Título: Bahia refém da insegurança
Autor: Filizola, Paula ; Castro, Grasielle
Fonte: Correio Braziliense, 04/02/2012, Brasil, p. 8

Às vésperas do carnaval, estado recebe homens das Forças Armadas para conter a onda de saques e homicídios instaurada após a greve de PMs. Em Salvador, 20 assassinatos foram registrados em 16 horas, quantia cinco vezes superior à média diária

A duas semanas de receber cerca de 500 mil turistas para um dos maiores carnavais do país, Salvador está em estado de alerta com a paralisação parcial da Polícia Militar. Tropas federais foram enviadas à capital baiana para amenizar o clima de insegurança que toma conta da cidade. Só ontem, a Secretaria de Segurança Pública registrou 20 assassinatos na capital baiana da 0h às 16h de ontem, 10 tentativas de homicídio, além de saques em estabelecimentos comerciais. A média, estimada pelo órgão, é de quatro mortes por dia em Salvador. Desde o início da greve, foram contabilizados 44 assassinatos. A pedido da presidente Dilma Rousseff, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, desembarca hoje na cidade para discutir soluções para o problema.

O governador da Bahia, Jaques Wagner, solicitou na quinta-feira ajuda ao Ministério da Defesa. Até o momento, o reforço conta com 2.800 militares das Forças Armadas, apoiados por 400 homens da Força de Segurança Nacional. O governo federal também disponibilizou quatro helicópteros. Outros 4 mil militares da 10ª Região Militar de Fortaleza estão de plantão caso precisem ser acionados para reforçar a segurança no estado.

Ontem, o secretário de Segurança Pública da Bahia, Maurício Barbosa, reuniu-se com o Exército para discutir um pacote de medidas a fim de restaurar a sensação de segurança no estado. Em entrevista a um jornal local, ele disse que a ideia é concentrar os agentes em pontos estratégicos de Salvador, onde há maior fluxo de pessoas. Segundo o tenente-coronel Cunha, chefe da assessoria de comunicação do Comando da 6ª Região Militar, as ações militares estão integradas com os agentes policiais da região. "Já é possível afirmar que estamos devolvendo a sensação de segurança à população. Mas ainda não existe previsão do fim da missão", afirmou.

Na opinião do ex-secretário Nacional de Segurança Pública e consultor em segurança coronel José Vicente da Silva, a convocação da Força Nacional pode ser perigosa. Segundo ele, os agentes não conhecem necessariamente a capital baiana, o que pode ajudar a agravar a crise.

Shows cancelados Nos últimos dias, o comércio fechou as portas em diversas regiões da cidade temendo arrastões. No bairro de Mata Escura, a insegurança é grande. As pessoas evitam sair às ruas com medo de assaltos. Foi nesse bairro que, na noite de quinta-feira, morreu o percurssionista do grupo Olodum Denilton Souza Cerqueira, 34 anos. Ele foi baleado na cabeça e nas costas durante uma tentativa de assalto. Segundo o tenente-coronel Cunha, há muitos boatos que colaboraram para criar um clima de insegurança na população.

Com a crescente onda de violência, alguns shows foram cancelados ou adiados. Marcado para hoje, na Praia do Forte, litoral norte baiano, O Cerveja e Cia Folia, que teria a participação da cantora Ivete Sangalo, não vai mais ocorrer para "zelar pela segurança dos foliões". Outros 16 eventos foram adiados. A Secretaria de Cultura do estado informou que os museus não abrirão neste fim de semana.

O juiz da 6ª Vara da Fazenda Pública, Ruy Eduardo Almeida Brito, considerou ilegal o movimento dos PMs, ligados à Associação de Policiais e Bombeiros e de seus Familiares do Estado da Bahia (Aspra). Segundo ele, se a Aspra não suspender a ação, será cobrada multa de R$ 80 mil por dia de paralisação.

O comandante-geral da Polícia Militar, coronel Alfredo Castro, confirmou ontem que 10 mil PMs aderiram à greve, o que representa um terço do efetivo da corporação. Segundo o secretário de Segurança Maurício Barbosa, eles estão abertos para conversar com a categoria, mas sem coação. "Não podemos levar as melhorias das condições salariais de qualquer categoria acima dos interesses da sociedade. Não desconsideramos como justas as reivindicações, como incremento salarial, os benefícios. Mas não se pode optar pelo radicalismo. Temos que dialogar, discutir, encontrar uma solução sem que a sociedade fique refém de qualquer outro interesse", ponderou.

Loja de eletrodomésticos é saqueada na capital: comércio fechou as portas mais cedo temendo prejuízo

Civis não pararam Em assembleia realizada ontem, policiais civis baianos decidiram não aderir à greve da Polícia Militar. Segundo Carlos Lima, representante do Sindicato dos Policiais Civis da Bahia, os agentes se mostraram solidários aos grevistas PMs, mas descartaram a possibilidade de participarem de uma paralisação conjunta neste momento. O porta-voz afirmou que a Polícia Civil luta pelo aumento do piso salarial da categoria para 10 salários mínimos e a pauta será encaminhada ao governador no próximo mês.

Palavra de especialista Lideranças desgastadas

As questões que culminaram com essa greve na Bahia são locais e da própria polícia, não têm nenhuma relação com causas distantes. Os problemas de hoje são os mesmos de 2001, quando fiz um relatório sobre a gestão policial no estado. Há uma conjunção de fatores: o estado trata mal os policiais e a gestão é desastrosa, para dizer o mínimo. Salvador terminou o ano passado com 1.542 homicídios. Enquanto São Paulo, que é quatro vezes maior, fechou o mesmo período com 1.023. Ou seja, 40% a menos. Salvador é uma das cidades mais violentas do país e isso é de longa data. A liderança da Polícia Militar é desgastada, velha e não trata bem os funcionários. A proximidade com o carnaval também não é o fator principal dessa pressão. Pode até ter sido o gatilho. Os dirigentes da polícia na Bahia não estão preocupados com isso. A maioria dos estados é novata na gestão de segurança e a Bahia está entre eles. A polícia baiana reclama de muitas coisas e com razão. Falta proteção, por exemplo. O colete à prova de balas deveria fazer parte do uniforme pessoal. Salário nem sempre é a principal queixa. Os policiais de Rondônia têm um dos salários mais altos do país e fazem greve. Nesse caso, a PEC 300, que trata de estabelecer um piso nacional para a categoria, não entra na história.

Coronel José Vicente da Silva, ex-secretário nacional de Segurança Pública

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