Crise põe alta do PIB em risco de 'falso positivo'

Camilla Veras Mota e Estevão Taiar

27/05/2017

 

 

A boa notícia que o governo espera receber nesta semana - a divulgação do crescimento da economia de janeiro a março, a primeira alta em dois anos -, com fôlego para reiterar o discurso de que a economia dá sinais mais claros de retomada, corre o risco de se tornar um "falso positivo". Diante da crise política que se abriu após a delação da JBS, é praticamente consenso entre os economistas que a recuperação será mais demorada - a divergência é em relação à duração e extensão do impacto negativo do momento de incerteza.

O avanço de quase dois dígitos da atividade agropecuária é a grande força por trás do avanço de 0,9% esperado para o Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre, na comparação com o último de 2016, feito o ajuste sazonal, conforme a média de 20 projeções enviadas por consultorias e instituições financeiras ao Valor Data.

A média de estimativas para o PIB agropecuário é de 9,4%. Entre as 14 coletadas, 8 são superiores a 10%. Para os demais componentes, contudo, o resultado se aproxima de zero, evidenciando a fragilidade do dado positivo. Diante da crise política, cresce o número de analistas avaliando que o produto pode ter nova queda no segundo trimestre e que o resultado do ano, com consumidores e empresas mais cautelosos, será mais modesto do que se esperava - a média, por enquanto, está em 0,6%. Até o fechamento da coleta de projeções, muitas instituições ainda revisavam seus cenários e, por isso, preferiram não participar.

As estimativas para a variação PIB entre janeiro e março, que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulga quinta-feira, variam de 0,5% a 1,25%. Na comparação com igual intervalo do ano anterior, a expectativa é de queda de 0,3%, após tombo de 2,5% nos três últimos meses de 2016, na mesma comparação.

Assim como o PIB "cheio", o consumo das famílias, pelo lado da demanda, e os serviços, pela oferta, teriam o primeiro resultado positivo após oito trimestres consecutivos de queda, de 0,4% e de 0,3%, nessa ordem. A indústria voltaria para o azul depois de dois trimestres de recuo, com avanço de 0,8%, enquanto os investimentos, medidos pela Formação Bruta de Capital Fixo, recuariam 0,3%, depois de encolherem 1,6% no quarto trimestre, no confronto com o terceiro.

Para o economista-chefe da Mapfre Investimentos, Luis Afonso Lima, esse componente continua sendo penalizado pelo endividamento ainda elevado do setor produtivo e pela recuperação mais lenta que o esperado da indústria. Ele projeta alta de 0,8% para no primeiro trimestre, mas pondera que o desempenho pode ter uma frustração nos próximos meses, reflexo da incerteza gerada pela nova crise política, que afeta a confiança de empresários e consumidores e adia as decisões de investimento.

O cenário de instabilidade, a depender de sua duração, pode prolongar o comportamento conservador que os consumidores têm mantido durante a recessão, com reflexo sobre o desempenho do comércio e dos serviços. "É o fenômeno do empregado-desempregado", diz ele, referindo-se àqueles trabalhadores que, com medo da demissão, evitam fazer novas dívidas e gastar com supérfluos.

Mais otimista, o economista-chefe do Banco Votorantim, Roberto Padovani, espera ver nos números do IBGE indícios mais claros de que a economia está deixando a recessão para trás. Pelo lado da oferta, a indústria ainda encolhe - 0,4% em relação ao quarto trimestre do ano passado, ele calcula -, mas em ritmo mais moderado, o melhor resultado em dois anos. Os serviços, que respondem por 63% do produto, terão a primeira alta em oito trimestres, de 0,2%, destaca ele. "É claramente uma reversão".

A variável crítica, ele ressalva, é a política. "Novamente estamos tendo que trabalhar com hipóteses binárias", diz, referindo-se à polarização dos cenários dos analistas, como na época do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, desta vez conforme a expectativa em relação ao futuro do governo Temer. Caso a crise contrarie sua expectativa e se arraste, o aumento do risco fiscal levantaria "dúvidas sobre a dinâmica da dívida", podendo provocar desvalorização cambial, aumento de inflação e juros, queda nos indicadores de confiança e menor crescimento. "Quanto maior o tempo de indefinição, pior o impacto sobre o PIB".

