenvolveu um sistema eletrônico para que funcionários consultem o governo sobre eventual conflito. Os integrantes deste grupo, no entanto, não precisam entregar declaração de patrimônio antes de assumirem os cargos.

Para Bruno Brandão, a obrigação de entrega regular dos documentos deveria ser estendida a todo o funcionalismo, por meio de “sistemas digitais e públicos”. Ele cita o exemplo do México, que atualmente discute o aperfeiçoamento do controle sobre a atividade pública. Uma nova lei que obrigará todo funcionário a apresentar a declaração “três por três”, que envolve patrimônio, situação fiscal e de interesses.

Levando-se em conta também o período anterior à entrada em vigor da lei, apenas sete ministros foram alvo de punição por conflito de interesses. Além de Geddel, sofreram algum tipo de reprimenda os ex-ministros Antonio Palocci (Casa Civil), Erenice Guerra (Casa Civil), Alfredo Nascimento (Transportes), Wagner Rossi (Agricultura), Carlos Lupi (Trabalho) e Garibaldi Alves Filho (Previdência).

Responsável por fiscalizar os casos envolvendo a alta administração, os conselheiros da Comissão de Ética da Presidência (CEP) têm apenas 14 servidores à disposição para receber 1.011 declarações. Não se verifica se o conteúdo recebido está correto ou coerente com outros registros.

— A Comissão de Ética da Presidência não tem a atribuição de proceder à fiscalização ativa do cumprimento da lei. Nem teríamos pessoal e recursos para tanto. Ficamos responsáveis pela análise e julgamento de denúncias, consultas, além da expedição de recomendações e orientações — diz Mauro Menezes, presidente da Comissão de Ética.

 

DECLARAÇÃO PATRIMONIAL GERA CONTROVÉRSIA

As declarações patrimoniais e sobre conflito de interesses são instrumentos tanto para prevenir conflitos de interesse quanto para expor casos de enriquecimento ilícito. Devido a questões de privacidade e segurança, não existe consenso entre organismos da sociedade civil e governos sobre a divulgação pública das declarações. A Transparência Internacional defende que parte deve ser tornada púbica, preservando os dados que forem considerados sigilosos. No Brasil, nenhuma parte é divulgada.

A obrigação de servidores públicos declararem suas atividades externas está prevista em acordos internacionais, como a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, do qual o Brasil é signatário. “Os conflitos de interesses nem sempre se traduzem em atos ilícitos ou de corrupção, mas implicam na possibilidade de que os funcionários adaptem decisões que não resultam em benefícios de interesse público”, destaca a entidade em relatório sobre o tema, divulgado em 2014.

Mauro Menezes cita a falta de “articulação e sistematização de dados e informações” como entraves à implementação da lei.

— Outro ponto relevante deveria consistir em maior critério objetivo na escolha de cargos de confiança na administração pública em geral, levando-se em conta a potencialidade dos conflitos de interesses — sugere, citando critério já previsto em lei apenas para dirigentes de estatais.

Menezes afirma que a comissão da Presidência “eventualmente envia dados ao Ministério Público ou à Advocacia Geral da União para dar continuidade a providências em esferas criminais ou cíveis relacionadas à improbidade administrativa ou tráfico de influência praticados”.

Em nota, o Ministério da Transparência mencionou o sistema eletrônico para consulta de servidores sobre o tema, atualmente em vigor, como um marco. “A plataforma centraliza a gestão das consultas e dos pedidos de autorização para exercício de atividade privada, feitos por servidor ou empregado público federal”, explicou o órgão. A assessoria informou, ainda, que “tem fomentado órgãos e entidades a mapear riscos e a desenvolver medidas de prevenção efetivas para impedir e decretar situações que possam configurar conflito de interesse”.

 

O QUE DIZ A REGRA
 
 
LEGISLAÇÃO PROVOCOU PUNIÇÃO DE APENAS 0,008% DOS SERVIDORES FISCALIZADOS
 

QUEM PODE SER ALVO

•Ministros de Estado •Dirigentes de autarquias, fundações públicas, empresas públicas ou sociedades de economia mista •Assessores de natureza especial e servidores comissionados de cargo de confiança (DAS 5 e 6) •Ocupantes de cargos ou empregos cujo exercício proporcione acesso a informação privilegiada capaz de trazer vantagem econômica ou financeira

O globo, n.30457 , 26/12/2016. PAÍS, p. 3