Viés político da economia com BNDES e Moody's

Angela Bittencourt

27/05/2017

 

 

O crescimento da economia brasileira no primeiro trimestre deste ano e a definição da próxima taxa Selic são os eventos mais importantes da agenda econômica da virada de maio para junho, mas é improvável que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) catalisem todas as atenções porque aumenta o ruído provocado pela política. A intensa crise tornou-se o principal concorrente e o principal adversário da economia. Até há pouco, as prioridades econômicas estavam praticamente blindadas, contudo, esta semana pode ser diferente.

O saldo da sexta-feira justifica maior inquietação e cautela. E não só para os mercados, mas também para o governo.

Os resultados do Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre e da Selic não vão escapar de uma leitura política que o momento recomenda. O PIB sai na quinta e deve avançar 0,9% sobre o quarto trimestre de 2016, após o ajuste sazonal, segundo a média de 20 projeções de consultorias e bancos encaminhadas ao Valor Data. A Selic deve cair mais 1 ponto percentual, para 10,25%, na avaliação de 35 dos 41 analistas entrevistados pelo Valor PRO, serviço em tempo real do Valor. Na sexta, o Itaú Unibanco reduziu sua estimativa de corte de 1,25 ponto para 1 ponto, juntando-se à maioria.

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A leitura política acerca desses dois indicadores - PIB e Selic - é paralela às propostas de reformas estruturais e deve estar focada nas perspectivas de negócios. A crescente expectativa de que o presidente Michel Temer poderá sair do governo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) impugnando, na sessão do dia 6 de junho, a chapa Dilma-Temer pode sofrer um revés. No domingo, Temer decidiu trocar o comando do Ministério da Justiça e nomear Torquato Jardim em substituição a Osmar Serraglio. Torquato Jardim ocupa atualmente a pasta da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União.

Após dias de forte repercussão das declarações dos irmãos Joesley e Wesley Batista, controladores do J&F, ao Ministério Público Federal, na sexta a economista Maria Silvia Bastos Marques anunciou sua saída da presidência do BNDES por "razões pessoais" e, em poucas horas, o Palácio do Planalto confirmou o então presidente do IBGE, Paulo Rabello de Castro, para o novo posto; a Moody's Investors Service anunciou o rebaixamento da perspectiva do Brasil de "estável" para "negativa", por aumento de incerteza quanto às reformas após os mais recentes acontecimentos políticos - o que abre espaço para redução da nota de crédito do país, já classificada como especulativa; e o Conselho Monetário Nacional (CMN) divulgou decisões que podem ser interpretadas como mais um passo contra a burocracia e a favor de maior transparência, mas também podem sugerir maior preocupação do governo - reunido no CMN -com a segurança dos mercados ante a incessante crise política.

O Conselho Monetário Nacional é composto pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o ministro do Planejamento, Dyogo de Oliveira e o presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn.

Sob a alegação de que é necessário simplificar a estrutura dos recolhimentos compulsórios no sistema financeiro, reduzindo custo de observância de regras e, em último caso, do custo do crédito, o Conselho Monetário extinguiu a exigibilidade adicional sobre os depósitos de poupança criada em 2002. Na criação, a exigibilidade adicional também incidia sobre captação de recursos à vista e a prazo. Sobre recursos à vista e a prazo a exigência caiu em 2012 e abril de 2017, respectivamente.

O fim do adicional sobre depósitos de poupança deverá gerar expansão monetária que será compensada com o fim do cumprimento de até 18% da exigibilidade de encaixe obrigatório sobre depósitos de poupança, utilizando financiamentos contratados nas condições do Sistema Financeiro da Habitação (SFH). O efeito líquido expansionista será de cerca de 3% do montante dos recolhimentos compulsórios prestados ao Banco Central.

Entre outras decisões tomadas na sexta, o CMN aumentou a regulamentação de um "aceite" firmado no exterior, de garantias para aplicações de investidores estrangeiros ou não residentes no Brasil. Para o Banco Central, a medida contribui para o desenvolvimento do mercado de capitais no Brasil.

É fato, porém, que a aceitação externa de garantias também ajudará estrangeiros indecisos ou reticentes a trazerem recursos para o país. Se, de um lado, essa possibilidade ajuda a diminuir a percepção de risco do investidor estrangeiro com eventuais consequências de uma mudança de presidente no Brasil; de outro, o governo - o atual ou outro - estará mais seguro de que não haverá uma interrupção no fluxo de divisas.

A ocorrência de eventos tão relevantes na sexta-feira deixa a curva de juros, neste início de semana, mais exposta a súbitos ajustes, o que já vem ocorrendo há cerca de um mês. Como resultado, as projeções do ritmo de corte para a taxa Selic adentraram num terreno de intensa instabilidade. Entre abril e maio, a probabilidade de redução da taxa básica brasileira mudou cinco vezes. A semana foi encerrada no limiar de uma sexta alteração. Eventos basicamente políticos justificaram a sequência das cinco correções já observadas.

De 3 a 7 de abril, as projeções para corte da Selic estavam divididas entre -0,75 e -1 ponto percentual; de 10 a 12 de abril, o intervalo provável de redução da taxa básica passou para -1 ponto a -1,25 ponto; de 13 a 17 de abril, a probabilidade de corte recuou a -0,75 e -1 ponto; de 18 de abril a 17 de maio, foi restabelecida a aposta de redução da Selic de -1 ponto a -1,25 ponto; de 19 a 26 de maio, esta sexta-feira, a probabilidade de baixa voltou um degrau abaixo, para -0,75 e -1 ponto.

Em tese, esse intervalo de corte, de -0,75 a -1 ponto percentual na Selic, é o ponto de partida para o ajuste da taxa básica a ser anunciado ao final da reunião do Copom. As projeções feitas por economistas e tesourarias bancárias no mercado futuro de juros podem permanecer onde estão neste início de semana. É fato, porém, que o ambiente político e econômico se move.

 

Angela Bittencourt é repórter especial e escreve às segundas-feiras.

E-mail: angela.bittencourt@valor.com.br

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4264, 27/05/2017. Brasil, p. A2.