Brasília lidera prejuízos com quadrilhas

Alexa Salomão, Daniel Bramatti e Marcelo Godoy

19/06/2017

 

 

Operações da PF no Distrito Federal contabilizam prejuízos de R$ 70,9 bilhões entre 2013 e 2017; máfias atuam próximas do poder nacional

Centro do poder nacional, o Distrito Federal é a unidade da Federação que concentra 57,2% – R$ 70,9 bilhões – dos prejuízos apurados pela Polícia Federal em 2.056 operações que investigaram organizações criminosas de 2013 a 2017. O mapa do que os especialistas chamam de máfias revela uma característica desse tipo de crime: a proximidade com o Estado.

“As organizações criminosas são sempre parasitárias. Essa, aliás, é uma definição do juiz italiano Giovanni Falcone”, afirmou o juiz aposentado e estudioso das organizações mafiosas Wálter Maierovitch. Falcone foi assassinado em 1992, em Palermo, na Sicília, pela máfia.

“Cria-se um estado paralelo, que é aquele que gruda no Estado, atua ao seu lado. A Odebrecht, por exemplo, agia como uma organização parasitária.” Parte desse protagonismo do Distrito Federal se explica pelo fato de que entre os inquéritos de 82 operações feitas pela Superintendência Regional da PF na capital federal estão grandes casos como Greenfield (prejuízo de 53,8 bilhões), Acrônimo (R$ 5,8 bilhões), Zelotes (R$ 5,4 bilhões) e Janus (R$ 4,3 bilhões).

As operações apuram desvios de verbas públicas, crimes financeiros de órgãos públicos e delitos tributários ligados à corrupção de agentes públicos. O Estado mostrou ontem que o País perdeu, em quatro anos, R$ 123 bilhões em razão da atuação das organizações criminosas.

Os investigados também têm relação com o DF. Incluem a elite da política que vive ou trabalha no Planalto Central, bem como os empresários que por lá circulam. É por isso que o corretor da bolsa Lúcio Funaro está preso em Brasília e o dono da JBS, Joesley Batista, também presta depoimentos lá.

Na lista de políticos, por sua vez, figuram o alto comando de partidos, como o senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG).

Outros estão há anos causando polêmicas em Brasília e não é a primeira vez que têm o nome envolvido em ilícitos. É o caso do ex-ministro Geddel Vieira Lima, que estava no primeiro grande escândalo de corrupção do País após o fim da ditadura: os anões do Orçamento, em que, depois, foi absolvido.

Lava Jato. A Superintendência do Paraná é a segunda que mais detectou prejuízos causados por organizações criminosas no País – graças à Lava Jato e ao combate do crime na fronteira com o Paraguai. Foram R$ 19,4 bilhões, dos quais R$ 13,8 bilhões nas diversas fases da Lava Jato, e R$ 4,5 bilhões ligados ao contrabando de mercadorias alvo da Operação Celeno.

O terceiro lugar no ranking é reservado ao Rio Grande do Sul por causa de duas operações: a Enredados (R$ 5,1 bilhões) e a Huno (R$ 2 bilhões). Em suas duas fases em 2015 e 2016, a Enredados investigou esquema de propinas no extinto Ministério da Pesca, no governo Dilma Rousseff, e de funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Ao todo, 90 acusados foram indiciados pelos federais sob a acusação de corrupção e crimes ambientais – 27 eram funcionários públicos. A Operação Huno investigou o mercado clandestino de cigarros.

São Paulo ocupa apenas o quarto lugar neste ranking, com R$ 3,9 bilhões. Muitos dos Estados com menor quantidade de prejuízos estão em regiões de fronteira, como o Acre, Rondônia e Mato Grosso do Sul. Outro dado surpreendente é o pequeno papel da criminalidade comum nos dados da PF. Ali o tráfico de drogas seria responsável por danos de apenas R$ 76 milhões, enquanto que os ladrões de banco, que usam explosivos e armas de fogo, teriam causado um prejuízo de R$ 125 milhões aos cofres públicos.

Segundo o sociólogo Guaracy Mingardi, especialista em criminalidade organizada, haveria uma razão para justificar a disparidade: “É muito mais fácil trabalhar casos que envolvem empresários e políticos do que os que envolvem traficantes”.

Economia. A PF calculou ainda qual o tamanho do prejuízo evitado pelas operações em cada unidade da Federação. Mais uma vez, o Distrito Federal lidera, com R$ 45,2 bilhões, dos quais R$ 20 bilhões em apenas uma ação: a Operação Quatro Mãos, que apurou um esquema de propina denunciado pelo Banco Itaú no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). O segundo maior prejuízo evitado por uma operação foi na Acrônimo (R$ 12 bilhões).

Também em Brasília estão os mais altos valores apreendidos e sequestrados – R$ 11 bilhões só durante a Operação Greenfield.

Nessa lista, a Lava Jato ficou em 2.º lugar, com a recuperação de R$ 5,1 bilhões.

