PGR defende escutas além do prazo legal

CHICO OTAVIO

26/12/2016

 

 

Subprocurador pede que Marco Aurélio reconsidere decisão sobre bicheiros

Quando voltar do recesso judiciário, no início de fevereiro, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), encontrará um pedido da Procuradoria-Geral da República para que reconsidere a decisão de suspender o julgamento, em segunda instância, da cúpula do jogo do bicho do Rio. Assinado pelo subprocurador-geral Edson Oliveira de Almeida, o pedido, que equivale a um recurso, busca afastar o risco de que a decisão de Marco Aurélio acabe por atingir as maiores investigações do país no combate à corrupção, inclusive a Lava-Jato. Isso porque o ministro entendeu que o julgamento dos bicheiros, antes de ocorrer, deve aguardar a posição do Supremo sobre a validade de interceptações telefônicas que ultrapassaram o prazo legal de 30 dias.

Condenados pela Justiça Federal a cumprir penas de até 48 anos de prisão em regime fechado, os chefes da contravenção teriam de ir imediatamente para a cadeia se o Tribunal Regional Federal da 2ªRegião (TRF-2) confirmasse a sentença. Mas Marco Aurélio suspendeu o julgamento, que deveria ter acontecido no dia 9 novembro, a pedido de um dos réus, Jaime Garcia Dias, condenado a 28 anos e dez meses. De acordo com a Polícia Federal, na Operação Furacão, Jaime era um dos responsáveis pela distribuição de propina dos bicheiros.

 

CASO TERÁ REPERCUSSÃO GERAL

O ministro entendeu que, antes disso, o Supremo terá de decidir sobre um recurso extraordinário, relatado por Gilmar Mendes, sobre a possibilidade de realização de sucessivas interceptações telefônicas além do prazo permitido. Em 2013, o STF já decidiu que a posição a ser tomada sobre o assunto terá repercussão geral — a decisão terá de ser aplicada posteriormente pelas instâncias inferiores em casos idênticos —, podendo atingir os demais casos em que os grampos superaram o prazo de 30 dias, como ocorreu com a Lava-Jato.

Ao pedir a reconsideração, o subprocurador Edson de Almeida alegou que o ministro Gilmar Mendes, como relator da repercussão geral sobre o caso das escutas, não determinou a suspensão dos processos vigentes que tratam da mesma questão.

Almeida também sustenta que tal decisão, de acordo com a lei, cabe apenas a Gilmar Mendes, não podendo ser tomada por outros ministros do Supremo, como Marco Aurélio.

Por fim, o subprocurador disse que, enquanto o caso das escutas não for julgado, vale a atual posição do Supremo sobre o caso, na qual a interceptação telefônica “pode ser sucessivamente renovável, sempre que o juiz, com base no quadro fático, entender que essa medida permanece útil à investigação”. De acordo com Edson de Almeida, o réu favorecido, Jaime Garcia Dias, “seria o principal lobista da organização criminosa, o que mais do que justifica a prorrogação da interceptação telefônica”.

Além de Jaime, os bicheiros Aílton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães; Aniz Abraão David, o Anísio; e Antonio Petrus Kalil, o Turcão, já foram condenados no mesmo processo a 47 anos, nove meses e 20 dias de prisão, pela juíza da 6ª Vara Criminal Federal, Ana Paula Vieira de Carvalho, por comandar um esquema de pagamento de propina a autoridades do Judiciário, a fim de liberar componentes de máquinas caça-níqueis apreendidas pela Receita Federal.

 

CRÍTICAS NO JUDICIÁRIO

Para Marco Aurélio, contudo, a repercussão geral já decidida, por unanimidade, pelo Supremo, “direciona à suspensão de processos que versem idêntica matéria (escutas)”.

O argumento usado para suspender o julgamento dos bicheiros repercutiu no Judiciário, uma vez que abre caminho para que processos que tiveram escutas por mais de 30 dias, como na Operação LavaJato e tantos outros de combate ao crime organizado, com base na lei 9296-96 (Lei da Interceptação Telefônica) e na Lei do Crime Organizado, sejam igualmente suspensos.

— Não acredito que o próprio STF, que acabou de consagrar a possibilidade de execução provisória da pena, retroceda no combate ao crime organizado e à corrupção. Mas preocupa a suspensão do julgamento sem que se tenha previsto pelo menos a suspensão também do curso da prescrição, que é uma das maiores causas de impunidade no Brasil — reagiu o procurador-chefe da Procuradoria Geral da República no Rio, José Augusto Vagos.

O globo, n.30457 , 26/12/2016. PAÍS, p. 4