Risco de derrota dita mudança de tática

Vera Rosa / Beatriz Bulla

23/05/2017

 

 

GOVERNO SOB INVESTIGAÇÃO / Recuo em relação a pedido no Supremo ocorre após governo avaliar que decisão desfavorável no plenário poderia decretar fim do governo

 

 

A mudança da estratégia jurídica de Michel Temer começou a ser discutida no fim de semana, quando o presidente percebeu que um julgamento desfavorável do pedido de suspender o inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) poderia ser uma sentença de morte e decretar o fim antecipado de seu governo.

Depois que as cúpulas do PSDB e do DEM tomaram o veredicto do plenário do STF – antes marcado para amanhã – como parâmetro para a decisão de permanecer ou não na base aliada, Temer viu que a tática até então estabelecida havia se tornado uma armadilha.

Principal alvo das delações da JBS, o presidente foi alertado de que havia riscos de sofrer uma derrota na Corte e, sendo assim, toda a estratégia traçada poderia se transformar num divisor de águas contra o governo.

A avaliação feita no Palácio do Planalto foi a de que, se o plenário referendasse o parecer do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo, mantendo a investigação contra Temer, a crise aumentaria e a situação do presidente ficaria insustentável.

Com esse diagnóstico, o Planalto recorreu aos serviços do perito Ricardo Molina, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), na tentativa de mostrar que a gravação feita pelo empresário Joesley Batista, dono da JBS, continha edições, e, portanto, não poderia ser usada como prova na investigação.

Foi, na prática, mais uma estratégia para ganhar tempo e afastar ultimatos, deixando o inquérito correr no seu curso natural e evitando o possível desembarque de aliados. Dessa forma, quando a Polícia Federal entregar o seu laudo ao STF, o presidente já terá apresentado sua defesa pública.

 

Alívio. No Supremo, o recuo na defesa de Temer foi visto com alívio. Para um ministro da Corte, da forma como as coisas vinham sendo conduzidas, o STF estava praticamente fadado a definir a morte ou a sobrevivência política do presidente, o que não é papel do tribunal.

Sem o peso dessa decisão nos ombros, ministros avaliavam ontem que a Corte vai analisar a situação de Temer num cenário com menos pressão política.

Em conversas reservadas, magistrados diziam que, se o plenário referendasse por maioria a decisão de Fachin de abrir investigação contra Temer, o efeito para ele seria semelhante ao do recebimento da denúncia. Argumentavam ainda que a batalha do presidente sobre sua governabilidade deve ser travada no campo político e entre atores econômicos, não entre juízes.

“Todos nós queremos a verdade e a Justiça vai fazer o seu papel. Enquanto não tivermos a verdade, não podemos parar o País, como deseja a oposição, que aposta no ‘quanto pior, melhor’”, disse o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PSDB-RR), também investigado pela Lava Jato.

Nos bastidores, auxiliares de Temer observam que, se o PSDB deixar a equipe, arrastará outros aliados. Dirigentes tucanos, por sua vez, dizem estar atentos aos desdobramentos da crise. Uma ala do partido afirma não querer ficar na Esplanada para o “abraço de afogados”.

 

Dúvidas. Na noite de domingo, ministros e parlamentares discutiram com Temer, no Palácio da Alvorada, o que chamaram de atitudes “suspeitas” de Fachin e do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Nas rodas de conversa, o comentário era o de que Janot pode sair desmoralizado dessa investigação.

Duas questões chamaram a atenção: a pressa do Ministério Público em fechar o acordo com a JBS e a diferença entre as punições impostas aos irmãos Joesley e Wesley Batista e a outros delatores, como os do grupo Odebrecht. Os donos da JBS não foram presos, nem obrigados a usar tornozeleiras. Joesley chegou a ter, ainda, autorização para viajar a Nova York./ COLABOROU LU AIKO OTTA

 

DIÁLOGO

● O que o presidente Michel Temer já falou sobre a gravação feita pelo empresário Joesley Batista, dono da JBS

 

TEMAS

Reunião com Joesley

Nota oficial  /17 de maio

Reunião ocorreu no começo de março, no Palácio do Jaburu. Não houve, no diálogo, nada que comprometesse a conduta do presidente

Primeiro pronunciamento / 18 de maio

Não citou a reunião

Segundo pronunciamento / 20 de maio

Disse que não há crime em ouvir reclamações e indicar outra pessoa ‘para ouvir lamúrias’. E que recebe visitas de empresários e políticos ‘à noite’

Entrevista ao ‘Estado’ / 21 de maio

Ocorreu após vários pedidos do empresário. Sobre o horário da conversa, disse que estava em uma festa e Joesley aceitou ir ao Jaburu ‘mais tarde’

Entrevista à Folha de S.Paulo / 22 de maio

Motivo foi a Operação Carne Fraca. A conversa, porém, ocorreu 10 dias antes da operação. “O presidente se equivocou”, disse depois a assessoria

 

 

TEMAS

Eduardo Cunha

Nota oficial / 17 de maio

Disse que não participou nem autorizou qualquer movimento para evitar delação do deputado cassado

Primeiro pronunciamento / 18 de maio

Afirmou "nunca ter autorizado o uso do seu nome de forma indevida ou sugerido que alguém fosse calado"

Segundo pronunciamento / 20 de maio

Disse que não há, no áudio, a declaração de que tenha avalizado a compra do silêncio de Cunha. “Não existe isso na gravação, mesmo tendo sido ela adulterada”

 

Entrevista ao ‘Estado’ / 21 de maio

“(Joesley) diz que está mantendo uma boa relação com ele (Cunha), e incentivo que deveria manter, apenas isso”, disse Temer sobre a frase ‘Tem que manter isso, viu?’

