Mantega, o novo Dirceu

Eliane Cantanhêde

18/06/2017

 

 

Corrupção sempre houve, mas a Lava Jato detalha minuciosamente para as vítimas – os cidadãos brasileiros –, como, a partir de 2003 e do mensalão, o então presidente Lula dividiu o governo e o País em duas grandes organizações criminosas, ou Orcrims, ou quadrilhas, uma do PT, outra do PMDB. E, já que elas foram um estrondoso sucesso, foram se multiplicando em Brasília, nos Estados e municípios. Os demais partidos, principalmente o PSDB, nunca puderam atirar a primeira pedra.

Pelas delações e provas, Lula instalou e comandou a quadrilha do PT nos bancos públicos, estatais, fundos de pensão e ministérios. E Joesley Batista declara a Diego Escosteguy, da revista Época, que o então vice Michel Temer tinha uma quadrilha para chamar de sua. “Era a maior e mais perigosa organização criminosa desse País, liderada pelo (atual) presidente”, acusou, citando Temer, Eduardo Cunha, Geddel, Henrique Alves, Padilha e Moreira Franco. “Quem não está preso está no Planalto.” Desde a gravação com Temer e a delação da JBS, Joesley joga suas denúncias, e até sua ira, contra Temer, passando de raspão por Lula. Mas... os procuradores e delegados não são trouxas e conhecem muitíssimo bem as regras das delações premiadas. O delator não pode mentir, nem omitir.

Joesley admite que “Lula e o PT institucionalizaram a corrupção”, mas, claramente, protege o petista. Se Lula nunca viu e nunca sabe de nada, agora é Joesley que também mal viu, mal conhecia Lula e nunca negociou nada com ele. Dá para acreditar? Em 2006, o grupo dos irmãos Batista faturou R$ 4 bilhões. Em 2016, foram R$ 170 bilhões, graças aos financiamentos, aportes e à sociedade com o generoso BNDES de Lula. Mas Joesley relata que foi um crescimento natural e suas relações com o BNDES eram “absolutamente republicanas”. Sempre tão falante, é sucinto – mas contundente – ao proteger Lula. Um troca-troca: Lula foi um pai para Joesley, Joesley está sendo filho agradecido para Lula.

No mensalão, Lula era o presidente, tudo ocorria no andar do seu gabinete, mas convencionou-se que o “chefe da quadrilha” era José Dirceu. A PGR, o Supremo, o Congresso, a própria oposição e a mídia foram cheias de pruridos diante de Lula, evitando cobrar responsabilidades e explicações do migrante nordestino, maior líder sindical de todos os tempos e presidente com imensa popularidade. A culpa toda recaiu sobre Dirceu.

No escândalo da JBS, a empresa virou a maior produtora de carne do mundo com uma mãozinha do BNDES, juros camaradas, financiamentos a toque de caixa, mais de R$ 8 bilhões (ou seriam R$ 12 bilhões?) para os irmãos Joesley e Wesley fazerem negócios fabulosos nos EUA. Coisa de Lula? Não, não, quem mandava em tudo, e arrecadava a propina, era Guido Mantega. Então, tá.

Assim, temos que eram duas organizações criminosas, Orcrims, ou quadrilhas, como Joesley Batista tão bem descreveu na entrevista. A do PMDB era chefiada pelo hoje presidente Temer. A do PT, ora, ora, não era chefiada por Lula, mas por Mantega? Mantega chorou ao se sentir uma vítima dos malvados da Lava Jato. Vai chorar também ao se saber vítima de Lula, Palocci e Joesley? Mantega é o Dirceu da vez, o que Antonio Palocci (esse é esperto) reforça no processo. Para se defender, ataca Mantega. Os dois, como ministros, usaram a Fazenda para negociatas, achaques, coleta de propinas para o PT. Espantoso! Mas Palocci tira o corpo fora e joga no colo de Mantega – com ajuda de Joesley. Parece estratégia, jogo combinado. Eles precisam livrar o Lula e livrar Palocci, que é Lula.

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Temer afirma que vai processar empresário 

Francisco Carlos de Assis

18/06/2017

 

 

Joesley diz à ‘Época’ que ‘sistema’ começou há 10, 15 anos e foi reproduzido por outras siglas; ele acusa Temer de comandar ação anti-Lava Jato

O empresário Joesley Batista, um dos donos do Grupo J&F – holding que inclui a JBS –, disse em entrevista à revista Época que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT “institucionalizaram a corrupção” no País, cujo modelo foi reproduzido por outros partidos. Segundo Joesley, há 10, 15 anos houve uma “proliferação de organizações criminosas” no Brasil.

