Fachin pode atrasar envio de denúncia contra Temer

Beatriz Bulla / Tânia Monteiro / Igor Gadelha / Julia Lindner

15/06/2017

 

 

GOVERNO SOB INVESTIGAÇÃO / Entendimento no Supremo é de que ministro-relator do inquérito que investiga presidente deve pedir novas manifestações das partes antes de encaminhar acusação para a Câmara

 

 

A estratégia do governo de tentar acelerar na Câmara a análise da denúncia que será oferecida pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer esbarra numa questão jurídica. Antes de ser encaminhada ao Congresso, a acusação formal pode ficar ao menos 20 dias no Supremo Tribunal Federal (STF).

Há um entendimento na Corte de que o ministro-relator do caso, Edson Fachin, deve, antes de enviar a denúncia para o Congresso, pedir a manifestação das partes para “aparelhar” a acusação – como se a discussão fosse ser levada ao plenário. Pela Constituição, a Câmara precisa admitir a denúncia contra o presidente antes de o Supremo julgar se abre ou não uma ação penal.

Aliados do governo na Câmara articulam para que a votação seja analisada em, no máximo, 10 dias, antes do início do recesso parlamentar. O recesso está previsto para começar em 18 de julho. Em regime normal, essa tramitação duraria pelo menos 30 dias. “Tem que votar antes do recesso”, afirmou Beto Mansur (PRB-SP), vice-líder do governo na Casa.

O Palácio do Planalto quer acelerar a tramitação da denúncia na Câmara com a confiança de que o plenário vai recusar a autorização para o Supremo julgar a acusação contra o presidente.

A avaliação no governo é de que a demora pode aumentar o risco de surgirem fatos novos relativos ao inquérito. Temer é investigado pelos crimes de corrupção passiva, obstrução de Justiça e organização criminosa com base na delação de Joesley Batista, dono da JBS.

Outro temor no governo é de que a demora passe uma sensação de paralisia da gestão. O Palácio do Planalto avalia que as discussões sobre a reforma da Previdência no Congresso só poderão ser retomadas após a tramitação da acusação formal da Procuradoria-Geral da República na Câmara.

 

Prazos. Se Fachin decidir abrir prazo para defesa prévia dos acusados e depois solicitar resposta do Ministério Público, a denúncia poderá ser encaminhada para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), após o início do recesso.

A expectativa é de que Janot envie a acusação ao Supremo no dia 23 de junho, uma sexta-feira, pouco mais de 20 dias corridos antes do recesso. A adoção desse procedimento, admitido nos bastidores por ministros do Supremo, vai depender da decisão de Fachin.

Há ainda jurisprudência no STF que admite prazo em dobro nos casos de acusação contra mais de um investigado com advogados diferentes. Assim, no lugar de 15 dias para defesa, o presidente e o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), que também deve ser denunciado, teriam 30 dias.

No momento, no Palácio do Planalto, a avaliação é de que não há clima nem interesse em se falar em suspensão de recesso dos trabalhos no Congresso.

Auxiliares de Temer lembram que mesmo durante o processo de impeachment da presidente cassada Dilma Rousseff não foi possível manter deputados e senadores trabalhando.

 

Suspensão. Em almoço com deputados do PSB anteontem, Maia afirmou que, se necessário, pedirá a suspensão do recesso. Procurado, o parlamentar fluminense evitou comentar o assunto e disse que só tratará do tema quando a denúncia for enviada pela Procuradoria-Geral da República.

Líderes governistas dizem, porém, que há forte resistência dos parlamentares a suspender o recesso de julho, mês de férias escolares. Já o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB -CE), afirmou que o período de férias está mantido entre os dias 18 e 31 de julho.

Para que o Congresso Nacional seja convocado extraordinariamente no mês de julho há dois caminhos regimentais. O primeiro deles é a convocação conjunta dos presidentes da Câmara e do Senado. O segundo é a aprovação de requerimento nesse sentido pela maioria absoluta dos integrantes das duas Casas, ou seja, por pelo menos 257 deputados e 42 senadores.

