EX-SECRETÁRIO DE OBRAS DE PAES É PRESO POR PROPINA

CHICO OTAVIO

DANIEL BIASET

JULIANA CASTRO

04/08/2017

 

 

Ministério Público Federal afirma que esquema ‘repetia’ modelo de corrupção do governo Cabral
 
Após dissecar o esquema de corrupção no governo de Sérgio Cabral (PMDB), a força-tarefa da Lava-Jato no Rio desembarcou na prefeitura da capital fluminense e mirou pela primeira vez a gestão de Eduardo Paes (PMDB), prefeito entre 2009 e 2016. Autorizada pelo juiz Marcelo Bretas, a Operação “Rio, 40 Graus" levou à prisão, ontem, o ex-secretário municipal de Obras Alexandre Pinto da Silva e outras nove pessoas.

 

De acordo com os procuradores, a investigação indica que o esquema de corrupção que vigorou na contratação de obras públicas no governo Cabral “repetia-se” na administração municipal. Assim como na Secretaria estadual de Obras, que instituiu a “taxa de oxigênio” — cobrança de 1% de propina em todos os contratos —, a secretaria municipal também recolhia o percentual. Segundo os investigadores, não há elementos que apontem um benefício direto a Paes.

“Os elementos já apontados evidenciam, portanto, a existência de organização criminosa também instalada na prefeitura do Rio de Janeiro que se dedicava à obtenção de vantagens indevidas a agentes públicos, de modo a beneficiar as empreiteiras responsáveis pelas execuções de obras públicas no município”, escreveram os procuradores na petição que fundamentou a operação.

O esquema envolvia ainda fiscais da prefeitura, advogados e lobistas que pediam propina para facilitar a liberação dos recursos no Ministério das Cidades — as obras em que houve desvios de recursos foram bancadas, em parte, pelo governo federal. A investigação afirma que agentes públicos do ministério foram beneficiados, mas os nomes não foram revelados.

 

PROPINA NA PADARIA

Ao todo, o Ministério Público Federal (MPF) aponta que os valores de propina solicitados às empreiteiras alcançaram R$ 27 milhões nas obras do trecho do BRT Transcarioca que liga o Aeroporto do Galeão à Penha. O grupo que tinha o secretário Alexandre Pinto à frente também recolheu propina nas obras de Recuperação Ambiental da Bacia de Jacarepaguá — o total acordado chegaria a R$ 9 milhões, mas o valor não chegou a ser pago integralmente. Esta obra fez parte do plano de políticas públicas do município como uma das obras que ficariam como legado à população após a Olimpíada do Rio.

De acordo com o MPF, o valor solicitado por Alexandre Pinto às empreiteiras superou R$ 7,5 milhões. Os procuradores apontam indícios de que o ex-secretário de Obras usou a mãe, a mulher e os filhos na lavagem de dinheiro oriundo de propina ao menos até 2015.

A ação de ontem tem como base as delações de ex-executivos da empreiteira Carioca Engenharia. Luciana Salles Parente, por exemplo, contou que chegou a entregar pessoalmente valores em espécie para Alexandre Pinto no segundo semestre de 2014, num posto de gasolina na Barra da Tijuca. Responsável na Carioca pelo acompanhamento comercial das obras da prefeitura, o engenheiro Marcos Bonfim afirmou que fez pessoalmente três entregas de dinheiro diretamente ao então secretário — uma de R$ 80 mil, outra de R$ 110 mil e a última de R$ 58 mil. Uma das entregas, conta ele, foi feita em um posto de gasolina, em Jacarepaguá, e outras duas foram numa padaria.

Segundo os delatores, três fiscais de obras presos ontem na ação, Eduardo Fagundes, Ricardo Falcão e Azalmir Araújo, cobraram 3% de propina. Já a advogada Vanuza Vidal Sampaio foi acusada de ter assinado um contrato fictício, no valor de R$ 5 milhões, intermediado pelo lobista Laudo Aparecido Ziani, para justificar a movimentação da propina. Ziani seria o responsável por facilitar a liberação de recursos do Ministério das Cidades, então comandado pelo PP. Ele é casado com a ex-deputada federal Aline Corrêa, filha de Pedro Corrêa, político influente do PP que foi preso na Lava-Jato. Vanuza e o lobista também foram presos. Os investigados serão indiciados por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. O GLOBO não conseguiu contato com as defesas dos presos.

 

OBRA DE R$ 1,9 BILHÃO

Em nota, a Prefeitura do Rio, hoje comandada por Marcelo Crivella (PRB), afirmou que “recebeu com indignação e preocupação a notícia do envolvimento de servidores na operação” e que já foi determinada a instauração de inquérito administrativo para apurar as responsabilidades dos funcionários envolvidos. Os três fiscais foram exonerados.

As obras do trecho 2 do BRT Transcarioca, para ligar o Aeroporto do Galeão à Penha, foram iniciadas em março de 2012 e finalizadas em 2014. O contrato para as obras nessa segmento era de R$ 542,8 milhões, mas a obra custou R$ 790,6 milhões, de acordo com dados do Tribunal de Contas do Município (TCM).

O BRT Transcarioca foi licitado em duas partes. A obra completa vai do terminal Alvorada, na Barra, ao Aeroporto do Galeão. Levando em conta esses dois trechos, os contratos eram de R$ 1,3 bilhão, mas o BRT acabou custando R$ 1,9 bilhão.

O globo, n. 30678, 04/08/2017. PAÍS, p. 6