Como driblar o Estatuto do Desarmamento

03/08/2017

 

 

O referendo sobre o comércio de armas foi vencido por quem desejava mantê-lo. Assim se deu, mas regras estabelecidas pelo Estatuto do Desarmamento para reduzir uma perigosa liberalidade na posse e porte de armamentos foram mantidas. E ainda lançadas campanhas de recolhimento espontâneo de revólveres, pistolas etc.

O resultado foi a queda, comprovada em estatísticas, de mortos e feridos. Além do drama humano, reduziram-se gastos no atendimento da rede de saúde pública. Mas este círculo virtuoso é combatido, em nome do suposto direito à autodefesa, algo discutível pelo fato de o Estado ter — ou precisar ter — o monopólio da violência, em defesa da Constituição.

O fato de o Brasil ter elevado índice de homicídios — 26 por cem mil habitantes em média, mas com regiões em que este índice atinge níveis de conflito armado aberto — deveria levar a um maior controle das armas. Mas não é infelizmente o que acontece.

Há ativo lobby pró-armas no Congresso, com uma bancada que era financiada em campanhas por fábricas do setor, quando este financiamento era legal. Está em andamento um trabalho de implosão do Estatuto do Armamento, com projetos para facilitar a posse e porte de armas.

O GLOBO de domingo revelou um atalho para contornar as exigências que a Polícia Federal faz para o registro de armas: o Exército, responsável por conceder licença a caçadores, atiradores e colecionadores, os CACs. Os números deram um salto em 2016, ano em que foram emitidas 20.575 autorizações, mais 185% que no ano anterior, 2015, quando as licenças somaram 7.215.

Num prazo mais longo, de 2005 a 2017, o contingente de pessoas com essas licenças válidas subiu 395%, de 14.024 para 73.615. Não que inexistam a atividade de competição de tiros em clubes e colecionadores. Mas o salto nas estatísticas indica uma muito provável migração de interessados em armas dos guichês da Polícia Federal para os balcões menos exigentes do Exército. Competidor e colecionador têm interesses muito específicos, mas é fato que seja pelos registros da PF ou Exército muitas armas estão sendo colocadas de alguma em circulação.

Diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio Lima diz que “o governo federal já deveria ter acendido uma luz vermelha, para saber se o fenômeno não é uma burla ao Estatuto do Desarmamento”. Mas, ele reconhece, o governo faz movimento inverso, recua diante do lobby das armas.

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O globo, n.30677 , 03/08/2017. EDITORIAL, p. 20