Interlocutores do governo lembram, porém, que há ainda uma terceira via, considerada ainda mais fácil. Oficialmente, o Congresso só pode entrar em recesso em julho se aprovar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Caso não aprove, Câmara e Senado entram no chamado “recesso branco”, quando oficialmente parlamentares não estão em recesso, mas não há sessões no plenário e nas comissões. 

 

Celeridade

“Tem que votar (a análise da denúncia contra o presidente Michel Temer) antes do recesso.”

Beto Mansur (PRB-SP)

VICE-LÍDER DO GOVERNO NA CÂMARA DOS DEPUTADOS

 

RITO

● O ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo, autorizou inquérito contra Michel Temer com base na delação da JBS; Procuradoria-Geral da República deve apresentar denúncia

 

Passo a passo de uma eventual denúncia

 

1 Acusação formal

Se o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentar denúncia contra Temer no Supremo, a Corte precisará de uma autorização da Câmara dos Deputados para abrir ou recusar uma ação penal

2 Defesa

Antes do envio do caso à Câmara dos Deputados, o ministro-relator do processo no Supremo terá de notificar a defesa do presidente para uma manifestação – o prazo previsto para esse trâmite é de 15 dias

 

O que prevê o regimento da Câmara

1  Após envio da denúncia à Câmara, a Comissão de Constituição e Justiça tem até dez sessões para debater

2 Um relator  é escolhido automaticamente para estudar o caso

3 Os advogados do presidente têm até 10 dias para apresentar manifestação

4 Relator na comissão tem cinco sessões para apresentar o voto

5 Após a CCJ, o pedido de autorização é votado em plenário

 

A votação no plenário

513 é o total de deputados

172 Temer precisa de 1/3 + 1 voto

2/ 3 ou 342 Número de votos necessários para a Câmara dar aval ao STF

 

Autorização

Caso os deputados deem autorização, o STF julga a denúncia. Se a acusação for aceita, o presidente é afastado do cargo por 180 dias

 

Arquivamento

Rejeitada a denúncia pelo STF, o processo é arquivado

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Presidente viajou em helicóptero de empresa alvo na Lava Jato

Fábio Serapião / Beatriz Bulla

15/06/2017

 

 

O presidente Michel Temer usou o helicóptero Bell prefixo PR-VDN, do empresário Vanderlei de Natale, em 2014, para viajar de São Paulo até Tietê, sua cidade natal no interior paulista.

Natale é um dos sócios da Construbase Engenharia, investigada na Operação Lava Jato por suspeita de irregularidades em uma licitação da Petrobrás e responsável por pagamentos de R$ 1,9 milhão para um empresa de fachada investigada por ser usada para escoar propina na obra da Usina de Angra 3, em Angra dos Reis, no Rio.

A viagem, realizada em 9 de março daquele ano, foi revelada pelo jornal Zero Hora. A aeronave está em nome da Juquis Agropecuária – assim como a Construbase, a empresa tem Natale como sócio.

Questionado pelo Estado, Temer confirmou que usou o helicóptero e disse ser amigo de Natale. Sobre a Construbase, Temer informou que não mantém relação com a empresa nem tinha conhecimento da investigação na Lava Jato.

A Construbase aparece na quebra de sigilo da empresa de fachada CG Consultoria que, segundo o Ministério Público Federal, teria escoado propina para o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear, em razão da licitação de Angra 3. Na lista do MPF, são apresentados 35 repasses entre 2009 e 2012.

No caso da Usina de Angra 3, no qual a CG Consultoria é investigada, o MPF também apura os repasses para a empresa Argeplan, do coronel da Polícia Militar e amigo de Temer José Bapstita Lima Filho.

 

Contrato. A empresa finlandesa AF foi a vencedora de um contrato de R$ 162 milhões na Eletronuclear e, por exigência brasileira, subcontratou duas empresas locais: a Engevix e a AF Brasil – da qual a Argeplan faz parte. Lima era gestor do contrato com a Eletronuclear, pela parte da Argeplan. O contrato foi assinado em 2012 para serviços de eletromecânica.

A Construbase foi procurada, mas não respondeu ao Estado.

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45166, 15/06/2017. Política, p. A4.