Temer foi, crise fica

Eliane Cantanhêde

20/06/2017

 

 

Quando o então presidente José Sarney embarcou para uma viagem internacional, em meio a um dos solavancos rotineiros na época do seu governo, Fernando Henrique fez uma maldade: “A crise viajou”. Não se pode dizer o mesmo quando o presidente Michel Temer joga tudo para lá e cruza oceanos e continentes. Ele não é a crise, é apenas parte dessa monumental bagunça.

Ao embarcar ontem no Aerolula, ops!, no avião presidencial, Temer deixou para trás um vídeo indignado contra Joesley Batista, da JBS, e processos por danos morais, calúnia, injúria e difamação contra ele. Mas o presidente deixou também um rastro de múltiplas crises e uma agenda político-policial carregada.

Enquanto ele encena normalidade na Rússia e na Noruega, o procuradorgeral Rodrigo Janot vai aprontando o pedido de abertura de processo contra o presidente. Temer tem pressa e torce para que Janot faça logo o pedido, já que ele tem mais de 172 votos na Câmara para barrar o processo. Mas Janot acha que, quanto mais o tempo passa, mais bombas terá contra Temer para reverter votos de deputados.

A Polícia Federal entregou ontem parte do inquérito contra Temer e o seu ex-assessor Rodrigo Rocha Loures à PGR, mas pediu mais tempo para as investigações. A PF e a PGR estão ansiosas para ouvir o que o próprio Rocha Loures, o coronel João Baptista Lima e o ex-ministro Henrique Eduardo Alves, entre outros, têm a contar sobre Temer. Logo, o presidente quer engavetar o processo antes de eles falarem, mas Janot só quer pedir o processo depois, até mesmo aproveitando bem o que venham a contar.

De outro lado, dois outros personagens jogam seus destinos nesta semana.

O primeiro processo contra Lula entra na reta final, o Ministério Público já pediu condenação e prisão e o juiz Sérgio Moro estará pronto a dar sua sentença a qualquer momento. Imagine- se a expectativa de todos os lados...

E, hoje, a Primeira Turma do Supremo, que tem sido mais implacável do que a Segunda, decide se acata ou não o pedido da PGR para prender o senador Aécio Neves, do PSDB, o que pode causar mais uma saia-justa entre o Judiciário e o Legislativo. Legalmente, parlamentares só podem ser presos em flagrante delito.

Esse foi o caso de Delcídio Amaral, decidido em uma reunião extraordinária do Supremo. Já Eduardo Cunha, por exemplo, foi afastado da presidência da Câmara e do mandato, acabou cassado e só depois disso foi prestar contas à Justiça, mais precisamente a Moro, lá em Curitiba.

Por falar nisso, Cunha mandou mensagem de sua cela ontem desmentindo a versão de Joesley Batista de que mal conhecia Lula, mal tinha contato com Lula, nunca teve conversas comprometedoras com Lula. Segundo o deputado cassado, os três – Lula, Joesley e o próprio Cunha – passaram horas, em 2016, discutindo o impeachment de Dilma.

Eduardo Cunha diz que tem testemunhas para comprovar o encontro, no Sábado de Aleluia, 26 de março, menos de um mês antes da degola de Dilma: os agentes da Polícia Legislativa que faziam sua segurança.

Mas, mais do que esses agentes, o que muita gente gostaria mesmo era ser uma mosquinha para ouvir o que tanto falavam três pessoas tão distantes, ou seriam muito mais próximas do que nós, os incautos, poderíamos imaginar? Pulgas atrás da orelha: depois de tudo o que a gente já sabe, o que um trio barra-pesada como esse andava conversando – ou negociando – sobre Dilma e o impeachment? E, afinal, o que Joesley tinha a ver com isso, se ele mal conhecia Lula? Ah! Na entrevista à revista Época, Joesley disse que só se encontrou duas vezes com Lula, uma em 2006, outra em 2013. Será que alguém acreditou?