 

Entrevista à Folha de S.Paulo / 22 de maio

Citou carta do próprio Cunha na qual o deputado cassado diz que jamais pediu dinheiro a Temer ou a Joesley em troca de seu silêncio

 

 

TEMAS

Investigação

Nota oficial / 17 de maio

Defendeu “ampla e profunda investigação” para apurar as denúncias, com a responsabilização dos eventuais envolvidos em ilícitos

Primeiro pronunciamento / 18 de maio

“No Supremo, demonstrarei não ter nenhum envolvimento com esses fatos. Exijo investigação plena e rápida”, disse sobre inquérito aberto na Corte 

Segundo pronunciamento / 20 de maio

Informou que estava entrando com petição no Supremo para suspender o inquérito “até que seja verificada a autenticidade da gravação clandestina”

Entrevista ao ‘Estado’ / 21 de maio

 

Disse que tentará todos os recursos jurídicos para anular o inquérito aberto contra ele no STF, que, segundo sua avaliação, se baseou em provas armadas

 

Entrevista à Folha de S.Paulo / 22 de maio

“Não faço nenhuma observação em relação à Procuradoria. Agora, chamou a atenção de todos a tranquilidade com que ele (Joesley) saiu do País”

 

TEMAS

Gravação

Nota oficial / 17 de maio

Não citou a gravação

Primeiro pronunciamento / 18 de maio

Não citou a gravação

Segundo pronunciamento / 20 de maio

Afirmou que a gravação “clandestina” foi “manipulada e adulterada com objetivos nitidamente subterrâneos”

Entrevista ao ‘Estado’ / 21 de maio

 

Temer disse ter achado “estranho” o teor da conversa, mas que não levou a sério as afirmações e começou “a ser cada vez mais monossilábico”

 

Entrevista à Folha de S.Paulo / 22 de maio

Disse que tem demonstrado, “com relativo sucesso”, que o que o empresário Joesley Batista fez “foi induzir uma conversa”

 

TEMAS

Rocha Loures

Nota oficial / 17 de maio

Não citou o deputado afastado

Primeiro pronunciamento / 18 de maio

Não citou o deputado afastado

Segundo pronunciamento / 20 de maio

Não citou o deputado afastado

Entrevista ao ‘Estado’ / 21 de maio

Disse acreditar que Loures “deve ter sido seduzido” pela promessa de receber R$ 500 mil por 20 anos. Negou ter conhecimento da transação

Entrevista à Folha de S.Paulo / 22 de maio

Disse manter com Rocha Loures uma “relação institucional”. Afirmou ainda que o deputado afastado “tem boa índole”

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‘Presidente se equivocou’, diz Planalto sobre entrevista

Leonencio Nossa e Valmar Hupsel Filho

23/05/2017

 

 

A assessoria de imprensa do Palácio do Planalto afirmou ontem que o presidente Michel Temer se equivocou ao dizer, durante entrevista à Folha de S.Paulo, que foi procurado pelo empresário Joesley Batista, dono da JBS, para falar sobre a Operação Carne Fraca. A declaração de Temer foi publicada na edição de ontem do jornal.

A conversa, gravada por Joesley, no entanto, ocorreu dez dias antes da operação desencadeada pela Polícia Federal, exatamente no dia 7 de março. “O presidente se equivocou, se confundiu”, afirmou a assessoria.

Desde a quarta-feira passada, quando se tornou pública a existência de gravação da conversa com Joesley, Temer tem adotado posturas diferentes em relação ao empresário. Em nota oficial, publicada ainda no dia 17, Temer limitou-se a confirmar o encontro e negar o cometimento de qualquer crime.

Na quinta-feira, dia 18, já alvo de inquérito, Temer confirmou que “houve um relato de um empresário” que auxiliava a família do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). E afirmou que só tomou conhecimento sobre isso naquele momento.

No sábado, em entrevista ao Estado, Temer disse que costuma receber empresários para conversas nos palácios do Planalto e do Jaburu e em São Paulo.

“Muitas dessas reuniões ocorrem fora da agenda”, disse ele na ocasião. Questionado sobre o assunto tratado na conversa, entre eles a confissão de Joesley de que tinha “comprado” dois juízes e um procurador, o presidente disse que achava o empresário um “falastrão”.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, anteontem, repetiu que considerava Joesley um “falastrão e chegou a chamá-lo de “empresário grampeador”. / 

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45143, 23/05/2017. Política, p. A6.