BARROSO: ‘OPERAÇÃO ABAFA’ CONTRA CORRUPÇÃO É OSTENSIVA

04/08/2017

 

 

Para Marco Aurélio e Gilmar, decisão da Câmara traz estabilidade

 

 No dia seguinte à decisão da Câmara de não enviar ao Supremo Tribunal Federal (STF) a denúncia por corrupção passiva contra o presidente Michel Temer, Luis Roberto Barroso, um dos ministros da Corte, afirmou, sem se referir diretamente à votação, que a “operação abafa” contra a corrupção “é uma realidade visível e ostensiva”.

Temer foi denunciado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, “por ter agido com violação de seus deveres para com o Estado e a sociedade”. A denúncia de Janot se baseou nas investigações abertas a partir da delação da JBS no âmbito da Operação Lava-Jato. O presidente é acusado de ter recebido propina da JBS, usando seu ex-assessor Rodrigo Rocha Loures como intermediário. Para que a denúncia fosse aceita, o que obrigaria Temer a se afastar do cargo, seria necessário o aval da Câmara. A Casa, no entanto, barrou o prosseguimento.

— A operação abafa é uma realidade visível e ostensiva no Brasil de hoje. Há muita resistência às mudanças que precisam ser feitas — disse o ministro, durante o 6º Simpósio de Direito Empresarial da Aliança de Advocacia Empresarial (Alae), segundo noticiou “O Estado de S.Paulo”.

Para Barroso, essa operação é comandada por gente poderosa, com ramificações em setores importantes da sociedade.

— Há os que não querem ser punidos e há um lote pior, os que não querem ficar honestos nem daqui para frente, que depois da ação penal 470 (mensalão) e de três anos de Operação Lava-Jato continuam com o mesmo modus operandi de achaque. Estas pessoas têm aliados importantes em toda parte, nos altos escalões da República, na imprensa e nos lugares onde a gente menos imagina — afirmou o ministro do Supremo.

 

TROCA DE PRESIDENTES “É RUIM”

Apesar do diagnóstico, Barroso procurou passar uma mensagem otimista:

— A fotografia do momento pode dar a impressão de que o crime compensa. Mas acho que esta é uma impressão enganosa. O Brasil já mudou, e nada será como antes.

Já os ministros Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes, colegas de Barroso no STF, preferiram ressaltar a estabilidade ao país que teria sido garantida pela decisão da Câmara de paralisar a investigação contra Temer. Segundo Marco Aurélio, os brasileiros devem se preocupar neste momento com a resolução dos problemas econômicos e sociais. Destacou ainda que a alternância de poder deve ocorrer ao fim de um mandato eletivo.

— Foi uma decisão estritamente política. E a essa altura precisamos nos preocupar com o Brasil, com a correção de rumos, com o saneamento da situação econômico-financeira que reflete no social, com o desemprego em massa. Essa é que deve ser a preocupação maior. E ter presente que a alternância no poder deve ocorrer com o exaurimento do mandato, de quatro em quatro anos — disse Marco Aurélio.

Para o ministro, a instabilidade, com a troca frequente de presidentes, não é boa para o país.

— É ruim em termos de democracia, de amadurecimento da democracia. Revela insegurança e isso é péssimo, inclusive no tocante à repercussão internacional — afirmou Marco Aurélio.

O ministro Gilmar Mendes considerou positivo a Câmara ter definido o destino da denúncia contra Temer, sem avaliar se o resultado foi bom ou ruim.

— Essas questões têm que ser definidas, porque isso gera instabilidade — disse Gilmar, após sessão do TSE.

Gilmar afirmou esperar que, agora, terminada a votação na Câmara, será possível dar maior atenção à reforma política, em discussão no Congresso. Ele destacou que o sistema atual tem problemas. Tanto que, desde a Constituição de 1988, dos quatro presidentes eleitos, apenas dois — Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva — terminaram todos os seus mandados. Os outros dois — Fernando Collor e Dilma Rousseff — sofreram processo de impeachment.

— Agora acredito que vamos poder concentrar energia nesse tema, que é prioritário. Veja que o país tem vivido essa instabilidade. De quatro presidentes eleitos desde 1988, só dois terminaram o mandato. Então nós precisamos pensar se temos um modelo adequado de governança, de governabilidade. E precisamos encontrar meios de não instabilizarmos a democracia — disse Gilmar.

Nas redes sociais, o procurador da Lava-Jato Carlos Fernando dos Santos Lima classificou a decisão dos deputados de “indignidade” e prometeu que a força-tarefa da operação não vai desanimar. “Nestes três anos e meio, nós da Lava-Jato não esmorecemos um dia sequer. Agora não será diferente, apesar da indignidade a que assistimos”, afirmou o procurador.

Carlos Fernando ainda acrescentou: “Não importa o poder do dinheiro, nem as mentiras que são contadas, nem mesmo as ameaças que as investigações sofrem. Vamos fazer o que é certo. Isso basta para consciências tranquilas”. (André de Souza)

O globo, n.30678 , 04/08/2017. PAÍS, p. 5