Risco político turva cenário do Copom

Alex Ribeiro

31/05/2017

 

 

Cerca de 80% dos analistas econômicos preveem que, para evitar adicionar volatilidade num mercado já bastante instável, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central deverá seguir o roteiro sinalizado e fazer um corte de um ponto percentual na taxa básica de juros, de 11,25% ao ano para 10,25% ao ano, em reunião que termina hoje. A aposta corrente é que o comunicado a ser divulgado logo após o encontro será bem neutro, também para evitar ruídos. Mas, dado o alto grau de incerteza política, será inevitável, em algum momento, o BC se pronunciar sobre a crise.

Na verdade, o presidente da instituição, Ilan Goldfajn, já começou a comunicar como a turbulência política poderá afetar as decisões de política monetária. Logo nos primeiros dias após a divulgação da delação premiada dos irmãos Wesley e Joesley Batista, quando a cotação do dólar superou R$ 3,40, Ilan disse que o BC pretende continuar operando o arroz com feijão do sistema de metas de inflação, o que inclui usar a flexibilidade inerente a esse regime para acomodar o choque cambial provocado pelo escândalo.

A crise política assusta pelo risco de faltar acordo para fazer o ajuste fiscal, tornando a dívida pública impagável e inviabilizando o regime de metas de inflação. O Brasil esteve bem perto disso na virada de 2015 para 2016, quando a inflação chegou a 10,7% e ganhou força entre os especialistas a tese de que a economia estaria vivendo sob dominância fiscal.

O diagnóstico do Banco Central, hoje, é que a credibilidade do regime de metas foi restabelecido, depois de o Copom ter mantido os juros mais altos em fins do ano passado para reancorar as expectativas de inflação. Nessas circunstâncias, a política monetária pode ser mais flexível para lidar com choques de oferta e para cuidar da fraca atividade econômica.

Já às vésperas do Natal de 2016 o BC comunicou que estava confortável com o grau de ancoragem das expectativas de inflação e que estava pronto a acomodar os efeitos primários de um eventual choque de oferta negativo. Naquela época, o grande receio era uma alta do dólar ligada à política econômica de Trump. O que ocorreu, porém, foi a queda dos preços dos alimentos.

A estratégia do BC foi tratar com simetria esse choque positivo. Ou seja, acomodar os seus efeitos primários, permitindo que a inflação caísse abaixo da meta, beneficiando-se apenas dos ganhos mais permanentes sobre as expectativas. Graças a esse comportamento, hoje são menores os riscos de o Copom ser considerado oportunista por acomodar os feitos primários do choque cambial provocado pela crise política.

Com a taxa de câmbio oscilando entre R$ 3,25 e R$ 3,30, como ocorreu nos últimos dias, é bem provável que as projeções de inflação a serem apresentadas ao colegiado vão indicar o cumprimento das metas de 2017 e 2018. Como as expectativas seguem bem ancoradas e a atividade econômica se mostrou mais fraca ultimamente, haveria espaço até para cortes mais fortes do que o um ponto percentual esperado.

Mas a aparente tranquilidade dessas projeções esconde os riscos que estão diante dos membros do Copom na reunião de hoje. Se o colegiado cortar os juros menos do que um ponto percentual, como creem menos de 20% dos analistas econômicos, será por causa dessas incertezas. Nos últimos dias, circularam rumores de que o Banco Central teria avisado que colocaria o pé no freio devido a perspectiva de o BNDES emprestar mais depois que a ex-presidente Maria Silvia Bastos Marques foi substituída pelo economista Paulo Rabello de Castro. Mas o BC está em período de silêncio, e os boatos são atribuídos ao fogo amigo de setores do próprio governo.

Nas suas reuniões, o comitê sempre outras projeções de inflação, com cenários econômicos alternativos. Hoje, essas projeções devem atribuir um risco bem maior de não aprovar a Reforma da Previdência do que o examinado na última reunião do Copom, de abril. Esses riscos podem até pesar menos nessa reunião, quando os juros estão bem altos, mas podem ser cruciais nos próximos encontros.

Nos seus documentos oficiais, o BC já citou os possíveis desdobramentos de uma eventual frustração das reformas fiscais: a queda da inflação não se mostraria sustentável ao longo do tempo, a política monetária perderia eficácia e a taxa de juros estrutural da economia provavelmente não cairia dos altos níveis atuais. São fatores que, em tese, podem levar a um ritmo menor de queda dos juros ou um ciclo de distensão monetária menos ambicioso.

O BC também já havia apontado o risco na tramitação da Reforma da Previdência como argumento para não cortar mais os juros em abril, quando já estavam presentes as condições para uma baixa de 1,25 ponto percentual. Naquele momento, porém, o Copom parecia tratar a não aprovação como um risco de cauda, ou seja, um evento difícil de ocorrer, mas com impactos potenciais grandes.

A discussão entre os especialistas era sobre o grau de diluição do projeto enviado pelo governo. O bom cenário era aprovar mais de 70% da proposta original; se ficasse um pouco abaixo de 70%, daria para seguir tocando o barco; abaixo de 50% poderia ter impactos negativos no risco Brasil e inclusive na avaliação das agências de rating. Naquele período, o mercado ficou bastante volátil tentando ler como Copom iria avaliar cada passo na tramitação das reformas. Agora, com chances reais de a proposta do governo não passar, os impactos desse risco sobre os preços dos ativos tendem a ser maiores.

Diante de tamanha incerteza, parece natural que o Banco Central venha a dizer de forma mais direta como o risco político afetará decisões futuras - se não no comunicado do Copom, que é mais sucinto, talvez na ata da reunião ou no Relatório de Inflação de junho.

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Alex Ribeiro é repórter especial

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4266, 31/05/2017. Brasil, p. A2.