Em Curitiba, 1/3 dos presos fecha delação premiada

Marianna Holanda e Elisa Clavery

17/06/2017

 

 

Dos 93 detidos preventivamente na Lava Jato, 31 aderiram a acordo de colaboração; MPF diz que só há restrição em caso indispensável

Cruzamento de dados do Ministério Público Federal (MPF) e da Justiça Federal no Paraná, feito pelo Estado, mostra que, dos 93 alvos de mandados de prisão preventiva, em Curitiba, 31 tornaram-se colaboradores, o equivalente a um terço do total. Não há dados de outros Estados consolidados na Lava Jato.

Segundo o levantamento, entre os presos preventivos, 16 assinaram acordo enquanto presos. É o caso do lobista Milton Pascowitch, que saiu do regime fechado e foi para o domiciliar duas semanas após acertar sua delação, considerada crucial na prisão do ex-ministro José Dirceu (PT). A outra parte – 15 presos – ganhou liberdade antes de fechar o acordo.

O advogado dos ex-marqueteiros do PT João Santana e Mônica Moura, Juliano Prestes, confirmou que a negociação do casal começou na prisão, porém só foi fechada após sua soltura. Condenados em fevereiro deste ano, os responsáveis por campanhas eleitorais do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da presidente cassada Dilma Rousseff assinaram a colaboração premiada sete meses após ter a preventiva revogada.

No Código Penal, não há determinação do período de preventivas, o que colabora para embates jurídicos.

De um lado, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes criticam as “alongadas prisões”. De outro, o juiz Sérgio Moro defende o modelo como “essencial”.

Para a Procuradoria da República no Paraná, o uso dessas medidas é excepcional. “A prisão preventiva só ocorre em casos em que a restrição de liberdade é indispensável para proteger a sociedade”, afirmou, por meio de nota. Segundo a Justiça do Paraná, Moro já se manifestou sobre o tema em sentenças.

Análise. Para o professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Antônio Carlos da Ponte, a prisão preventiva não é fator determinante para alguém fazer acordo. “Quem delata tem uma preocupação muito maior com a sentença penal condenatória”, disse.

A vontade de minimizar o constrangimento com a própria imagem também influencia. “Os delatores são pessoas que desfrutam de poder político e econômico, muitas com mandatos, e isso acaba trazendo uma pressão tanto para abrandar a condenação quanto para ter a imagem o menos atingida possível”, afirmou Ponte.

Para Pedro Serrano, docente de Direito Penal na mesma universidade, a proporção de um terço de colaboradores do total de presos preventivos é alta. O mais preocupante, porém, é o número de presos em medida cautelar. “É um comportamento do sistema penal brasileiro”, disse, lembrando que o País tem a quarta maior população carcerária do mundo.

Corrida. Outro problema é a “corrida” pela colaboração. O Estado antecipou que a força-tarefa de Curitiba avalia que os ex-ministros da gestões petistas Guido Mantega e Antonio Palocci tornaram-se possíveis “delatores concorrentes”. Os dois podem apresentar fatos semelhantes e só haveria acordo com um deles.

O professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP) Sergio Salomão Shecaira comparou a situação a um mercado de peixe. “Quem gritar mais vai vender, independentemente da qualidade”, apontou.

No caso dos ex-ministros, segundo Shecaira, a delação tornou-se a única saída. “Palocci e Mantega se deram conta, tardiamente, que serão condenados. O processo lá (em Curitiba) está sendo conduzido para condenar todo mundo”, afirmou.

- Preocupação

“Quem delata tem preocupação com sentença penal condenatória.”

“(Prisão provisória) É um comportamento do sistema penal brasileiro.”

Antônio Carlos da Ponte

PROFESSOR DE DIREITO PENAL

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60% dos condenados a regime fechado estão soltos

Valmar Hupsel Filho e Daniel Bramatti

17/06/2017

 

 

Perdão judicial aos empresários do Grupo J&F reacende debate sobre benefício recebido por delatores

O perdão judicial aos empresários do Grupo J&F, Joesley e Wesley Batista, reacendeu o debate sobre a extensão da contrapartida concedida aos colaboradores da Operação Lava Jato.

Até então, o maior benefício recebido por delatores havia sido a redução da pena ou a atenuação da forma a ser cumprida.

Em uma amostra de 26 acordos analisados pelo Estado, por exemplo, 60% dos réus condenados ao regime fechado escaparam de ficar atrás das grades após firmarem acordos de colaboração premiada.

Para o procurador da República Januário Palubo, integrante da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, os benefícios dados aos delatores, não só os concedidos aos irmãos Batista, estão longe de se configurarem impunidade.

Ele diz que se trata de contrapartidas proporcionais à quantidade e à qualidade das informações prestadas pelos delatores.

Falando em tese sobre a delação da J&F, já que não participou diretamente das tratativas que resultaram no acordo, Palubo afirma que as informações fornecidas pelos delatores justificam os benefícios recebidos por eles.

O conjunto de relatos e provas documentais apresentado pelos irmãos Batista e por Ricardo Saud, executivo da J&F, holding que inclui a JBS, resultou na abertura de inquérito contra o presidente da República, Michel Temer, no afastamento do senador Aécio Neves (PSDBMG) e na prisão do ex-assessor especial da Presidência Rodrigo Rocha Loures, entre outras consequências.

Fórmula. Com larga experiência em acordos de colaboração premiada, Palubo diz que não há uma fórmula matemática para contrapor as informações dos delatores e os benefícios dados a eles. “É feito caso a caso”, disse.

O procurador defende a delação com argumentos que vão além da vantagem de encurtar os caminhos da investigação. Segundo ele, os acordos permitem a execução imediata das penas.

“Antigamente era muito difícil alguém cumprir pena por corrupção ou lavagem de dinheiro porque as defesas recorriam quase que infinitamente às instâncias superiores. Ao firmarem os acordos, os colaboradores obviamente abdicam de recorrer das condenações e passam a cumprir pena imediatamente”, diz.

 

O Estado de São Paulo, n. 45168, 17/06/2017. Política, p. A8