“Nós participamos e tivemos de financiar muitas delas”, afirmou o empresário, que indicou o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega como o seu contato no PT.

“Foi no governo do PT para a frente. O Lula e o PT institucionalizaram a corrupção. Houve essa criação de núcleos, com divisão de tarefas entre os integrantes, em Estados, ministérios, fundos de pensão, bancos, BNDES. O resultado é que hoje o Estado brasileiro está dominado por organizações criminosas.

O modelo do PT foi reproduzido por outros partidos.” Apesar de citar o ex-presidente, Joesley disse que nunca teve “conversa não republicana com Lula”. “Zero, eu tinha com o Guido”, afirmou. “Não estou protegendo ninguém, mas só posso falar do que fiz e do que posso provar. Não estou entregando pessoas. Entreguei provas aos procuradores. E o PT tinha o maior saldo de propina. O que posso fazer se a interlocução era com o Guido?” O empresário citou repasses ilícitos envolvendo um esquema de corrupção no BNDES e disse que o “crédito” que “o PT gastou para comprar a eleição de 2014” chegou a R$ 300 milhões.

Joesley disse ainda que “creditava o valor da propina na conta do Guido na Suíça” quando eram liberadas parcelas de financiamentos captados na instituição de fomento.

Ele, contudo, isenta de responsabilidade nos crimes o expresidente do banco, Luciano Coutinho. “Nunca pagamos um centavo de propina dentro do BNDES”, disse.

Ainda sobre repasses ilícitos ao PT, o empresário reiterou o que relatou em sua delação e disse que a ex-presidente Dilma Rousseff pediu R$ 30 milhões para o atual governador de Minas, Fernando Pimentel (PT), na eleição de 2014. Ao afirmar, contudo, que o PT inaugurou esse “sistema” de corrupção, Joesley disse que ele seguiu no PMDB e agora “está no PSDB”.

Conversas. O empresário, que na entrevista acusou o presidente Michel Temer de ser o chefe de uma organização criminosa envolvendo peemedebistas na Câmara dos Deputados, disse também que decidiu delatar porque não poderia esperar ser preso ou ver sua empresa quebrar.

“Quando percebi que as coisas não iam mudar e não havia o que esperar, que os políticos não estavam entendendo o que estava acontecendo com o País, aí comecei a registrar minhas conversas. Fui ao Temer. A empresa não aguentaria mais tanta investigação”, afirmou.

Joesley disse que até o fim do ano passado continuava conversando bastante com os políticos na tentativa de encontrar uma solução para as investigações.

Segundo ele, Temer comandava um movimento para segurar a Lava Jato e contava com o apoio de aliados. “Geddel articulava a anistia ao caixa 2 e Renan (Calheiros) articulava o projeto de abuso de autoridade, quando era presidente do Senado.

Era uma pauta dele. Mas os dois assuntos morreram.”

‘Número 1’. O empresário afirmou também que decidiu gravar a conversa com o presidente da República no Palácio do Jaburu, em março, para saber se a “agenda” de Temer passava pela compra do silêncio de Lúcio Funaro e do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ambos presos na Lava Jato – Joesley alega que era cobrado constantemente pelo ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB-RJ), classificado por ele como o “mensageiro” do presidente.

Segundo ele, a maneira mais efetiva de fechar a colaboração era mostrar que “os políticos, no topo, não mudaram nada”. “Isso começa com o número 1, com o presidente da República.” Joesley chama o senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) de número 2. “Porque era a alternativa.

Teve 48% dos votos dos brasileiros. E tinha entrado no governo Temer”, disse.

O empresário afirmou que não há possibilidade de o áudio gravado na conversa no Jaburu, que passa por perícia na Polícia Federal, tenha sido editado.

“De modo algum. Zero. Zero.

