No ano que vem, dez estados devem ter governadores-tampão

SILVIA AMORIM

20/08/2017

 

 

 

Troca nas administrações estaduais pode beneficiar mais PP e PSB

Dez governadores terão que se afastar de suas funções em 2018, se quiserem concorrer a um cargo na próxima eleição. Se a tradição política se mantiver, a quase totalidade desse grupo, que reúne os governadores que já foram reeleitos, entregará até abril o comando do estado ao vice para concorrer ao Senado.

A troca de cadeiras tem potencial para alterar a configuração de forças entre partidos nos estados. Mas não é só isso. Em tempos de Lava-Jato, muitos desses governadores buscarão nas urnas um novo mandato para manter o foro privilegiado na Justiça, uma vez que são alvos de inquéritos por suspeitas de receber propina da Odebrecht.

As legendas candidatas a maiores beneficiárias das desincompatibilizações são o PP e o PSB. No outro extremo, aparecem o PMDB e o PSDB como os que mais deverão perder governadores.

Desincompatibilização é o afastamento obrigatório do cargo por agente público para disputar eleição. Há mais de 70 anos, a regra foi criada para dar igualdade de condições aos candidatos e evitar o uso da máquina pelos detentores de mandato. No entanto, não se aplica a casos de reeleição.

 

PSDB E PMDB PERDERÃO MAIS

Embora ainda faltem oito meses para o prazo de afastamento dos governadores, as negociações já acontecem com aliados. O PP, que governa somente um estado (Roraima), é a legenda que mais deve “lucrar” com a renúncia de governadores. O partido ganharia dois estados importantes: Paraná e Rio de Janeiro, o que deverá fazer o PP saltar da sexta para a terceira posição no ranking dos partidos com mais governadores.

O PSB, que administra três estados — Pernambuco, Paraíba e o Distrito Federal —, já faz planos para quando assumir o governo de São Paulo, segundo maior orçamento público do país, só perdendo para a União. O “presente” igualará a legenda ao PSDB em número de governadores (quatro). Aliás, a sigla tucana e o PMDB deverão perder dois estados cada um — São Paulo e Paraná, no caso do PSDB; e Rio de Janeiro e Rondônia, no do PMDB.

Nenhum político admite, mas o foro privilegiado terá peso no cálculo político sobre o que fazer na próxima eleição. Cinco dos dez governadores reeleitos respondem a inquérito no Superior Tribunal de Justiça (STJ) por terem sido mencionados em delações de executivos da Odebrecht e por constarem da suposta lista de propina entregue à Lava-Jato. Se ficarem sem mandato a partir de 2018, terão suas investigações transferidas à primeira instância. São eles: Beto Richa (Paraná), Luiz Fernando Pezão (Rio de Janeiro), Geraldo Alckmin (São Paulo), Raimundo Colombo (Santa Catarina) e Marconi Perillo (Goiás).

Richa tem sua candidatura a senador praticamente acertada com partidos aliados. Nas negociações, o governador cogita até abrir mão de lançar um sucessor em troca de uma vaga para concorrer ao Senado.

Colombo é outro candidato a senador. No estado, o PMDB, do vice Eduardo Pinho, já negocia a data de saída do governador.

No caso de Luiz Fernando Pezão, o cenário é mais complicado. Além de enrolado na Lava-Jato, o governador enfrenta problemas de saúde e uma instabilidade política decorrente da situação fiscal do estado. Nos bastidores da política fluminense, há quem não descarte que, para garantir o foro privilegiado, ele se candidate à Câmara dos Deputados.

Em São Paulo, a renúncia de Geraldo Alckmin é certa, mas o destino político dele, ainda não. O governador paulista é pré-candidato a presidente da República pelo PSDB, mas disputa a vaga com o afilhado político João Doria, prefeito de São Paulo. Se Alckmin não se tornar presidenciável, o plano B será o Senado.

Alguns dos vices que assumirão em abril também sofrem desgaste com a Lava-Jato. Márcio França (PSB), de São Paulo; Cida Borghetti (PP), do Paraná; e Francisco Dornelles (PP), do Rio de Janeiro, apareceram na suposta lista da Odebrecht com os apelidos de Paris, Princesa e Velhinho. No Pará, o vice Zequinha Marinho (PSC) é réu no Supremo Tribunal Federal (STF), acusado de ficar com parte dos salários de funcionários quando era deputado federal.

França diz que não recebeu valores mencionados pela empreiteira. Dornelles afirma que as delações que o acusam “não têm fundamento”. Cida diz que nunca recebeu valores ilícitos da construtora. Os advogados de Zequinha alegam que o repasse de parte do salário, cerca de 5%, dos funcionários ao PSC era voluntário.

As desincompatibilizações costumam provocar um efeito cascata nos demais escalões do governo, com a acomodação de correligionários políticos do novo governador.

 

CONTROVÉRSIA ANTIGA

Apesar da longa vigência, a regra da desincompatibilização ainda causa controvérsias. A principal delas é o fato de a norma não se aplicar em caso de reeleição.

— É um absurdo alguns terem que se afastar do cargo enquanto outros podem concorrer à reeleição no exercício do mandato. Defendo a desincompatibilização também para os candidatos à reeleição — disse o advogado e presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP, Silvio Salata.

Outro questionamento é quanto à eficácia dos afastamentos em ano de eleição.

— O afastamento do cargo não cessa necessariamente a influência do político porque, muitas vezes, o substituto é alguém que opera em nome do antecessor. A lei do abuso do poder econômico veio para ser um contraponto, e mostrou que a desincompatibilização não impede abusos — afirmou o cientista político da UFRJ, Paulo Baía.

O globo, n.30694 , 20/08/2017. PAÍS, p. 4