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Gilmar ataca 'modelo de Esatdo policial' 

Elisa Clavery

20/06/2017

 

 

Ministro do STF também critica afastamento de um parlamentar por meio de liminar, sem citar decisão de Edson Fachin sobre Aécio Neves

O ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Gilmar Mendes, voltou a criticar ontem as investigações conduzidas pelo Ministério Público Federal. Gilmar disse que o País não pode “despencar para um modelo de Estado policial” em que apurações “na calada da noite” atingem até o presidente da República. Sem citar Aécio Neves (PSDB-MG), ele também atacou o afastamento de um parlamentar por meio de liminar, em referência à decisão tomada pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo.

As declarações de Gilmar foram dadas na véspera do julgamento do pedido de prisão de Aécio pela Primeira Turma do STF – da qual o ministro faz parte (mais informações na pág. A8) – e no dia em que se encerrava o prazo para a conclusão do inquérito da Polícia Federal que investiga Temer.

O ministro falou durante seminário do Grupo de Líderes Empresariais, no Recife. Embora tenha destacado a Lava Jato como uma “importante conquista”, Gilmar fez duras críticas a juízes e procuradores e chegou a ser aplaudido pela plateia em alguns momentos. O ministro criticou o que chamou de “abusos” e disse que “expandiu- se demais a investigação, além dos limites”.

“Abriu-se inquérito para investigar o que já estava explicado de plano. Qual é o objetivo? É colocar medo nas pessoas. É desacreditá-las. Aí, as investigações devem ser questionadas”, afirmou.

Na alusão ao afastamento de Aécio das funções de senador, Gilmar sugeriu ainda inconstitucionalidade na decisão de Fachin. “Se está a banalizar. Dá-se uma liminar para suspender um senador do mandato. Onde está isso na Constituição? Não está, mas a gente inventa.” Na mesma linha, fez referência ao inquérito que envolve Temer.

“Nós não podemos despencar para um modelo de Estado policial. Investigações feitas na calada da noite, arranjos, ações controladas, que têm como alvo muitas vezes qualquer autoridade ou o próprio presidente.

É preciso discutir isso.” Gilmar também voltou a criticar a investigação aberta contra os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Francisco Falcão e Marcelo Navarro, para apurar se eles foram nomeados em troca de uma atuação que pudesse obstruir o avanço da Lava Jato. “O objetivo é constrangê- los. E constranger o tribunal e constranger a magistratura.” Para o ministro, nenhum país deve se organizar, em termos institucionais e econômicos, com o propósito principal de combater a corrupção. “Em algum momento, parece que o País se voltou para isso: ‘não posso fazer a reforma da Previdência porque tenho que combater a corrupção’. Não pode ser assim.” Gilmar afirmou que entende que combater a corrupção tem se tornado “programa monotemático” para procuradores e promotores, que foram “colocados no centro do debate nacional”.

Mas, para ele, as investigações começaram a abordar até situações de “mera irregularidade”.

“Consciente ou inconscientemente, o que se passou a querer era mostrar que não havia salvação no sistema político.” Como exemplo, o presidente do TSE citou as doações via caixa 2, uma prática que ele já havia dito que não necessariamente pressupõe corrupção.

‘Ditadura’. Gilmar disse ainda que não se faz democracia sem política e sem políticos. “Quem quiser fazer política que vá aos partidos políticos e faça política lá. Não na promotoria, não nos tribunais”, disse, sob aplausos. O ministro criticou também a possibilidade de um governo gerido por juízes e promotores.

“Deus nos livre disto. Os autoritarismos que vemos por aí já revelam que nós teríamos não um governo, mas uma ditadura de promotores ou de juízes.”

No Recife. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes ministra palestra a empresários do Grupo Lide

Constituição

“Dá-se uma liminar para suspender um senador do mandato. Onde está isso na Constituição? Não está, mas a gente inventa.”

Gilmar Mendes

MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EM ALUSÃO AO AFASTAMENTO DO SENADOR AÉCIO NEVES (PSDB-MG)

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Críticos desejam ‘defender amigos poderosos’, diz Janot

Isadora Peron, Mariana Sallowicz e Daniel Weterman

20/06/2017

 

 

Candidatos a sucessor de procurador-geral da República também reagiram às declarações de ministro do STF

Na semana em que o Supremo Tribunal Federal se prepara para debater o instrumento da delação premiada, o procuradorgeral da República, Rodrigo Janot, fez na noite de ontem um discurso em defesa da Operação Lava Jato e afirmou que a instituição está “em guerra contra um inimigo sem face”. “Não é, definitivamente, uma guerra contra pessoas ou contra partidos, mas, sim, contra a impunidade e a corrupção que dilapida o patrimônio do País.