Gravamos e entregamos. Podem fazer todas as perícias do mundo. Tentam desqualificar o áudio por desespero.” Na extensa entrevista, Joesley afirma ainda que as organizações criminosas “usavam as eleições para ganhar dinheiro”. “A campanha é um evento que permite ao político sair por aí pedindo dinheiro. O que ele faz com o dinheiro a gente não sabe.” Ele disse que não tem receio de ser convocado numa CPI e que o processo de delação é “muito doído”. “Jantava com os políticos e tinha uma relação maravilhosa com eles. Só ouvia que tudo ia dar certo. Pela manhã aparecia a polícia na minha casa.” / FRANCISCO CARLOS DE ASSIS

Contas. Guido Mantega prestou depoimento sobre chapa Dilma-Temer em abril; ex-ministro foi citado por Joesley Batista

FRASES

O PT

“(Proliferação de organizações criminosas) Foi no governo do PT para a frente. O Lula e o PT institucionalizaram a corrupção. Houve essa criação de núcleos, com divisão de tarefas entre os integrantes, em Estados, ministérios, fundos de pensão, bancos, BNDES. O resultado é que hoje o Estado brasileiro está dominado por organizações criminosas. O modelo do PT foi reproduzido por outros partidos.”

Lula e Mantega

“Não estou protegendo ninguém (se refere a Lula), mas só posso falar do que fiz e do que posso provar. Não estou entregando pessoas. Entreguei provas aos procuradores. E o PT tenha o maior saldo de propina. O que posso fazer se a interlocução era com o Guido?”

Temer

“Quando percebi que as coisas não iam mudar e não havia o que esperar, que os políticos não estavam entendendo o que estava acontecendo com o País, aí comecei a registrar minhas conversas. Fui ao Temer. A empresa não aguentaria mais tanta investigação.”

Áudio

“De modo algum (foi editado). Zero. Zero. Gravamos (conversa com Temer) e entregamos. Podem fazer todas as perícias do mundo. Tentam desqualificar o áudio por desespero.”

Relação com políticos

“Jantava com os políticos e tinha uma relação maravilhosa com eles. Só ouvia que tudo ia dar certo. Pela manhã aparecia a polícia na minha casa.”

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Temer afirma que vai processar empresário

Lorenna Rodrigues e Luci Ribeiro

18/06/2017

 

 

O presidente Michel Temer afirmou ontem que vai processar Joesley Batista, sócio do grupo J&F, pelo que chamou de “mentiras” do empresário na entrevista à revista Época. Joesley afirmou que Temer lidera a “maior organização criminosa do País”.

“Serão protocoladas ações civil e penal contra ele. Suas mentiras serão comprovadas e será buscada a devida reparação financeira pelos danos que causou, não somente à instituição Presidência da República, mas ao Brasil”, diz a nota.

O texto da Presidência afirma que Joesley é o “bandido notório de maior sucesso na história brasileira” e “desfia mentiras em série” na entrevista. Segundo o Planalto, a maior prova das “inverdades” do empresário é a própria gravação que ele apresentou à Justiça e ao Ministério Público Federal em troca do perdão de crimes que somariam mais de 2 mil anos de detenção, conforme mostrou reportagem do Estado publicada no início do mês.

A nota cita que, na entrevista, Joesley diz que Temer sempre pede algo a ele nas conversas que tiveram. “Não é do feitio do presidente tal comportamento mendicante.” De acordo com o texto, era Joesley quem queria resolver seus problemas no governo.

O Planalto admite que, na gravação, ao delatar o presidente, o empresário “confessa alguns de seus pequenos delitos” e alcançou, com isso “o perdão por todos os seus crimes”.

O advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, afirmou em nota que a entrevista de Joesley “tem que ser entendida no contexto de um empresário que negocia o mais generoso acordo de delação premiada da história”.

Diz que mesmo nesse contexto, “foi incapaz de apontar qualquer ilegalidade cometida, conversada ou do conhecimento do ex-presidente Lula”.

A assessoria da ex-presidente Dilma Rousseff disse que ela “jamais tratou ou solicitou de qualquer empresário, nem de terceiros doações, pagamentos ou financiamentos ilegais para as campanhas eleitorais”.

A defesa do governador de Minas Fernando Pimentel (PT) não se pronunciou.

O Estado procurou as assessorias do senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG), dos ex-ministros Guido Mantega e Geddel Vieira Lima e do senador Renan Calheiros (PMDBAL), mas não obteve resposta até a conclusão desta edição. 

 

O Estado de São Paulo, n. 45169, 18/06/2017. Política, p. A6