DÉFICIT FISCAL EM RISCO

GERALDA DOCA

 BÁRBARA NASCIMENTO

MANOEL VENTURA

01/08/2017

 

 

União quer destravar leilões para aumentar receita. Meirelles, porém, já admite rever meta

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, admitiu ontem, pela primeira vez, que o governo analisa a possibilidade de aumentar a meta de déficit primário para este ano, de R$ 139 bilhões. Porém, para evitar que o rombo fiscal não seja cumprido, o ministro determinou à equipe econômica que derrube todos os obstáculos jurídicos e burocráticos para a obtenção de receitas suficientes para o fechamento das contas. Meirelles mandou antecipar a licitação do balcão de seguros da Caixa Seguridade, o que poderá render, no mínimo, R$ 5 bilhões para os cofres públicos. Também conta com recursos das concessões nas áreas de energia, petróleo e gás, previstas para setembro e outubro; da Lotex; das outorgas do aeroporto do Galeão; e da oferta pública de ações do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB). Tudo isso poderia garantir, pelo menos, R$ 49 bilhões.

— Em relação à questão da meta fiscal, estamos analisando o assunto. No momento, a meta anunciada será seguida. Mas, de novo, estamos monitorando todos os fatores da economia, a evolução da arrecadação — afirmou Meirelles, acrescentando que houve grande queda no recebimento de tributos.

O ministro disse acreditar na melhora da arrecadação com impostos e contribuições federais. Contudo, destacou que é preciso fazer o que for melhor para garantir a transparência e a confiança na economia brasileira.

 

AUMENTO DE IMPOSTOS

Além do Galeão e das privatizações, o ministro mencionou, como receitas com as quais o governo conta, precatórios no valor de R$ 2 bilhões, provenientes de ações ganhas por cidadãos que não retiraram o dinheiro na Caixa. Ele ainda garantiu que não está estudando uma nova alta de impostos no momento:

— Em relação à questão de outros impostos, não temos planos no momento, como tenho dito desde agosto do ano passado. Em agosto, disse que não planejava aumento de imposto para 2016, mas que, caso necessário, faríamos. E a mesma coisa é valida no momento. É algo que não é uma solução preferencial. Isso acontece apenas em situações em que é absolutamente necessário.

Embora auxiliares diretos do presidente Michel Temer reclamem do arrocho orçamentário e considerem a meta “ousada”, foi decidido que só Meirelles tem autorização para tratar publicamente do assunto. De cima para baixo, a missão dada aos técnicos responsáveis pelos leilões é fazer de tudo para que os certames tenham êxito, evitando-se assim uma “tragédia” para as contas públicas, que seria a revisão obrigatória da meta, sobretudo no caso do leilão das hidrelétricas hoje nas mãos da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) — São Simão, Jaguara, Miranda e Volta Grande.

O secretário de Projetos do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Tarcísio Gomes de Freitas, assegurou ao GLOBO que o edital do leilão das quatro usinas da Cemig estará na praça no dia 9 de agosto, ou seja, quarta-feira da semana que vem, e que o certame ocorrerá entre o fim de setembro e início de outubro. Segundo ele, a determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), de exigir novos cálculos referentes à taxa de retorno, não significa prejuízos para a realização do leilão, porque o processo não terá de passar novamente pelo crivo do tribunal.

— Estamos confiantes de que vamos ter êxito. A Cemig não tem dinheiro para entrar na disputa e está fazendo de tudo para não perder parte do seu parque gerador, mas a Advocacia-Geral da União (AGU) está mobilizada para derrubar todas as decisões judiciais contrárias ao leilão — destacou Freitas.

Mesmo com a indefinição judicial sobre as quatro hidrelétricas atualmente operadas pela estatal mineira — o que pode atrapalhar na formação dos preços das usinas — o governo já recebeu sondagens de três grupos econômicos interessados nos leilões. A própria empresa tem negociado com o fundo de pensão canadense Ontario Teachers’ Pension Plan uma possível parceria para disputar o leilão. A Cemig tem interesse em manter as usinas, que representam metade de sua capacidade de geração, mesmo após a estatal anunciar a venda de uma série de ativos para reduzir dívidas. Em outra frente, dois grupos chineses também já demonstraram interesse em participar da licitação: a estatal CTG e a ZEPC.

A estatal mineira tem buscado todos os meios de suspender ou cancelar o leilão. A empresa alega que os contratos das usinas que serão relicitadas possuíam cláusulas que garantiam uma renovação automática da concessão por 20 anos. Os movimentos da Cemig para manter as hidrelétricas chegaram a incluir a busca de apoio junto a políticos mineiros e reuniões no Supremo Tribunal Federal (STF). A empresa pediu ao Supremo para suspender a licitação, alegando que tem direito de preferência para renovar os contratos. A companhia também apresentou proposta para tentar um acordo com a União. O governo, no entanto, resiste a qualquer possibilidade de negociação, diante do quadro fiscal.

 

PRORROGAÇÃO DO REPETRO

Além do leilão das elétricas, outra grande expectativa de arrecadação está nos certames de petróleo e gás, previstos para setembro e outubro. Segundo Freitas, deve ser publicada, em breve, a medida provisória (MP) que prorroga o Repetro (programa especial de tributação para importação de equipamentos destinados à produção de petróleo), que será fundamental para aumentar a concorrência no leilão. O técnico lembrou também que o governo já avançou em outros pontos, como a flexibilização da exigência de conteúdo local e a não obrigatoriedade de a Petrobras entrar como sócia.

No Congresso, a estratégia agora é batalhar para manter o texto original da medida provisória que acabou com a desoneração da folha de pagamento de vários setores. Em vigor desde julho, a MP vai permitir uma receita de R$ 2 bilhões este ano. A proposta foi mudada na comissão especial que tratou do tema, e uma das consequências foi a prorrogação da vigência da MP para janeiro do ano que vem.

Além disso, para garantir uma receita de R$ 13,3 bilhões, a orientação da equipe econômica é deixar caducar a MP que criou o Programa Especial de Regularização Tributária (Refis). A medida dá prazo até 31 de agosto para que os contribuintes acertem suas contas com o Fisco. Se não for votada em setembro, ela perderá a validade, mas já terá surtido efeito nos cofres públicos.

O governo tem até o dia 31 de agosto para enviar a proposta orçamentária para 2018. A equipe econômica quer aproveitar esse prazo para tomar uma decisão sobre a meta deste ano e do próximo, esta última fixada em um rombo de R$ 129 bilhões, explicou uma fonte. Até lá, deverá também tomar medidas para reduzir gastos, como, por exemplo, a suspensão ou mesmo o cancelamento dos reajustes a várias categorias do serviço público, programados para janeiro de 2018.

 

O globo, n.30675 , 01/08/2017. ECONOMIA, p. 19