‘Isso vai dar merda com o Michel’, disse Cunha sobre suposta propina

CAROLINA BRÍGIDO

05/08/2017

 

 

PF envia ao STF diálogos entre Cunha e Alves que citam o presidente

 

A Polícia Federal enviou para o Supremo Tribunal Federal (STF) diálogos entre os ex-presidentes da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) que, segundo os investigadores, tratam de negociação de propina. A conversa é de 2012, quando ambos eram deputados, e cita Michel Temer, que era vice-presidente da República. Para a PF, a propina negociada seria paga pelo dono da JBS, Joesley Batista. Em um trecho, eles dão a entender que Temer ficaria incomodado se o empresário retirasse parte da propina que seria destinada ao grupo do PMDB em São Paulo.
Em 22 de agosto de 2012, por mensagem de celular, Alves contou a Cunha o resultado de uma conversa com “Joes” — que, de acordo com a PF, seria Joesley Batista. Os dois falam de “convites”. Para os investigadores, era um código para mencionar o pagamento de propina. “Joes aqui. Saindo. Confirme dos 3 convites, 1 RN 2 SP! Disse a ele!”, escreveu Alves. Cunha respondeu: “Ou seja ele vai tirar o de São Paulo para dar a vc? Isso vai dar merda com o Michel. E ele não estaria dando nada a mais”.

Segundo o relatório, “a hipótese seria que três repasses originados do acerto com o grupo JBS fossem relacionados a Michel Temer, lembrando que era um momento eleitoral, porém houve a intervenção de Henrique Alves para que um fosse direcionado ao Rio Grande do Norte, fato que poderia gerar alguma indisposição com Michel Temer, segundo Eduardo Cunha”. A conversa cita três “convites” de Joesley que seriam repassados aos peemedebistas. A troca de mensagens estava no celular de Cunha apreendido pela PF em buscas feitas em dezembro de 2015. O relatório foi concluído em dezembro de 2016 e estava sob sigilo, dentro das investigações sobre Cunha na Lava-Jato. Somente agora o STF disponibilizou o arquivo para consulta pública. O documento será encaminhado ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que poderá juntar os elementos em inquéritos que investigam Alves e Temer no STF.

“A utilização do termo ‘convites’ pode ser uma tentativa de mascarar uma atividade de remessa financeira ilegal, já que, caso fosse um procedimento que obedecesse estritamente as normas legais, não haveria o porquê do uso deste termo”, conclui a PF no relatório.

O documento reforça a suspeita dos investigadores de que a propina estava sendo negociada para abastecer campanhas eleitorais, mesmo que nenhum dos três peemedebistas tenha se candidatado nas eleições de 2012. Na delação premiada feita neste ano, Joesley disse que deu, via caixa dois, R$ 3 milhões para a campanha de Gabriel Chalita à prefeitura de São Paulo, em 2012, a pedido de Temer.

 

SUSPEITA ENVOLVE A CAIXA

No dia seguinte à troca de mensagens, em 23 de agosto, uma nova conversa entre Cunha e Henrique Eduardo Alves levanta suspeita de que os valores da propina poderiam ter ligação coma liberação de dinheiro público da Caixa Econômica Federal para Joesley Batista, via recursos do FI- FGTS. Em mensagem enviada a Alves, Cunha escreveu :“Vou resolver co mele (Joesley) de qualquer forma porque tem o assunto de ontem dele que foi aprovado”.

No mesmo dia, em outra mensagem,Geddel Vieira Lima, ex-ministro de Temere, na época, dirigente na Caixa, dá a entender que está trabalhando pelos interesses da empresa de Joesley. “JeF: voto está pronto para pauta, porém surgiu pendência junto ao FGTS. que segundo Dijur impede assinatura. Fala para regularizar lá”, escreveu Geddel. Para a PF, a conversa mostra conexão entre o FGTS e os “convites”.

O globo, n. 30679, 05/08/2017. PAÍS, p. 4