As estimativas da MB Associados para este e para o próximo ano estão sob revisão, "à espera dos desdobramentos políticos", diz seu economista-chefe, Sergio Vale. Para ele, a crise afetará "seriamente" pelo menos o segundo e i terceiro trimestres. "A tendência é que fique algo próximo de zero [a projeção para 2017], mas vai depender muito do desenlace rápido do cenário político".

Os números da Mapfre já previam estabilidade no ano e, por isso, não foram revisados. "Nossa projeção já era cautelosa, já contemplava a expectativa de que a queda dos juros não ajudaria tanto a indústria, porque todo mundo ainda está muito alavancado", afirma Lima. Do crescimento de 0,5% previsto para o primeiro trimestre, cerca de metade virá de contribuição do setor agropecuário, que pesa apenas 8% no PIB.

Para Flávio Serrano, economista-sênior do Haitong, "muito mais do que uma recuperação da atividade, renda ou consumo, a alta do PIB no primeiro trimestre é um fator pontual". A estimativa do banco é de crescimento de 0,7% do PIB nos três primeiros meses do ano, com destaque novamente para a agropecuária do lado da oferta (4% de alta) e para as exportações (6,2%) do lado da demanda. "O setor externo basicamente contribuiu com todo o crescimento do primeiro trimestre", diz.

"Quanto maior o tempo de indefinição, pior o impacto sobre o PIB", diz Roberto Padovani, do Banco Votorantim

Passado o bom resultado agropecuário dos três meses iniciais, o Haitong espera que o PIB termine o ano estável em relação a 2016, "dada a ausência de fatores estruturais que puxem o crescimento". "A atividade está sofrendo impactos negativos, seja do passado conturbado, seja da forte correção no mercado de trabalho. Tudo isso ainda tem efeito sobre a economia", diz.

Nos cálculos de Serrano, é necessário que o PIB cresça 0,4% em cada um dos quatro trimestres apenas para que seja igual ao do ano passado. Mas, com as incertezas criadas pela crise política, até a estabilidade pode não se concretizar. "Se o terceiro trimestre ficar de lado, a recuperação já foi [embora]", diz.

Na ponta mais otimista, Helcio Takeda, economista da Pezco, calcula crescimento de 1,2% do PIB na margem e de 2% no ano. As projeções, no entanto, foram influenciadas pelas mudanças metodológicas na Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) e pela Pesquisa Mensal de Serviços (PMS). Após as alterações nos cálculos promovidas pelo IBGE, os dados da PMC de janeiro, por exemplo, foram revisados de queda de 0,7% para alta de 6%, o maior número da série histórica.

Embora o IBGE use outros dados além das pesquisas para calcular o PIB, a Pezco se baseia em informações da PMC e da PMS para estimar os resultados dos trimestres anteriores. Assim, Takeda calcula que os serviços terão alta de 0,48% no primeiro trimestre - resultado que, devido às mudanças metodológicas, não necessariamente foi percebido no bolso de comerciantes e prestadores de serviços. "Do ponto de vista de sensação térmica, acho que ninguém sentiu um desempenho tão bom assim", diz.

Outro efeito que colabora com a expectativa "bastante otimista" é a herança estatística positiva que a indústria trouxe de dezembro. Naquele mês, o setor cresceu 2,4%, segundo a Pesquisa Industrial Mensal (PIM), mas depois teve duas quedas (0,4% e 1,8%) e um mês de estabilidade. Como o desempenho fraco não foi suficiente para reduzir o patamar a partir do qual a indústria começou o ano, Takeda espera alta de 1,96% para o PIB do setor.

No caso de todos esses segmentos, "o efeito estatístico metodológico foi muito mais impactante do que a recuperação de fato na atividade", diz. A situação é diferente no campo, onde a agropecuária deve apresentar crescimento de 9,71% no primeiro trimestre. "Nesse caso, o número vem em linha com a sensação térmica do que aconteceu de fato", afirma.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4264, 27/05/2017. Brasil, p. A4.