A ELITE POLÍTICA NA MIRA

Lula (PT-SP)

Réu em três ações na Lava Jato, o ex-presidente se diz vítima de perseguição

Aécio Neves (PSDB-MG)

Investigado em cinco inquéritos na Lava Jato, outro na PGR e na Patmos, senador se diz inocente

Guido Mantega (PT-SP)

Alvo na Lava Jato, Greenfield, Arquivo X e Bullish, o ex-ministro nega todas as acusações

Geddel (PMDB-RJ)

]Investigado nas Vigilante e Cui Bono?, o ex-ministro diz não ter participado de ilegalidades

João Vaccari Neto (PT-SP)

Preso na Lava Jato, ex-tesoureiro do PT está na Greenfield e Custo Brasil se declarando inocente

Cunha (PMDB-RJ)

Preso na Lava Jato, está em Greenfield, Sépsis e Cui Bono?; Cunha nega acusações

O IMPACTO EM CADA ESTADO

PR

19,406

DF

R$ 70,9 bilhões

Correspondem a 57,2% do total de perdas ao País provocadas pelas organizações criminosas investigadas pelo PF entre 2013 e 2017. Proximidade com o poder explica liderança de Brasília, segundo especialistas

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Metade do prejuízo do País é causado por delito financeiro

 Alexa Salomão, Daniel Bramatti e Marcelo Godoy
19/06/2017
 
 
PF apurou que, dos R$ 123 bi perdidos pelo País em razão das quadrilhas, R$ 69,5 bi foram crimes financeiros

Quase metade do prejuízo causado por organizações criminosas sob investigação pela Polícia Federal envolve grupos que praticaram delitos financeiros. Eles são responsáveis por R$ 69,5 bilhões dos R$ 123 bilhões apurados pelos investigadores.

O desvio de verbas públicas responde por R$ 21,9 bilhões. Os rombos causados pelas máfias que atuam nesses dois setores ultrapassaram em 2015 a tradicional conta apresentada ao País pelos delitos tributários, como a sonegação de impostos.

Especialistas consideram essa mudança no perfil como mais um “efeito Lava Jato”. “Especialmente em Brasília, no Rio e em Curitiba”, afirmou o procurador da República Andrey Borges de Mendonça. Foram justamente operações como a Lava Jato, Greenfield, Acrônimo e Zelotes que, a partir de 2015, deram outra dimensão aos prejuízos investigados pela PF.

Desde então, as organizações envolvidas em crimes fazendários deixaram de ocupar o primeiro lugar do ranking dos prejuízos.

Caíram para o quarto lugar em 2016. Acabaram ultrapassadas pelos delitos financeiros e pelo desvio de verbas públicas, além dos crimes ambientais.

“Há uma demanda maior de apuração dos delitos ligados à corrupção, há uma preocupação social, o que pode ter levado as autoridades dos diversos órgãos a dar um enfoque especial para esses delitos”, afirmou Mendonça.

Em 2014, a PF havia apurado prejuízos de R$ 198 milhões ligados a desvios de verbas. No ano seguinte, esse valor subiu para R$ 2,5 bilhões e chegou a R$ 18,7 bilhões em 2016. Os crimes financeiros saíram de R$ 2,72 bilhões (2014) para alcançar R$ 51,6 bilhões em 2016. Já os fazendários, que somavam em 2014 R$ 3,2 bilhões, registraram R$ 9,1 bilhões no ano passado.

Os delitos ambientais – garimpos ilegais de ouro ou pedras preciosas, desmatamento ilegal e fraudes na licença de pesca – movimentaram no mesmo período no País R$ 10,9 bilhões, excluído da conta o prejuízo de R$ 20 bilhões contado pela PF em razão do rompimento da barragem da mineradora Samarco, em Mariana, Minas, em 2015.

Doleiros. Para o juiz aposentado e especialista em crime organizado Wálter Maierovitch, a Lava Jato só foi possível por causa da Convenção de Palermo, feita pelas Nações Unidas para o combate ao crime organizado. “O Brasil depois de anos adotou um tipo penal (definiu como crime), atendendo à convenção, de organização criminosa. O objetivo da convenção era combater as máfias financeiras, as organizações criminosas transnacionais e os aderentes, os lavadores de dinheiro, os doleiros”, diz.

No entanto, ao pegar os que lavavam e reciclavam o dinheiro dos bandidos comuns, as investigações expuseram os esquemas mantidos por organizações que desviavam verbas públicas e praticavam crimes financeiros.

Foi desse ponto de partida que saiu a Operação Lava Jato.

Segundo o Ministério Público Federal (MPF), em agosto e setembro de 2013, US$ 124 milhões foram enviados da Europa para ao Brasil a fim de pagar fornecedores de cocaína na Bolívia.

Para tanto, três pessoas ligadas ao doleiro Alberto Youssef teriam usado contas bancárias de um posto de gasolina em Brasília e de uma empresa em Curitiba. Youssef foi absolvido, mas os outros três réus foram condenados por lavagem de dinheiro do tráfico pelo juiz Sérgio Moro. / A.S., D.B. e M.G.

Demanda

“Há uma demanda maior de apuração dos delitos ligados à corrupção, há uma preocupação social, o que pode ter levado as autoridades dos diversos órgãos a dar um enfoque especial para esses delitos.”

Andrey Borges de Mendonça

PROCURADOR DA REPÚBLICA

 

O Estado de São Paulo, n. 45170, 19/06/2017. Política, p. A8