Entre ‘refundações’ e velhos hábitos, o dilema dos partidos

CATARINA ALENCASTRO

 JÚNIA GAMA

13/08/2017

 

 

Desgaste provocado por crise política faz legendas repensarem suas estratégias, mas lideranças não se livram de práticas tradicionais, condenadas pela sociedade

 

A crise política tem um consenso: o desgaste dos partidos chegou a um nível tão agudo que é preciso mudar para sobreviver às eleições de 2018. O grau concreto de renovação das legendas, porém, é discutível. O discurso generalizado é de correção de rumos, mas a prática é de manutenção de velhos hábitos.

Um sinal amplo desse cenário foi dado na última semana, quando a definição dos pontos prioritários da reforma política, que deveria ter como objetivo evitar a repetição dos piores vícios da democracia brasileira, ocorreu em um jantar de 20 parlamentares, 15 deles investigados da Lava-jato. O dilema entre o apego às velhas práticas e a tentativa de dar uma resposta ao apelo popular por renovação atingiu em cheio os principais partidos.

O PSDB fala em refundação, mas saiu fraturado da votação da denúncia contra o presidente Michel Temer e agora caminha claudicante, como fosse dois partidos: um grupo, que tem à frente o presidente interino da legenda, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), ainda não desistiu de pregar o desembarque do governo e projeta mudanças estruturais na legenda. O outro, comandado pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG), pede cautela. Na votação da denúncia contra Temer, prevaleceu a ala que defende a permanência no governo.

— Metade da bancada é muito conservadora, apegada ao poder e a práticas fisiológicas. Se o PSDB não se reencontrar, explode. Vai acabar se confundindo com o PMDB. Aí vai ter gente saindo do partido — diz um integrante da ala anti-Temer.

A confirmação do senador Tasso Jereissati, na semana passada, como presidente da legenda até as eleições internas, previstas para dezembro, deu um fôlego aos tucanos que querem reforma. Quem votou pela continuidade da investigação contra Temer perdeu a batalha na Câmara, mas ganhou adeptos nas redes sociais.

— O desgaste da classe política está enorme, não exclui ninguém. Mas a votação da denúncia foi o mais marcante. Teve reconhecimento na rua, agradecimento — conta o deputado Pedro Cunha Lima (PSDB-PB), que diz ter recebido muitos pedidos de selfie depois de ter votado a favor de que Temer fosse investigado.

— Os cabeças pretas (como são conhecidos tucanos mais jovens e críticos a Temer) são afoitos, acham que podem ter um PSDB para chamar de seu, querem refundar o partido. — prega um tucano do campo oposto, que prefere não se identificar.

Já o PT tenta dar uma guinada à esquerda, com foco na crítica às reformas liberais propostas pelo governo. O partido se reaproximou de movimentos sociais e dos sindicatos, reforçando o discurso de esquerda. No entanto, continua exaltando condenados no mensalão e na Lava-Jato, e a expectativa para o futuro próximo é carregar a candidatura do ex-presidente Lula, condenado pelo juiz Sergio Moro. Para rebater os questionamentos do eleitorado sobre os desvios éticos que o partido cometeu, o discurso continua sendo o de que a legenda errou apenas “ao repetir as velhas práticas de financiamento dos outros partidos”.

— Tivemos um desgaste muito grande, vamos ter que superar esse desgaste ao longo do tempo. Não vai ser simples, vamos ter que explicar para as pessoas. Vamos aos poucos superando isso — acredita o líder do PT na Câmara, deputado Carlos Zarattini (SP).

O deputado Alessandro Molon (RedeRJ), que tentou impor uma pauta de refundação real ao PT quando lá estava mas fracassou e acabou trocando de partido, é cético quanto às mudanças superficiais que as grandes legendas vem abordando:

— Um partido pode, sim, mudar e se reencontrar com a sua história. Mas isso é totalmente diferente de passar maquiagem para tentar apresentar uma cara nova, sem mudar o que está por baixo. O eleitor está acompanhando e não é bobo.

Já o DEM, que minguou nos últimos anos no Congresso, saiu mais forte das crises recentes e pretende ampliar espaços e se apresentar como opção de centro-direita. O caminho, porém, não tem nada de inovador: é sustentando a base aliada e absorvendo dissidentes de outros partidos que querem permanecer no governo.

Sem governadores hoje, o DEM lançará candidatos em ao menos nove estados, onde acredita ter alguma chance de vitória. A bandeira que o partido quer empunhar é a da boa gestão.

— O DEM só vai ocupar os espaços de centro-direita pelos quadros que tem. A gente tem como exemplo o que o ACM Neto está fazendo em Salvador. É o modelo de dar oportunidades para as pessoas terem seu próprio negócio, de fomento ao empreendedorismo — diz o senador Agripino Maia (RN), presidente do DEM.

 

“ARREMEDOS DE PARTIDOS”

O PMDB, partido do presidente Michel Temer, tem procurado repaginar o visual: aprimorou as ferramentas de comunicação com os eleitores, melhorou seus canais nas redes sociais e forma novos quadros regionais. Mas líderes do próprio partido admitem que a tentativa de renovação de verdade não deve acontecer.

— Só ter caras novas não adianta. Em qualquer sistema político, a velocidade da renovação é um indicador da fragilidade do sistema, não de robustez. Se tudo continuar como está, o fosso vai se aprofundar — diz o ministro da Secretaria-Geral, Moreira Franco.

O deputado Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), que integra a ala dissidente do partido, critica o momento político:

— A gente não tem partidos políticos, temos arremedos de partidos. Estamos vivendo a quase falência do quadro político, tem que mudar.

O globo, n. 30687, 13/08/2017. PAÍS, p. 4