Mas não estamos sozinhos.

Contamos com o nosso brioso Judiciário, que não deixará se influenciar por pressões políticas e saberá julgar com imparcialidade, sem concessões aos poderosos de turno”, disse.

Em sua fala, durante a abertura de um seminário no Conselho Nacional do Ministério Público, Janot afirmou que a regulamentação da colaboração premiada foi um dos instrumentos que permitiram o avanço no combate à corrupção. Ele também citou a decisão do Supremo de permitir a execução de pena após a condenação em segunda instância. “O resultado desses dois exemplos, especialmente na Lava Jato, foi enorme e fala por si”, disse Janot.

Sem citar o nome do ministro do Supremo Gilmar Mendes, que ontem voltou a fazer críticas à Lava Jato, Janot afirmou que há pessoas que acusam o Ministério Público de “exagero” e que o Brasil está vivendo em um Estado policial.

Para o procurador-geral, há dois tipos de pessoas que fazem isso: as que nunca viveram em uma ditadura e as que não têm compromisso com o País. “A real preocupação dessas pessoas é com a casta privilegiada da qual fazem parte. Empunham estrepitosamente a bandeira do Estado de direito, mas desejam mesmo é defender os amigos poderosos com os quais se refestelam nas regalias do poder.

Mas faço um alerta para essas pessoas: a sociedade brasileira está cansada, cansada. Pode até levar um tempo, mas os brasileiros saberão reconhecê-los e serão fortes para repudiálos”, disse.

Janot, que deixará o cargo em setembro, disse também que sabia que a corrupção era um problema enraizado, mas que o País está no caminho certo e que a população almeja o fim do que ele chamou de “chaga”.

Ao iniciar seu discurso, Janot citou trecho do livro A Coroa, A Cruz e A Espada – Lei, Ordem e Corrupção no Brasil Colônia, do escritor Eduardo Bueno. “Onde foi parar tanto dinheiro? Parte foi gasta, parte desviada. Investigando os papéis da Câmara de Salvador, Teodoro Sampaio pinta um quadro de dissolução geral: os infratores, de todos os gêneros, eram contumazes, e as penas não passavam de ameaças.

As multas raro se pagavam.” Segundo Janot, esses fatos, “que remontam há quase 500 anos, poderiam ser perfeitamente adequados para qualquer evento de corrupção da atualidade”. “Seria um parágrafo que bem se encaixaria em qualquer das inúmeras notícias de corrupção que pululam nos jornais de nossos dias.”

‘Repúdio’. Procuradores reunidos em evento no Rio criticaram ontem Gilmar. “Afirmar que o Ministério Público Federal tem exagerado não condiz com a verdade. Venho aqui repudiar essa fala, que é um desserviço”, disse o subprocurador- geral da República Nicolao Dino. Dino participou de debate com outros sete candidatos à formação da lista tríplice para a cadeira de Janot.

Outro concorrente ao cargo, o subprocurador-geral da República Eitel Santiago, disse que Gilmar “às vezes fala demais”.

Em tom de provocação, afirmou ainda que outra candidata, Raquel Dodge, teria o apoio do ministro do STF. Ela negou.

O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, da Lava Jato em Curitiba, disse que Gilmar “ameaça o combate à corrupção e quer impedir o Ministério Público de investigar”.

“Precisamos resistir e fazer valer as leis e a Constituição, e não a vontade de déspotas pouco esclarecidos”, escreveu o procurador em uma rede social. / ISADORA PERON, MARIANA SALLOWICZ e DANIEL WETERMAN

Prazo. Janot deixará cargo de procurador-geral em setembro

‘Casta privilegiada’

“A real preocupação dessas pessoas (que criticam o Ministério Público) é com a casta privilegiada da qual fazem parte. Empunham a bandeira do Estado de direito, mas desejam mesmo é defender os amigos poderosos.”

Rodrigo Janot

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

 

O Estado de São Paulo, n. 45171, 20/06/2017. Política, p. A6