Empresas iniciavam plano de investir em 2017

Thais Carrança

31/05/2017

 

 

O ano de 2017 pode estancar a queda generalizada de investimentos das companhias brasileiras de capital aberto, se a crise política deflagrada pelas delações da JBS não reverter a decisão das empresas. Segundo levantamento do Valor, mais empresas têm a intenção de ampliar aportes neste ano, em relação a 2016, do que de reduzi-los. No ano passado, o cenário era inverso, com a maioria dos grupos cortando gastos, em meio a esforço de desalavancagem.

Como os orçamentos de investimentos das companhias para 2017 foram traçados antes do turbilhão político das últimas semanas, na perspectiva de analistas, a instabilidade pode eventualmente adiar o momento de recuperação dos aportes de capital.

Apesar da ligeira melhora, o panorama de investimentos ainda não é motivo para comemoração. Muitas empresas ainda têm desembolsos com bens de capital abaixo do padrão histórico. E o crescimento das despesas de capital, em boa parte delas, serve apenas para repor a depreciação - o que havia sido deixado de lado no auge da crise econômica.

Levantamento com 45 empresas listadas que divulgaram projeções - um dado que não é obrigatório - mostra que os investimentos previstos para este ano totalizam R$ 117,5 bilhões, valor praticamente estável em relação a 2016 (R$ 118,7 bilhões), com variação negativa de 1%. No ano passado, na comparação com 2015, a queda havia sido de 20%, considerada a mesma amostra.

Apesar do montante consolidado de investimentos mostrar estabilidade, a análise de dispersão traz um cenário mais positivo. Do universo de 45 companhias, 24 pretendem ampliar aportes em 2017, frente ao ano passado, 15 planejam reduzir investimentos e seis, mantê-los estáveis. No ano passado, 27 dessas empresas reduziram gastos com bens de capital, 12 aumentaram e 6 mantiveram os aportes em mesmo nível, em relação a 2015.

O levantamento foi feito a partir de números divulgados em releases e apresentações de resultados do quarto trimestre de 2016 e primeiro trimestre deste ano, além de teleconferências e entrevistas de executivos. Foram consideradas como crescimento projeções com variação maior que 5% em relação ao ano anterior, e queda, variações menores que -5%. O intervalo entre esses dois pontos foi avaliado como estabilidade. Valores em dólares foram convertidos para reais, considerando a taxa de câmbio de cada período.

"As empresas estão com capacidade instalada sobrando. O primeiro movimento, principalmente no segmento industrial, é de voltar a investir em manutenção", diz o analista Marco Saravalle, da XP Investimentos. "A crise foi tão atípica que o empresariado não investiu nem [para repor] a depreciação, então a primeira coisa a fazer será reativar máquinas paradas, não retomar investimentos de expansão."

Segundo Daniel Gewehr, estrategista do Santander, há cerca de cinco anos, as empresas da bolsa estavam investindo 210% da depreciação. No trimestre passado, esse patamar ficou em cerca de 105% da depreciação, mas o número é inflado por setores como papel e celulose, que está no fim de um ciclo de expansão.

Considerado um índice de difusão, as companhias em geral estavam investindo cerca de 70% a 80% da depreciação, afirma. "Com o passar do tempo, elas devem ir convergindo para a depreciação, na média. Então deve haver uma melhora gradual [dos investimentos], mas não uma recuperação em V", diz Gewehr.

Segundo ele, uma pequena parcela do avanço do Produto Interno Bruto (PIB) projetado para 2017 e 2018 vem dos investimentos, devido a esse movimento de convergência para a depreciação.

A Usiminas, por exemplo, reduziu seu investimento em 70% em 2016, para R$ 225 milhões, ante R$ 784 milhões em 2015. No ano passado, em meio à forte queda na demanda siderúrgica, com os setores de construção e automotivo em retração, a companhia desligou altos-fornos, reduzindo sua capacidade.

Para 2017, anunciou um orçamento de capital de R$ 300 milhões, com incremento de 33% na comparação com 2016. "É um nível ainda bastante baixo comparado com o passado", observou em fevereiro Ronald Seckelmann, diretor financeiro da siderúrgica.

São diversos os casos semelhantes, de empresas que pretendem ampliar aportes neste ano, mas na comparação com um 2016 de "terra arrasada". A Mills, de serviços de engenharia, cortou seus aportes de R$ 28,3 milhões em 2015 para meros R$ 5,5 milhões no ano passado.

Para 2017, o orçamento é projetado entre R$ 30 milhões e R$ 35 milhões. "Visto que o mercado está retraído e que a companhia reconheceu prejuízo de R$ 99,4 milhões em 2016, o investimento total será baixo", diz a empresa, em relatório que acompanha o balanço do primeiro trimestre. Com construtoras envolvidas na operação Lava-Jato entre seus maiores clientes, a Mills tem lutado pela sobrevivência nos últimos anos.

Considerando os grupos que planejam uma elevação de fato nos investimentos, a lista é escassa. Figuram, por exemplo, as transmissoras de energia e concessionárias de rodovias. O setor de transmissão retoma aportes, após leilões bem-sucedidos e um melhor ambiente regulatório.

A Cteep, por exemplo, tem um orçamento de R$ 514 milhões para 2017, ante R$ 192 milhões realizados no ano passado - um aumento de 168%. A companhia suspendeu a participação em leilões e postergou projetos nos últimos anos, enquanto aguardava a definição sobre indenizações a que tinha direito, após a renovação antecipada de concessões pela Medida Provisória 579/2012.

Já a EcoRodovias planeja desembolsar R$ 912 milhões neste ano, ante R$ 624 milhões em 2016. O incremento nos investimentos, de 46%, será o primeiro após dois anos de retração. Em 2016, segundo a companhia, o corte no montante foi devido à necessidade de disciplina financeira e busca por eficiência.

Na outra ponta, entre as empresas que estão reduzindo aportes, estão aquelas que encerram ciclos de investimento em grandes projetos, como a mineradora Vale e as produtoras de celulose Fibria e Klabin. Ou a operadora de telefonia TIM, que no seu novo plano trienal para o período de 2017 a 2019 prevê aumento de receita e investimento menor.

Com o maior volume de aportes entre as empresas listadas, a Petrobras reduziu em maio sua projeção de despesas de capital (capex, no jargão do mercado) para US$ 17 bilhões (cerca de R$ 54 bilhões) em 2017, ante estimativa anterior de US$ 20 bilhões - um corte de 15%. O valor está acima dos R$ 48 bilhões aplicados no ano passado - quando a estatal apertou a torneira, em meio ao esforço para manter seu fluxo de caixa livre positivo e se desalavancar -, mas bem abaixo dos R$ 71 bilhões de 2015, como parte da nova disciplina de capital da estatal.

Se o cenário para investimentos já não era promissor quando as empresas elaboraram seus orçamentos ao fim do ano passado e início deste ano, a situação fica ainda mais delicada diante do turbilhão político das últimas semanas.

"A perturbação do cenário político só vem a adiar ainda mais esse momento de recuperação do investimento", avalia Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). "Isso vai ser tão mais agudo, quanto mais lento for o equacionamento do problema político", afirma.

Para Luis Gustavo Pereira, estrategista da Guide Investimentos, uma recuperação maior dos aportes deve acontecer apenas depois das eleições de 2018. "O ciclo de investimentos se encerrou há alguns anos. Alguns poucos setores, como celulose, acabaram investindo mais tardiamente", afirma o analista.

"O que vemos agora são as empresas investindo para se tornarem mais eficientes e menos em aumentar capacidade produtiva", diz Pereira. Na opinião do estrategista, o incremento de investimentos em produção deve ficar para o longo prazo, em 2019 e 2020. Isso porque 2018 também não deve ter uma retomada significativa, devido ao fato de ser um ano eleitoral.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4266, 31/05/2017. Brasil, p. A3.